Por Patrick Campos (*)
Comício da candidatura Lula em Recife/PE. 2022
Texto publicado na edição 14 da revista Esquerda Petista
As eleições presidenciais no Brasil têm sido marcadas por uma significativa divisão regional dos votos. Como tornou-se comum ocorrer ao final de cada apuração, o mapa do país é exibido com as votações obtidas por cada candidatura, sempre com destaque para uma região em particular: o Nordeste. O motivo? O fato de, pelo menos desde 2006, as candidaturas do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República obterem a maioria dos votos em todos os estados da região.
Mas nem sempre foi assim. Em 1989, quando o PT disputou pela primeira vez uma eleição presidencial com Luiz Inácio Lula da Silva, o partido obteve maioria no segundo turno em apenas um estado, o de Pernambuco, e ainda assim com uma diferença de 50,90% a 49,10% de Fernando Collor de Mello. Em todos os demais, Collor foi vitorioso, sendo a maior diferença em Alagoas, com 76,07% a 23,93%.
Já na eleição de 1994, até a pequena maioria obtida em Pernambuco foi perdida, com Lula sendo derrotado em todos os estados da região. Naquele ano, em que a eleição presidencial foi resolvida no primeiro turno, o PT venceu apenas no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Com relação aos governos estaduais, o PT teve candidaturas no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, sendo também derrotado em todas elas.
Em 1998, Lula foi novamente derrotado em todos os estados do Nordeste por Fernando Henrique Cardoso, com exceção do Ceará, onde Ciro Gomes (à época candidato pelo PPS) recebeu a maior votação entre os três. Nos governos estaduais, o PT disputou no Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, perdendo em todas as disputas.
É somente a partir das eleições de 2002 que o “fator Nordeste” se coloca como favorável ao PT nas eleições presidenciais. Ali, Lula foi vitorioso em sete dos nove estados da região no primeiro turno, perdendo para José Serra (PSDB) em Alagoas e para Ciro Gomes (PSB) no Ceará. No segundo turno, apenas Alagoas teve maioria de votos para o candidato tucano.
Naquele ano, além da eleição de Lula presidente, o PT também conseguiu eleger pela primeira vez Wellington Dias governador do Piauí e obter importantes votações nas disputas do Ceará (onde foi derrotado por uma diferença de menos de quatro mil votos), Pernambuco e Bahia. Esse resultado veio na esteira de um crescimento do partido também nas eleições municipais de 2000, quando o PT elegeu os prefeitos de duas capitais nordestinas (Recife e Aracaju) e teve candidaturas competitivas em diversas outras cidades.
A partir de então, o bom desempenho eleitoral do PT nos estados da Região Nordeste tornou-se uma constante. Em 2006, Lula foi vitorioso em todos os estados da região tanto no primeiro quanto no segundo turno, e o PT elegeu os governadores da Bahia, Piauí e Sergipe. O mesmo voltou a ocorrer nas eleições de 2010, 2014 (com exceção de Pernambuco no primeiro turno, onde a candidatura de Marina Silva foi a mais votada), 2018 (com exceção do Ceará no primeiro turno, em que Ciro Gomes foi o mais votado) e agora nas eleições de 2022.
De tal forma que, desde o ano de 2006, o Partido dos Trabalhadores obteve a maioria dos votos em todos os estados do Nordeste em todas as disputas presidenciais de segundo turno. A votação na região tornou-se, assim, um elemento decisivo para a estratégia eleitoral do partido, que nas duas últimas eleições conseguiu eleger governos estaduais apenas em estados desta região.
No entanto, como demonstrado no início deste artigo, o “fator Nordeste” não existiu sempre, sendo, na verdade, algo relativamente recente. Entre os inúmeros motivos que podem explicar essa reiterada maioria eleitoral obtida pelas candidaturas do PT nas disputas presidenciais na região, está o fato de que os governos petistas realizaram políticas que transformaram a vida e a realidade da maioria da população nordestina.
Afinal de contas, historicamente, a região foi tratada pelos sucessivos governos federais como um problema econômico-social, com estados que amargavam alguns dos piores índices do país relativos a pobreza, desigualdade e acesso a direitos básicos como educação, saúde, alimentação e água. As origens desta situação remontam o período de deslocamento do centro político e econômico do país para o Sudeste, que concentrou as políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico, aprofundando as desigualdades já existentes na região, oriundas de séculos de exploração e opressão da sua classe trabalhadora.
Não à toa, foram desenvolvidas verdadeiras políticas de êxodo da região durante vários períodos da história do país, como a ida de trabalhadores para explorar minérios em Minas Gerais durante o ciclo do ouro, para ocupar postos precarizados de trabalho na nascente indústria paulista do século passado ou ainda para construir, ocupar e povoar Brasília e o Distrito Federal.
Mas, durante a maior parte da história do país, não foram realizadas políticas de industrialização ou investimentos que permitissem um maior desenvolvimento econômico e social dos estados da região. Essa realidade só foi alterada a partir do primeiro governo de Lula, iniciado em 2003. A partir de então, um conjunto de políticas de combate à fome e de convivência com a seca foram implementadas, ao mesmo tempo em que ocorriam políticas de valorização do salário-mínimo, ampliação do mercado de trabalho, do acesso à educação e ao crédito.
É incontestável que as políticas econômicas e sociais desenvolvidas pelo governo Lula promoveram uma grande transformação na vida de milhões de trabalhadoras e trabalhadores da Região Nordeste, em um nível que não pode ser comparado com nenhum outro da história recente do país. Um ótimo exemplo é o acesso ao ensino superior por meio da interiorização das universidades federais. Diferente de outras regiões do país, o Nordeste não possuía, até 2003, nenhuma política de interiorização da educação superior pública realizada pelo governo federal.
A criação de instituições com a UNIVASF, UFERSA e UFRB, além da ampliação dos campi das universidades já existentes, somado a criação e reforma dos institutos federais, possibilitou que toda uma geração de jovens pobres, negras e negros, ingressassem em cursos que seus pais e avós jamais puderam fazer ou jamais poderiam ajudar que eles fizessem. Esse foi o tipo de política que certamente auxiliou na constituição desse “fator Nordeste”, que se tornou tão decisivo nas últimas eleições presidenciais.
No entanto, essa condição não é permanente e tampouco expressa uma posição política para além das eleições presidenciais. Mesmo que Lula, Dilma e Haddad tenham obtido vitórias nas eleições presidenciais, as bancadas do PT e os partidos de esquerda eleitas para as assembleias estaduais e para a Câmara dos Deputados são minoritários. Assim como também é minoritária a quantidade de cidades governadas pelo PT ou forças do campo democrático-popular.
Essa é uma questão que sempre surge nas eleições municipais: como o PT consegue ter com sua candidatura presidencial às vezes noventa por cento dos votos em algumas cidades da região, mas é incapaz de ter uma candidatura competitiva para a prefeitura ou até mesmo eleger representantes para as câmaras de vereadores?
É evidente que as eleições presidenciais, estaduais e municipais possuem grandes diferenças e que os motivos que permitem o PT sair vitorioso nas eleições presidenciais não bastam para obter outras vitórias. Mas essa é uma questão fundamental a ser discutida e analisada, pois essa força eleitoral esvaziada de organização e mobilização permanente releva uma grande fragilidade.
Uma fragilidade que pode, inclusive, comprometer essa força eleitoral que vem se mostrando tão efetiva desde 2006 e tão decisiva em 2014 e 2022. Uma das questões diz respeito a como essa força eleitoral vem sendo mobilizada localmente ao longo das últimas eleições. É possível perceber que, pelo menos desde 2018, cresce entre dirigentes do PT a compreensão de que essa força pode ser colocada mais em favor de supostos aliados do que do próprio Partido dos Trabalhadores.
Isso foi perceptível nos debates sobre a apresentação ou não de candidaturas petistas aos governos estaduais nas eleições de 2018 e 2022. Em estados como a Bahia e Pernambuco, por exemplo, em nome da constituição de uma ampla frente de partidos, cogitou-se abrir mão de uma candidatura do PT (algo que se concretizou no caso de Pernambuco e ao final se evidenciou tratar de um enorme erro).
Ao passo em que as forças de extrema-direita conseguiram ampliar sua presença no cotidiano de diversas cidades da região, elegendo representantes nas eleições de 2022 e se colocando como alternativas eleitorais para as eleições de 2024. A derrota de Bolsonaro na disputa presidencial em todos os estados do Nordeste não representou uma derrota do bolsonarismo na região.
Além disso, são os partidos da direita tradicional (principalmente do centrão) que seguem mantendo o controle da maioria das prefeituras, câmaras de vereadores, assembleias legislativas e da representação da região no Congresso Nacional, turbinados pelos recursos do orçamento secreto, que possui como um de seus principais dutos de alimentação a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF), com foco de atuação nos estados da Região Nordeste.
De tal maneira que, diante dos enormes desafios colocados para o novo governo Lula, o “fator Nordeste” não pode ser visto como uma barreira inquebrantável. As vitórias eleitorais obtidas nas eleições presidenciais desde 2006 precisam ser convertidas em organização popular e partidária, disputa cultural e ideológica que permitam ao PT ter vida e presença no cotidiano da população nordestina para além das eleições de quatro em quatro anos.
Caso isso não ocorra, corremos o risco de ver as forças da direita tradicional e da extrema-direita ampliarem sua presença cotidiana a um ponto que sejam capazes de bloquear, até mesmo, a influência que hoje conseguimos ter nas eleições presidenciais. Se temos uma questão meridional que hoje possibilita as forças democráticas contarem com ela para enfrentar a direita no plano nacional, é correto que façamos isso também no dia a dia de cada nordestina e cada nordestino no lugar em que nós estamos.
(*) Patrick Campos é membro do Diretório Nacional do PT.