O fim de um dia que durou seis anos e meio

Por Francisco Fernandes Ladeira (*)

A posse de um presidente da República, por si só, já é um acontecimento histórico. Entretanto, no dia 1º de janeiro, quando Luiz Inácio Lula da Silva iniciou seu terceiro mandato, houve algo além da posse presidencial. Foi a derrota do golpe de 2016, movimento articulado por setores do grande capital nacional e internacional, com objetivo de impedir a continuidade do projeto de inclusão popular dos governos petistas e iniciar um programa neoliberal de terra arrasada (com o fim de diretos sociais e entrega do patrimônio nacional).

Em 31 de agosto de 2016, quando se concretizou a cassação do mandato de Dilma Rousseff, tivemos uma das páginas mais sombrias de nossa história, um dia que duraria seis anos e meio. Vitorioso o golpe, o presidente interino Michel Temer levou adiante uma política de desmonte do Estado e eliminação de direitos trabalhistas. Em poucos meses, os avanços dos governos petistas viraram pó.

O cronograma golpista estava bem delineado: Temer faria um governo tampão, que prepararia a volta da direita ao poder (na época, representada, principalmente, pelo PSDB). Desse modo, houve o “golpe dentro do golpe”, com a prisão do então ex-presidente Lula, para que ele não disputasse a eleição de 2018.

Naquele pleito, o único nome capaz de vencer o PT (e, portanto, dar continuidade ao golpe) não vinha da direita tradicional, mas da extrema direita: Jair Bolsonaro. Eleito, o presidente fascista, seguindo a cartilha golpista, fez um dos governos mais obscuros da história da humanidade.

Além da política neoliberal de arrancar o couro do trabalhador (que só não foi mais agressiva por causa da própria incompetência do governo até para quebrar o país), os quatro anos bolsonaristas foram marcados, entre outros retrocessos, por devastação da Amazônia, ataques à Educação, ameaças de intervenção militar, cerceamento de atividades culturais, trinta e três milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave e a mais desastrosa gestão planetária em relação à pandemia da Covid-19, com saldo de setecentas mil vítimas do novo coronavírus (um verdadeiro genocídio).

Não obstante, os discursos e atitudes fascistas de Bolsonaro, ao longo desses quatro tenebrosos anos, incentivou que machistas, homofóbicos e racistas, entre outros seres execráveis, saíssem do armário e não tivessem mais receio em demonstrar publicamente os aspectos mais nefastos de suas personalidades. Resultado: aumento dos índices de feminicídio, assassinatos por motivação política, insegurança no campo, invasão de terras indígenas, ameaças de ataques a bomba e perseguição religiosa a crenças de matriz africana. Em suma, com Bolsonaro, o golpe deixou de ser apenas de cunho neoliberal; passou a ser “neoliberal, fascista e neopentecostal”.

Entretanto, apesar de todas as manobras possíveis e impossíveis, esse governo não saiu vitorioso das urnas; Bolsonaro foi o primeiro presidente que disputou a reeleição e não obteve sucesso. Como bem sentenciou Lula, em 2016, se o prendessem, se transformaria em herói (o que ocorreu dois anos depois); se o soltassem, viraria presidente de novo. Foi o que ocorreu! O povo derrotou o golpe. Assim, podemos dizer que, seis anos e meio depois, aquele malfadado 31 de agosto de 2016, felizmente, terminou.

Lembrando as palavras de Chico Buarque (indireta para os governos militares, mas que também servem a Bolsonaro): “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

(*) Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV).


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