Por Jandyra Uehara e Valter Pomar*
Escrevemos este texto no dia 19 de dezembro de 2018. Faltam poucos dias para a posse do novo presidente da República. Se as liberdades democráticas estivessem plenamente vigentes, o presidente que tomaria posse seria Lula. Como as liberdades democráticas estão sob custódia, Lula está preso e quem vai tomar posse é Jair Messias Bolsonaro.
Visto de perto ou visto de longe, Bolsonaro tem todos os traços de um cavernícola. E seu ministério está à altura do presidente. Isso tem sido demonstrado, dia após dia, por cada gesto e por cada fala do presidente e de seus escolhidos para desgovernar o país. Mas atenção: não nos iludamos. A história do Brasil e do mundo tem muitos exemplos de governos encabeçados por cavernícolas, que duraram muitos anos e causaram muito estrago. A estupidez de Bolsonaro não quer dizer que ele vai cair amanhã, quer dizer apenas que ele vai agir de forma estupidamente truculenta contra o povo, a classe trabalhadora e a esquerda.
Bolsonaro era o homem certo, na hora e no lugar certos, para coroar a operação golpista que o PSDB desencadeou no dia seguinte ao segundo turno de 2014. Claro que o PSDB imaginava que o resultado seria outro. Claro, também, que muita gente de esquerda imaginava que o resultado seria outro. E poderia efetivamente ter sido outro, se as forças democráticas, populares e socialistas não estivessem tomadas de ilusões.
Ilusões em que não haveria golpe, ilusões em que não condenariam Lula, ilusões em que não prenderiam Lula, ilusões em que não interditariam a candidatura de Lula, ilusões em que a cúpula das FFAA não apoiaria o capitão, ilusões em que a cúpula do poder judiciário não iria compactuar com as ilegalidades de Moro, ilusões em que o TSE iria barrar a campanha suja de Bolsonaro, ilusões em que o empresariado iria rejeitar o ultraliberalismo selvagem de Guedes, ilusões em que os setores de centro iriam apoiar Haddad no segundo turno, ilusões….
A ilusão da vez é que o governo Bolsonaro será parecido aos governos Sarney, Collor e FHC. Apenas um pouco pior, mas parecido. Portanto, um governo ao qual faremos oposição e com o qual disputaremos nas eleições de 2020 e 2022.
Mas não será. O governo Bolsonaro não vai apenas tentar implementar um programa ultraliberal e de submissão aos EUA. O governo Bolsonaro vai operar um plano sistemático de destruição das liberdades democráticas, ou seja, de todos os espaços, organizações e leis que permitiram que — desde 1989 até 2014 — a esquerda brasileira fosse alternativa de governo.
Estão na mira deste governo: os sindicatos e as centrais, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, especialmente o PT; os direitos de mobilização e luta; as próprias ideias de esquerda, que estão sendo estigmatizadas, perseguidas e criminalizadas; e, ninguém se iluda, estão na mira a vida e a liberdade dos militantes da esquerda. Pois mesmo que o governo Bolsonaro não faça nada diretamente — e ele fará, sua mera existência cria um ambiente que favorecerá a atuação de grupos paramilitares e de lobos solitários.
Confirmam isto o show de horrores estrelado pela direita durante a diplomação dos petistas eleitos, os ataques de generais contra o ministro do STF que teve a coragem de determinar o cumprimento da Constituição e, principalmente, os assassinatos de lideranças populares ocorridas recentemente.
Dizendo a mesma coisa em linguagem mais “sofisticada”: as eleições de 2018 abriram caminho para uma mudança de regime político. E o principal inimigo do novo regime é o Partido dos Trabalhadores, porque ele foi de 1989 até 2018 — e segue sendo hoje — o principal protagonista das forças de esquerda, democráticas e populares.
Portanto, desde o final de outubro de 2018, o desafio posto para o conjunto da esquerda brasileira é qualitativamente diferente daquele que enfrentamos pelo menos desde 1989.
É isso que torna urgente, inadiável e incontornável a realização de um Congresso nacional do PT. Noutros palavras, precisamos de um congresso para debater qual deve ser a nossa estratégia, nosso caminho para ser governo & poder, neste novo período histórico.
Há setores do Partido que não querem fazer Congresso. Acham que isto nos obrigaria a gastar tempo em “luta interna”, num momento em que precisamos concentrar nossas energias em fazer luta contra o inimigo.
Acontece que toda hora é hora de concentrar nossas energias contra o inimigo. Portanto, se este fosse o único argumento, não deveríamos fazer congresso nunca. Aliás, não deveríamos gastar tempo debatendo nada, apenas lutando, mesmo que cegamente.
Mas, como sabemos todos, há momentos em que o Partido está dividido em relação a COMO fazer a luta contra nosso inimigo. Este é o nosso caso, hoje. Há diferentes opiniões acerca de como fazer a luta. E o único jeito DEMOCRÁTICO de resolver isto é fazendo um congresso partidário.
Por outro lado, um congresso partidário não precisa nem deve ser um evento internista. Pelo contrário, defendemos que nosso congresso seja um processo público de debate dos grandes temas nacionais e internacionais, coroado por um grande evento de massas, que reúna milhares de delegados e delegadas.
Propomos que em junho de 2019 todos os filiados e filiadas ao PT possam eleger, nos seus municípios, delegados e delegadas ao congresso nacional. E que o 7º Congresso ocorra em julho de 2019. Façamos um congresso de massa, com hospedagem solidária, com a plenária ocorrendo por exemplo num ginásio de esportes, algo militante e auto-financiado.
Feito desta forma, poderemos dar conta ao mesmo tempo de três necessidades: a principal, que é a definição da linha política; em segundo lugar, cumprir a decisão adotada por unanimidade pelo 6º Congresso, de realizar um plebiscito para decidir a forma de eleição das direções partidárias; e, em terceiro lugar, renovar imediatamente as direções municipais.
Para dar conta destas três tarefas, basta que no mesmo dia em que as bases vão eleger as delegações ao congresso nacional, elas elejam também a nova direção municipal e votem no plebiscito.
Assim, em julho de 2019, quando se reunir o 7º Congresso Nacional, já teremos as novas direções municipais eleitas e já saberemos como será eleita a nova direção nacional e as novas direções estaduais.
Esta é a nossa proposta de método. As propostas de conteúdo, ou seja, que estratégia defendemos para o novo período histórico, apresentaremos em outro texto, que esperamos divulgar proximamente.
* Jandyra Uehara é integrante da executiva nacional da CUT e do Diretório Nacional do PT.
* Valter Pomar é militante do PT Campinas.