Bruno Costa
A Medida Provisória nº 746, de 2016, que instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, alterando profundamente a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, foi aprovada sem um amplo e necessário debate com a sociedade e com os sujeitos do processo educacional, antes da homologação da Base Nacional Comum Curricular, desvirtuando o conceito de educação básica e de educação integral.
A política de fomento inscrita na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, derivada da MPV 746/16, revela-se extremamente limitada quando nos deparamos com o propagandeado objetivo da reforma: a implementação de escolas de ensino médio em tempo Integral. Não por acaso, ao instituir cinco itinerários formativos para a parte diversificada do currículo do ensino médio (linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional), a Lei não torna obrigatória a oferta dos cinco itinerários por parte das escolas e/ou sistemas de ensino, que serão ofertados de acordo com as possibilidades de cada sistema, o que agravará sobremaneira as desigualdades educacionais, especialmente nos municípios que possuem apenas uma escola de ensino médio – mais da metade dos municípios do país.
Ao prever a ampliação gradativa da carga horária mínima anual do ensino médio de 800 para 1400 horas, totalizando 4200 horas, mas estabelecer que a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a 1800 horas do total da carga horária do ensino médio, a Lei desvirtua o conceito de educação básica e destina, na prática, no máximo 43% da carga horária do ensino médio a uma formação comum para o conjunto dos estudantes brasileiros.
Outro problema de extrema gravidade denunciado exaustivamente quando da tramitação da MPV 746/16 está inscrito no § 11 do art. 36 da LDB:
“§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
I – demonstração prática;
II – experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III – atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas;
IV – cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V – estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras;
VI – cursos realizados por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias. ”
O § 11 do art. 36 da LDB abre uma janela imensa para o processo de desescolarização, precarização e privatização do ensino médio. Ele permite que a educação a distância, promovida através de convênios com instituições de natureza não especificada (incluídas as instituições privadas de educação a distância), substitua a educação presencial; permite que os sistemas de ensino reconheçam, para efeito do cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, experiências de trabalho, cursos realizados por meio de educação a distância e outras experiências adquiridas fora do ambiente escolar, o que engloba, por exemplo, a transferência do estudante da escola para o chão da fábrica; permite ainda que recursos do FUNDEB sejam transferidos para a iniciativa privada, que firmará convênios com os sistemas de ensino para a oferta de educação a distância e de outras experiências que possam ser reconhecidas para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio.
Não por acaso a sociedade brasileira foi surpreendida pela imprensa com a notícia de que o Conselho Nacional de Educação debate uma proposta de aplicação da educação a distância em 40% da carga horária do ensino médio. Notícia agravada pelo fato de que o Ministro de Estado da Educação, Mendonça Filho, afirmou desconhecer a proposta em debate no CNE, revelando total descaso com a gestão das políticas públicas educacionais.
Trata-se de um golpe fatal contra o ensino médio, contra a educação básica pública e contra os trabalhadores em educação, afinal, menos carga horária de ensino presencial significa menos professores, em consonância com a política de austeridade implementada pelo governo ilegítimo de Michel Temer e estadualizada por governos estaduais, que almejam a redução do quadro de servidores públicos e a consequente redução das despesas com folha de pagamento dos trabalhadores em educação.
Trata-se de um retrocesso que desvirtua a própria ideia matriz da reforma autoritária do ensino médio, que propagandeia a implementação de escolas de ensino médio em tempo integral. Ainda que a carga horária total do ensino médio seja elevada gradativamente de 2400 para 4200 horas, como estabelece a Lei derivada da MPV 746/16, a aplicação da educação a distância em 40% da carga horária do ensino médio limitará o ensino médio presencial ofertado nas escolas públicas a uma carga horária de 2520 horas, o que elimina a ideia de implementação de escolas de ensino médio em tempo integral.
Faz-se necessário, portanto, desencadear um amplo processo de mobilização de estudantes, trabalhadores em educação, pais e mães de estudantes, gestores, especialistas e movimentos sociais do campo educacional contra o processo de desescolarização, precarização e privatização do ensino médio.
Se lembrarmos que as redes estaduais concentram quase 90% das matrículas do ensino médio, perceberemos quão perversa seria a implementação de uma proposta que seria responsável por drenar recursos do FUNDEB para a iniciativa privada, em tempos de vigência da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior durante 20 anos e anula, também por duas décadas, o piso constitucional dos impostos vinculados à educação.
A Conferência Nacional Popular de Educação, a ser realizada entre os dias 24 e 26 de maio, em Belo Horizonte/MG, precedida de conferências municipais, intermunicipais, estaduais e de conferências livres, será um espaço fundamental de mobilização e acúmulo político para o enfrentamento do programa do golpe para a educação brasileira.
Bruno Costa é da Assessoria da Liderança do PT no Senado Federal