No dia 20 de julho, quarta-feira, ocorreu o XVI Encontro Nacional “Marcelo Arruda” do Partido dos Trabalhadores. A seguir, divulgamos o roteiro da fala realizada no encontro pelo companheiro Valter Pomar, da direção nacional do Partido, em nome da tendência petista Articulação de Esquerda.
Boa tarde companheiras.
Boa tarde companheiros.
Falo em nome da tendência petista Articulação de Esquerda.
Começo reafirmando que no PT os encontros são soberanos.
E podem debater e votar tudo.
Isso era assim até ontem.
Mas hoje começamos a mudar esta tradição do nosso Partido.
Afinal, o que nós estamos realizando hoje é um encontro pró forma, onde os delegados e delegadas, além de ouvir discursos, se limitarão a homologar uma resolução aprovada pelo DN.
Nada disto estaria acontecendo se o PT tivesse realizado em tempo hábil um encontro de verdade para decidir a tática eleitoral, as alianças e o programa.
Ao tomar estas decisões no DN, criamos um fato consumado e convertemos este nosso encontro num encontro mutilado, sem soberania real.
Para piorar, as demais polêmicas serão encaminhadas para uma reunião do DN.
Lembro que fizemos exatamente isso em 2019 e o resultado foi que até hoje o atual DN não deliberou sobre as resoluções pendentes do sétimo congresso, motivo pelo qual até hoje não foram oficialmente publicadas as resoluções do sétimo congresso nacional do PT.
O que até tem um lado bom, afinal as resoluções do sexto encontro eram muito melhores.
O fato desta reunião ser um encontro pro forma preocupa muito as pessoas como nós, que acreditam que a eleição de 2022 NÃO está decidida.
Bolsonaro não está derrotado.
Lula não está eleito.
A combinação entre as ameaças de golpe, a escalada de violência, as medidas da PEC do estado de emergência, medidas ilegais mas que receberam o voto de nossa bancada, tudo isto mais a insistência mesmo eleitoralmente débil das candidaturas da chamada terceira via, tudo isto pode levar a disputa presidencial ao segundo turno.
E no segundo turno absolutamente tudo pode acontecer, inclusive nada, como dizia o grande Barão de Itararé.
Portanto, vivemos uma situação que exige mais partido, mais direção coletiva, mais debate político e acima de tudo, mais luta social.
Infelizmente, não é isso que tem acontecido.
E em parte não tem acontecido, porque uma parte do nosso Partido tem olhos apenas para uma parte da realidade – o fato de nossa candidatura a presidente estar há um ano liderando as pesquisas – mas não dá atenção devida aos problemas imensos, entre os quais o fato de nosso partido não estar tão bem assim, nem organizativa, nem eleitoralmente.
Neste quesito, a verdade é que temos poucas candidaturas a governador, temos poucas candidaturas ao senado, em alguns estados (como o Rio de Janeiro) vivemos situações muito difíceis -com um setor do partido abraçado com o governador Claudio de Castro -, a imposição da tática frente amplista deixou muitas sequelas em vários estados, sem falar é claro da disputa “civilizadíssima” e pública que alguns vem travando a respeito do fundo eleitoral.
Não há como esta situação não se refletir negativamente no desempenho eleitoral de nossas candidaturas ao parlamento e, principalmente, se refletir negativamente na nossa capacidade futura de garantir uma governabilidade popular.
Não consideramos necessário falar das dificuldades que viveríamos se o cavernícola fosse eleito presidente.
Isso seria uma tragédia sem tamanho, para o Brasil e para o povo brasileiro, multiplicando o sofrimento da fome, do desemprego, dos assassinados na pandemia, de todo tipo de violência nesses anos de governo cavernícola.
Em parte para tentar evitar essa tragédia, em parte por não considerar necessário ou por não ter disposição de elaborar e aplicar outra estratégia, a maioria de nosso partido embarcou numa política de frente ampla que, além das contradições que causa na campanha eleitoral, além dos rebaixamentos que produz no nosso programa, também vai causar efeitos negativos no nosso futuro governo.
Como vocês sabem, nós da AE votamos contra Alckmin na vice.
Achamos um perigo colocar um neoliberal e golpista na vice.
Alckmin não é nosso companheiro.
E além de perigoso, achamos desnecessário, pois a vida já está demonstrando que Alckmin não tem a força que alguns achavam que ele teria.
Pedimos a esse encontro o direito de votar em separado a questão da vice.
Não nos garantiram este direito.
Usaram um argumento técnico e um argumento político.
O argumento técnico poderia não existir, bastaria ter previsto fazer de outra maneira.
O argumento resume-se a ideia segundo a qual o Encontro não pode rever a decisão do DN, apelidada por alguém de “consenso majoritário”.
Por este motivo alguns de nós vamos votar contra a resolução de tática eleitoral, para deixar registrado que acerca da vice não houve unanimidade neste encontro.
Espero sinceramente que a história não nos dê razão, como nos deu no caso de Temer e outros.
Obviamente, não importando o resultado, continuaremos fazendo o que sempre fizemos: defender e votar em Lula nas eleições presidenciais.
Aliás, algo que fizemos – defender Lula – mesmo quando muita gente boa e importante já tratava Lula como carta fora do baralho e já disputava para saber quem seria seu suposto substituto.
Se não corrigirmos rapidamente estas e outros de nossas debilidades organizativas, no médio prazo a situação tende a piorar muito.
Pois não basta vencer a eleição, é preciso governar. E não basta governar, é preciso fazer um governo superior aos que já fizemos. Governos capazes de derrotar a sabotagem e os golpes.
Se não corrigirmos rapidamente nossas debilidades organizativas, no melhor dos casos viveremos algo parecido com o que vivemos entre 2003 e 2016, ou seja, uma hipertrofia dos governos e das bancadas frente ao Partido e aos movimentos sociais.
Digo no melhor dos casos será algo parecido, mas não será igual, porque a situação mundial, regional e nacional é muito mais grave hoje do que era entre 2003 e 2016.
Seja devido à crise do capitalismo, seja devido ao esforço que os EUA fazem para reverter seu declínio, seja devido à ascensão da China, seja devido ao ascenso da extrema direita, seja devido a luta e resistência dos povos e das classes trabalhadoras, vivemos um período histórico muito difícil, muito conflituoso.
Conforme nós da AE alertamos desde 2015, vivemos tempos de guerra.
Guerra cultural, guerra de classes, guerra entre estados.
No plano mundial, esta guerra tem um centro inimigo: o governo dos Estados Unidos, atualmente presidido por Biden, que algumas pessoas entre nós achavam que faria uma “revolução no capitalismo”, havendo até quem dissesse que Lula seria o Biden brasileiro.
Para os Estados Unidos, a América Latina e Caribe é um campo de batalha decisivo.
As vitórias eleitorais no México, Colômbia, Honduras, Chile, Peru, Bolívia e Argentina, a sobrevivência de governos liderados pela esquerda em Cuba, Nicarágua e Venezuela, somadas a possível vitória que estamos buscando construir no Brasil, poderão abrir novamente as alamedas por onde passará a integração latino-americana e caribenha.
A integração constitui condição essencial para garantir nossa soberania frente ao imperialismo norte-americano, assim como para garantir um desenvolvimento econômico associado ao bem estar da classe trabalhadora da região, combinando tudo isto com uma democracia real para nossos povos.
Portanto, a eleição de Lula como presidente do Brasil será uma derrota estratégica para os Estados Unidos.
Por isto mesmo, não devemos esperar neutralidade, nem muito menos apoio da arte dos EUA, pois este apoio só aconteceria se estivéssemos dispostos a lhes dar apoio na batalha global que eles travam contra a China.
Os governos progressistas e de esquerda eleitos no último período, assim como o nosso, enfrentam dificuldades maiores do que as dificuldades enfrentadas no ciclo anterior, iniciado com as eleições de Chavez, Lula e Kirchner.
As dificuldades atuais são em certa medida maiores porque a situação interna de cada país é pior, porque a situação mundial é mais complicada, porque a extrema direita está mais radicalizada que antes, mas também porque problemas estratégicos presentes no ciclo anterior de governos e naquela ocasião mal resolvidos, seguem presentes e ainda mais impactantes no momento atual.
Por exemplo: a Petrobrás jogou um papel decisivo no êxito dos governos Lula-Dilma.
Pois bem: para que a Petrobrás possa jogar um papel similar no futuro governo Lula, será preciso desprivatizar e reestatizar a empresa, revogando e revertendo os crime lesa-pátria cometidos por Temer e Bolsonaro.
Noutras palavras: para fazer algo parecido com o que fizemos antes, será preciso muito mais radicalidade.
Entretanto, a opção de uma parcela de nosso partido vem sendo a de tentar contornar ou desconhecer este problema.
Aliás, parte da esquerda brasileira adota hoje uma linha política e um programa que só fariam algum sentido se nós estivéssemos enfrentando uma situação estratégica similar à de 2002.
É por isso, aliás, que muitos falam e agem como se o golpe de 2016 não tivesse existido e como se aquele golpe não tivesse comprovado existirem alguns “problemas não resolvidos” em nossa estratégia.
Isso sem falar nas tentativas de negar a participação de Alckmin no golpe contra Dilma.
Um dos problemas não resolvidos é como fazer para evitar que a classe dominante use a institucionalidade estatal não apenas para sabotar, mas inclusive para derrubar governos eleitos pela esquerda.
Fomos capazes de vencer quatro eleições presidenciais seguidas, mas não fomos capazes de evitar um golpe.
Solucionar este problema exige acabar com a tutela das forças armadas, acabar com a militarização e violência sistemática dos aparatos de segurança contra os setores populares, acabar com a partidarização do sistema judiciário, acabar com a judicialização da política, fazer uma profunda reforma política, adotar uma política de radical participação popular, acabar com o oligopólio privado da comunicação e, principalmente, ampliar a auto-organização da classe trabalhadora.
Sem falar na necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Logo depois do golpe de 2016 e durante a campanha Lula Livre, um importante setor do Partido começou a debater estas questões.
Mas desde que recuperamos os direitos políticos de Lula, este debate foi deixado de lado em favor da velha “teoria” da “governabilidade através de alianças com setores de centro e direita”.
Um dos efeitos práticos disto foi a prioridade concedida à construção de uma aliança com parte dos golpistas neoliberais de 2016.
Outro problema não resolvido é como articular políticas públicas com reformas que alterem as estruturas permanentes da sociedade brasileira.
Se queremos soluções que sejam permanentes, irreversíveis, é preciso ir muito além de políticas públicas.
Ou reindustrializamos o país, derrotamos o capital financeiro, fazemos uma reforma tributária, enfrentamos o agronegócio, fazemos uma reforma agrária, garantimos a soberania alimentar, ou temas como a fome, o desemprego e o retrocesso vão ciclicamente nos assombrar.
Sendo assim, nosso programa precisa combinar “reconstrução” com “transformação”.
Entretanto, nas seguidas versões do programa que temos debatido, há uma crescente ênfase na reconstrução e uma crescente secundarização da transformação.
Aliás, há uma série de temas estruturantes (como o papel do agronegócio, do capital financeiro, das forças armadas etc. sobre os quais a atual versão do programa cala ou tergiversa). Sem falar da relação entre o que fazemos hoje e a luta pelo socialismo.
No lugar de uma solução para estes e outros problemas estratégicos, ressurge a igualmente velha “teoria” da “aliança com setores do empresariado”.
Portanto, ao contrário do que deu a entender um dos primeiros oradores deste nosso debate, nosso programa está muito longe de ser radical.
Na verdade, a tática frenteamplista impõe limites a uma de nossas principais tarefas: derrotar o neoliberalismo. Pois é sempre bom lembrar: o bolsonarismo é neoliberal, dá continuidade ao neoliberalismo dos tucanos e da direita gourmet.
Seja como for, podemos e precisamos vencer as eleições de 2022. Precisamos vencer não apenas para vingar as mortes e os sofrimentos, não apenas para fazer o ajuste de contas com os criminosos, mas acima de tudo para garantir um futuro decente para a imensa maioria do povo brasileiro, especialmente para a classe trabalhadora, para as mulheres, os negros e negras, os indígenas, os LGBT+, as pessoas com deficiência, a juventude, os moradores das periferias, as pessoas exploradas e oprimidas.
Mas para isso é preciso ter consciência do seguinte: o que nos espera, além de uma transição conflituosa de governo, é uma longa batalha contra o imperialismo, contra a extrema direita, contra o neoliberalismo de inimigos e também de aliados de ocasião, contra os representantes e aliados da classe dos capitalistas.
E para isso precisaremos de mais partido, de mais movimentos sociais, de mais luta social, política e cultural. E precisaremos lembrar, sempre, o nosso objetivo histórico e estratégico: uma sociedade socialista.
Como todos podem constatar, estamos na turma dos otimistas, mas nosso otimismo não é daquele tipo que oculta os problemas, minimiza as fragilidades e se contenta com auto-elogios cabotinos.
Por fim, registro que hoje completamos 5 anos do falecimento do professor Marco Aurélio Garcia.
Fez falta e fará falta.
Numa entrevista pouco conhecida, MAG disse algo muito útil ao nosso debate.
Ele criticou o “despreparo, a subestimação, por parte da esquerda, acerca da mobilização da direita”.
Segundo MAG, citando o título de um artigo publicado no jornal O Estado de SP em 1964, o golpe de 64 foi exitoso em grande medida devido a “mobilização da audácia”.
Neste mesmo espírito, podemos dizer: não será com notas de protesto nem com medidas judiciais que vamos derrotar o novo golpe já em marcha.
Para ganharmos as eleições, é preciso que elas existam, que possamos fazer campanha, que estamos vivos.
E para isso é preciso entender que as urnas vão colher o que plantarmos nas ruas.
Por isso, organização, luta e guarda alta.
Marcelo Arruda, presente!
Fora Bolsonaro, Lula Já!, viva nosso Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras!