Por Valter Pomar (*)
Alberto Cantalice
Tem gente que deveria desligar o celular aos domingos, especialmente depois das 23h00.
É o caso do Alberto Cantalice, meu digamos colega de diretoria na Fundação Perseu Abramo e também integrante do Diretório Nacional do PT.
Afinal, convenhamos, não há como considerar aceitável o tuíte que ele postou no domingo 5 de março, as 23h04.
O tuíte, que reproduzo ao final, diz o seguinte: “Líderes da américa latina: Lula, Boric, Amlo, Petro, Arce, Mujica, Alberto Fernandez, Kirchner o restante são proto-ditadores, aprendizes de autoritários, uns merdas”.
Alguém respondeu: “A América Latina tem 33 países. Voce está chamando 26 desses governos de ‘merda’? Um dirigente nacional do PT, diretor da Fundação Perseu Abramo? Chamando 26 países de merda? Você está bêbado?”
Cantalice treplicou: “Não. Eu chamei três países de ditaduras!”
Deixando de lado a dúvida etílica, vamos ao mérito.
Comecemos pelo final: é absolutamente inaceitável tratar como “merdas” dirigentes da esquerda latinoamericana, eleitos pelos seus povos para dirigir seus países.
Ao usar este tipo de linguagem, Cantalice se candidata a ser tratado como gusano.
Vamos agora ao início: acho temerário adotar o método gringo de fazer ranking.
Aliás, só os gringos e suas línguas de aluguel têm a presunção de achar que alguém tem autoridade para dizer quem está in e quem está out.
Por sinal: a lista de Cantalice é composta por oito pessoas, todas vivas e sete delas no exercício do cargo de presidente ou de vice.
Como a lista inclui Pepe Mujica, que não está exercendo cargo nenhum, deduzo que outras pessoas que não ocupam cargos – como, por exemplo, Dilma Rousseff, Evo Morales, Rafael Correa e Raul Castro – não foram nominadas por Cantalice, não por esquecimento causado pela falta de bom senso, de lógica ou por excesso de octanagem, mas porque ele não as considera merecedoras da medalinha.
Isto posto, vamos ao centro da questão: Cantalice acha que o presidente de Cuba, o presidente da Venezuela e o presidente da Nicarágua são ” proto-ditadores, aprendizes de autoritários, uns merdas”.
Noutra mensagem, como já foi dito, Cantalice chegou a escrever que Cuba, Venezuela e Nicarágua são “ditaduras”.
Há alguns anos, um presidente do PT, já falecido, disse algo parecido (sobre serem ditaduras, não sobre serem “merdas”). Mas antes que eu reclamasse, nosso então presidente correu para explicar: são ditaduras populares.
Isto posto: Nicarágua, Venezuela e Cuba, a FSLN, o PSUV e o PCC têm inúmeros problemas, como o Brasil e o PT também têm. E não vejo nenhum problema, pelo contrário, em debater privadamente e publicamente esses problemas, alguns deles gravíssimos.
(Privadamente, mas de preferência sem as imagens escatológicas de Cantalice. Aliás, não me recordo de Cantalice falar ou escrever este tipo de coisa entre 2016 e 2022, quando nós estávamos na pior e vários dos que Cantalice chama de “merdas” nos ajudaram e muito.)
Acontece que o que Cantalice faz não é debater problemas, nem propor soluções. O que Cantalice faz é colocar estes países, seus governos e seus líderes na lista de inimigos a serem derrotados.
Este tipo de lacração só interessa aos Estados Unidos. Que é o principal responsável pelos problemas que estes países e governos enfrentam.
Aliás, esta é a questão de fundo: o que é bom para os Estados Unidos, não é bom para a América Latina, nem para o Brasil, nem para o povo brasileiro, nem para o PT.
Paro por aqui, esperando que Cantalice escreva um novo tuíte dizendo mais ou menos o seguinte: falei merda, desculpa aí.
ps. cobrado, Cantalice esclareceu que “respondi a uma provocação depois do jogo do Vasco. Reconheci o erro e apaguei a postagem”. Apagou a postagem e publicou o que segue abaixo. Melhor do que nada, mas obviamente o problema de fundo segue presente. Ademais, que pensar de quem as 8h00 chama alguém de ditador e as 9h32 muda de opinião??
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório