Por Jandyra Uehara, Ismael César e Ivonete Alves (*)

Texto publicado na edição de junho do Jornal Página 13

Desde o golpe de 2016, os neoliberais e a extrema direita implementaram um conjunto de medidas para desmontar, enfraquecer e aniquilar o movimento sindical. Temer estruturou o desmonte com a Reforma Trabalhista, o enfraquecimento das negociações coletivas e com o fim abrupto do imposto sindical e sem qualquer outra forma de financiamento.

Em 2019, Bolsonaro criou o GAET (Grupo de Altos Estudos do Trabalho) que formulou propostas antissindicais, que primavam pela deslegitimação da representação coletiva, criminalização das lutas, desarticulação da estrutura sindical e estímulo à desproteção sindical.

Após seis anos de uma verdadeira guerra contra o movimento sindical, é urgente que se estabeleçam instrumentos legais, institucionais e normas que garantam a autonomia do movimento sindical para que este não fique à mercê dos mandos e desmandos a cada troca de governo. É preciso garantir aos sindicatos o seu livre funcionamento, assim como a definição da contribuição solidária democraticamente aprovada pelo conjunto dos/das trabalhadores/as em assembleia.

É necessário, portanto, ampliar e aprofundar o debate sobre o atual modelo sindical. O capitalismo neoliberal tenta incutir na classe trabalhadora a meritocracia e o individualismo. Contra ele devemos responder com associativismo classista e ação coletiva. Contra a fragmentação e a pulverização devemos responder com unidade e reorganização.

Em janeiro de 2023, foi divulgado para a direção da CUT o “Projeto de valorização e fortalecimento da negociação coletiva, diretrizes e estratégia para a atualização do sistema de relações do trabalho e do sistema sindical”.

Em abril, depois de vários adiamentos, a proposta elaborada no Fórum das Centrais Sindicais, foi apresentada na forma de projeto de lei e/ou outros instrumentos. Um dos principais problemas para a análise desta proposta é que se tratava de um documento ambíguo, sem uma formulação objetiva e sem fundamentação teórica ou histórica, posto que a discussão de estratégia da luta sindical, conjuntura e luta de classes passa ao largo deste processo.

Em 22 de maio, a Executiva Nacional da CUT se reuniu para deliberar sobre o projeto de reforma sindical, com as diretrizes fechadas no Fórum das Centrais Sindicais. Esperávamos um projeto de lei ou outros instrumentos normativos, mas novamente o que se apresentou foram diretrizes, sob o argumento de que a proposta final será fruto de negociação com o empresariado e o governo.

A maioria das diretrizes tem acúmulo de discussão na CUT e relativo consenso, como, por exemplo, quais regras atuais devem ser mantidas, a negociação coletiva como princípio e o fim das negociações individuais, regulamentação da negociação coletiva no setor público, regras de aferição de densidade e representatividade sindicais, regras para impedir práticas antissindicais, financiamento aprovado pelas categorias em assembleia, regras estatutárias democráticas, entre outros pontos.

Mas o ponto central desta proposta no que se refere às relações de trabalho é a criação de um Conselho de Autorregulação das Relações de Trabalho (CART), composto por duas câmaras:

1) Câmaras de Autorregulação Sindical dos Trabalhadores o Sub-Câmaras;

2) Câmaras de Autorregulação Sindical Empresarial o Sub-Câmaras, conferindo-lhes autonomia para regular a organização dos trabalhadores, mensurar representatividade e representação e solucionar conflitos.

Esta proposta é a institucionalização do Fórum das Centrais como instância burocrática e decisória que determinará as regras de relações sindicais e da organização sindical de cima para baixo a partir dessa cúpula formada pelo triunvirato CUT, Força Sindical e UGT ou quem sabe por mais centrais a partir da disputa pelo comando da burocracia.

Este modelo além de se utilizar de muitos conceitos defendidos pelo empresariado no que chamam de “valorização da negociação coletiva”, é cópia malfeita de estruturas sindicais europeias que foram implementadas no contexto da construção do estado de bem-estar social, quando a fim de conter o avanço das ideias socialistas entre a classe trabalhadora, várias concessões, benefícios e avanços foram conquistados. A Alemanha, por exemplo, ratificou a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece a liberdade sindical há mais de 70 anos e os/as trabalhadores/as conquistaram, nos limites do capital, direitos econômicos e organizativos que estão distantes das nossas expectativas. Trata-se de um modelo organizativo altamente burocratizado e concentrado em grandes e poucos sindicatos nacionais. Ou seja, um contexto histórico, econômico, social e sindical muito diferente do nosso e transplantar um sistema de relações de trabalho deste tipo vai contribuir para aprofundar retrocessos, flexibilização de direitos e descaracterização da CUT como organização autônoma e combativa da classe trabalhadora.

O Fórum da Centrais Sindicais será institucionalizado e a CUT aprisionada às decisões de um Conselho de Autorregulação cuja maioria é formada por centrais pelegas alinhadas com a centro direita. A unidade forjada a duras penas após o golpe de 2016 não é sólida, é conjuntural, principalmente frente aos interesses destas centrais em relação a espaços institucionais no governo LULA.

Além disso, a CUT nunca aprofundou experiências internas de autorregulação, bem como permanecem intensos os conflitos e disputas intersetoriais existentes no seu interior, a exemplo dos existentes no setor público (municipais x educação e saúde) e rurais (Contag x Fetraf). Levar estes conflitos para serem tratados em um conselho de autorregulação com a Força Sindical, UGT ou CTB é no mínimo intensificá-los.

Nossa luta de fortalecimento sindical e da negociação coletiva dependem de uma CUT protagonista na mobilização e na vanguarda das lutas em defesa das reivindicações da classe trabalhadora. A mobilização e a luta da classe trabalhadora são as bases para a negociação de avanços de direitos e da própria estrutura sindical e não a criação de estruturas burocráticas que visam a conciliação de classes e a diluição política. A participação da CUT no Fórum das Centrais Sindicais, deve ter como objetivo unificar as lutas e propostas quando for possível, mas é fundamental manter nossa autonomia e posição classista e não aceitar o rebaixamento das nossas pautas.

Na atual conjuntura, a prioridade da CUT no que se refere ao fortalecimento da negociação coletiva deve ser a revogação da Reforma Trabalhista e todos os entraves impostos, principalmente o negociado prevalecer sobre o legislado; a democratização do Conselho de Relações do Trabalho; o financiamento sindical; a regulamentação da negociação no setor público; o direito de greve e a coibição de práticas antissindicais. Mudanças estruturais neste momento, num cenário de instabilidade e numa correlação de forças desfavorável no Congresso Nacional, é sinônimo de enfraquecimento da classe trabalhadora e fortalecimento do empresariado na sua sanha de flexibilizar direitos e manter seu padrão de acumulação às custas da intensificação da exploração do trabalho.

A votação desta proposta na Executiva Nacional da CUT se deu em duas partes; primeiramente foi votada por unanimidade o que era consensual. Uma segunda votação se deu sobre o ponto de dissenso: a criação de um Conselho Nacional de Autorregulação das Relações de Trabalho.

A Articulação de Esquerda, a CUT Independente e de Luta, a EPS- Esquerda Popular Socialista e a MS–Militância Socialista se posicionaram e votaram contra o CART. A Articulação Sindical que tem ampla maioria na Central e a CSD–CUT Democrática e Socialista defenderam e votaram favorável.

A proposta com estas diretrizes foi aprovada por maioria e entregue ao governo e aos empresários. A julgar pelos últimos acontecimentos na Câmara dos Deputados nas votações do arcabouço fiscal e da medida provisória da reforma ministerial, a tendência é que esta reforma sindical saia muito pior do que entrou.

(*) Jandyra Uehara, Ismael César e Ivonete Alves integram a executiva nacional da CUT