Por Francisco Fernandes Ladeira (*)
Recentemente, o aumento das verbas publicitárias destinadas pelo governo federal a Rede Globo trouxe para o centro da agenda pública nacional o debate sobre as relações entre Jair Bolsonaro e o maior grupo de comunicação do país. Desse modo, uma pergunta se torna inevitável: afinal de contas, a Globo faz oposição ao mandato do ex-capitão?
Sobre essa questão, muita gente (inclusive na esquerda) acredita que os editoriais e reportagens da Rede Globo criticando a postura negacionista de Jair Bolsonaro frente a pandemia da Covid-19 nos dariam fortes indícios de que a emissora da família Marinho não apoia o atual presidente. Além do mais, segundo essa linha analítica, as hostilidades bolsonaristas em relação à Globo – sintetizada na famosa hastag “Globo Lixo” – também indicariam a existência do antagonismo Bolsonaro/Globo.
No entanto, um olhar mais acurado nos leva a uma conclusão contrária. A Rede Globo não só apoia Bolsonaro, como também o apoiou na eleição presidencial de 2018 e, se preciso for, o apoiará novamente no próximo pleito. O motivo para isso é simples: Bolsonaro é o único nome eleitoralmente viável para impedir a volta do PT ao poder e colocar em prática a nefasta agenda neoliberal de desmonte do Estado (embora não tenha se mostrado tão bem-sucedido para essa tarefa).
Como se sabe, Bolsonaro foi o principal beneficiado pelo antipetismo, sentimento impulsionado pelas elites nacionais, corroborado pela (moralista) classe média, e que teve na Rede Globo seu principal porta-voz midiático (seja no conluio com a Operação Lava-Jato, seja no tendencioso e seletivo discurso contra a corrupção, que associava tal prática somente ao Estado, sobretudo aos governos do Partido dos Trabalhadores).
É fato que, em 2018, Bolsonaro não era o candidato preferido pela Globo para sair vitorioso nas urnas. A escolha pela chapa do PSL se deu pelos motivos mencionados acima: possibilidade de derrotar o PT e colocar em prática a agenda neoliberal. Para tanto, a figura de Paulo Guedes, como futuro ministro da Economia, acalmava o mercado e apontava que as elites poderiam embarcar sem medo na campanha bolsonarista. Assim, podemos dizer que a Rede Globo ajudou a criar Bolsonaro e o bolsonarismo, mas fingia (e ainda finge) não ter nada a ver com isso.
Após a posse de Bolsonaro como presidente da República, esse impasse sobre o apoio ao ex-capitão foi resolvido por meio de uma capciosa estratégia discursiva. Nos noticiários globais, os membros do governo foram divididos em dois grupos: “ala técnica” e “ala ideológica”.
A primeira ala, cujo principal nome é Paulo Guedes, tem a estratégia responsabilidade de colocar em prática as maldades neoliberais contra a população. Consequentemente, merece elogios por parte da Globo. As críticas pontuais a “ala técnica” se referem à morosidade nas privatizações, no corte de direitos e na diminuição dos investimentos públicos.
Já a “ala ideológica”, composta por Damares Alves e outros ministros ligados a chamada “pauta dos costumes”, é o alvo preferencial das supostas críticas globais. Assim, a emissora da família Marinha passa para o público uma (falaciosa) ideia de imprensa combativa, independente e em defesa dos interesses do cidadão comum.
Portanto, não importa se Bolsonaro e os membros de seu governo sejam misóginos, homofóbicos, racistas ou aporofóbicos, o essencial é que atendam os interesses do deus mercado.
Com o naufrágio da “terceira via” cada vez mais patente, ao que tudo indica, a Globo, assim como há quatro anos, apoiará Bolsonaro. O medo da emissora não é a continuidade do fascismo bolsonarista, mas a inclusão do pobre novamente no orçamento público, num provável terceiro mandato de Lula.
Não por acaso, já temos presenciado nos noticiários globais um aumento exponencial dos discursos contra o PT. Por outro lado, o governo federal tem sido poupado de críticas. Esse quadro jornalístico tende a se intensificar até a eleição de outubro (a “bondade” de Bolsonaro com a Rede Globo, citada no primeiro parágrafo, é apenas mais um capítulo dessa história).
Em suma, no que tange ao antipetismo, aos ataques contra o povo e a aplicação dos preceitos neoliberais, a família Marinho está (e sempre esteve) totalmente “fechada com o mito”.
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(*) Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de doze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV). E-mail: ffernandesladeira@yahoo.com.br