Por Valter Pomar (*)
No dia 29 de abril, depois de participar da Marcha da Classe Trabalhadora, gravei uma entrevista para o Brasil 247. O entrevistador foi o Mario Vitor Santos e a entrevista deve ir ao ar no sábado, dia 3 de maio.
O motivo da entrevista foi a disputa pela presidência nacional do PT. Em outras entrevistas sobre o tema, as perguntas envolviam de tudo um pouco, mas com grande peso para questões supostamente organizativas. Já na entrevista para Mario Vitor Santos, a conversa girou em torno da “correlação de forças”.
Em certo momento, o entrevistador qualificou minha posição como voluntarista. Ou seja, se entendi direito, Mario Vítor sugeriu que eu estaria propondo ações e objetivos que seriam – dada a correlação de forças – inalcançáveis.
Pode ser? Pode, sempre pode ser. Felizmente ou infelizmente, quem enfrenta o “sistema”, quem combate o status quo sempre pode incorrer no risco de ser comandado e enganado pelos seus desejos e vontades.
Suponhamos, para facilitar o raciocínio, que este fosse o caso das posições que estou defendendo. Mesmo assim caberia perguntar e responder o seguinte: se a correlação de forças não nos favorece, o que devemos fazer para alterar esta correlação de forças e buscar com que ela esteja a nosso favor? E ainda: o que está sendo feito neste sentido estaria dando certo?
Quando faço estas perguntas nos debates entre petistas, é comum receber como resposta uma lista de realizações do nosso governo. Aconteceu algo parecido na entrevista com Mario Vitor Santos. É como se criticar nossa linha política fosse fazer tabula rasa acerca de todas nossas ações.
Que nossas realizações existem, não tenho dúvida. Aliás, seria ridículo achar que nosso governo possa ser equiparado ao do cavernícola. A questão é outra, a saber: estas realizações foram ou serão suficientes para alterar a tal correlação de forças?
O que nos dizem a respeito os resultados das eleições de 2024? O que nos dizem as pesquisas? O que dizem nossos vizinhos, nossos amigos, nossos colegas de trabalho, as pessoas com quem convivemos?
Até onde eu consigo perceber, a vox populi indica, na melhor das hipóteses, que a correlação de forças não melhorou como precisamos que melhore, em relação a outubro de 2022. Se é verdade que o bolsonarismo estrito senso passa por dificuldades, a direita como um todo segue poderosa e o neoliberalismo continua triunfante.
Apesar disso, se a eleição presidencial fosse hoje, tenho certeza de que Lula seria reeleito. Aliás, a depender de quem serão os candidatos da oposição, Lula poderia inclusive ser eleito com um percentual superior ao que obtivemos em 2022.
Mas há um “detalhe” que não pode ser omitido: se fosse hoje, a reeleição de Lula não seria acompanhada das condições necessárias para que possamos fazer um segundo mandato superior ao primeiro. E já vimos, no passado recente, o que pode acontecer quando um segundo mandato é similar ou até pior do que o primeiro.
Portanto, reeleger Lula é indispensável; mas é prudente também criar as condições para que sua reeleição se dê numa correlação de forças melhor do que a atual. Não apenas por conta do próximo mandato, mas também por conta do futuro do PT e do Brasil.
Mas o fato é que um setor do PT acha que o caminho é ampliar a aliança. E que a base programática desta ampliação estaria na contraposição entre “democracia” versus “fascismo”. Derrotar o neofascismo seria nossa estrela guia e para isso seria necessário “ir ao centro”.
Mesmo que acreditássemos nos compromissos democráticos da direita gourmet, ainda assim esta lógica desconsidera um “detalhe” essencial: ao menos aqui no Brasil, a extrema-direita e a direita gourmet coincidem na defesa de um certo modelo de desenvolvimento. Quem tem dúvida a respeito deveria observar, por exemplo, a conduta do Supremo Tribunal Federal quando está em discussão a pauta econômica e social.
Esta conciliação, além de tornar muito mais difícil a chamada “reconstrução”, na prática vem bloqueando as transformações estruturais. Além disso, a conciliação contribui para o que faz a extrema-direita, a saber, tentar colocar o PT na condição de parte do “sistema”. Aliás, crescem dentro do Partido os que desejam nos converter num partido “progressista”, de centro-esquerda.
Setores do PT não concordam, ao menos em parte, com a descrição feita nos parágrafos anteriores. Argumentam, por exemplo, que nosso governo já estaria fazendo grandes transformações, portanto as alianças com a direita neoliberal não seriam obstáculo para as mudanças. Por outro lado dizem que algumas das transformações pretendidas pelos críticos das amplas alianças seriam na verdade uma “revolução”, portanto algo incompatível com a correlação de forças.
Sem entrar no mérito destes argumentos, ambos e outros similares desembocam na seguinte conclusão: embora possamos corrigir aqui e ali, por exemplo na comunicação e no volume das chamadas entregas, nosso rumo geral estaria correto. Ou seja: a conclusão é que poderíamos triunfar mesmo nos marcos da atual correlação de forças. Por um passe de mágica, o problema deixaria de ser a correlação de forças e passaria a ser o voluntarismo dos que tentam superá-la.
E a “prova” supostamente definitiva do voluntarismo estaria na baixa mobilização do povo. As massas não estão na rua pressionando por mudanças, logo se o partido e o governo não fazem mais seria por falta de apoio. A culpa, para variar, seria do povo.
Que a mobilização está muito fraca, ninguém duvida: o 29 de abril confirmou. Mas isto não teria alguma relação com a atitude do governo e do PT? Na minha opinião, tem. Existe espaço para o governo ser mais ousado, tanto nas ações quanto no discurso. E existe espaço, também, para que o Partido seja mais militante e mais presente na luta cotidiana do povo. As duas coisas teriam um efeito imenso sobre o estado de ânimo de uma parte importante do povo.
Mas o que tem prevalecido é a lei do mínimo esforço, associada a máxima de que é melhor um péssimo acordo do que uma boa disputa de desfecho incerto. E, quando questionados, basta colocar a culpa na correlação de forças.
Ou seja: um partido que governa o Brasil, que venceu 5 das últimas 9 eleições presidenciais, que possui dezenas de milhões de simpatizantes, deve esperar passivamente que o povo passe a se mobilizar por mudanças mais profundas.
Como deveria ser óbvio, esta atitude passiva, reboquista, tende a produzir um combo de efeitos negativos: o desânimo de uma parte de nossa militância, a decepção de uma parte de nossas bases, o estímulo à mobilização contra nós e o risco da oposição de direita ser a beneficiária da situação.
O esquerdismo e o voluntarismo não são uma opção, mas o bom mocismo, a domesticação, o direitismo e o falso republicanismo tampouco estão nos conduzindo a um bom destino.
Foi sobre estas questões que girou boa parte da entrevista que irá ao ar no sábado dia 3 de maio no Brasil 247.