Por Lucas Reinehr*
É muito comum, em espaços da política, nos depararmos com saudações direcionadas à juventude. Essas falas normalmente reiteram a importância dos jovens na luta política e, por vezes, reforçam certos discursos que não necessariamente condizem com a prática. Não que os jovens não sejam importantes na construção de outra sociedade. Pelo contrário, como afirmava Lênin em seu discurso sobre as tarefas das Uniões da Juventude, cabe às juventudes comunistas consolidar a construção de outro mundo e edificar a sociedade socialista. A questão é que, fora de contexto, juventude é apenas uma palavra. E é por isso que pretendo, neste texto, discorrer sobre questões importantes para pensarmos o papel e as tarefas da juventude na luta política brasileira neste momento da história, a partir de acúmulos e concepções históricas formuladas pela Articulação de Esquerda que merecem ser resgatadas.
Primeiramente, gostaria de enfatizar que devemos fugir de determinismos ou essencialismos ao falar da juventude, ou melhor: das juventudes. Diferente do que pensam muitos militantes da esquerda, ser jovem não nos torna automaticamente revolucionários, tampouco é um estado de espírito. A juventude deve ser compreendida como uma fase da vida, cuja construção é recente e que está permanentemente em disputa. É nesta fase da vida que se intensificam muitas contradições colocadas pelo capitalismo para a vida dos jovens. É na transição para a adolescência que as crianças vivenciam o luto pelo fim da infância e é com o passar da adolescência que se intensificam pensamentos, desejos e compreensões acerca do mundo. Todo esse processo é permeado por diversos agentes socializadores: a família, a escola, a igreja, a mídia e, no caso de muitos jovens brasileiros, o trabalho. O impacto destes agentes socializadores, entre outras mediações, – e o conteúdo que transmitem – é o que definirá a potencialidade revolucionária destes jovens, mas isso abordarei mais para frente no texto.
Compreendendo a juventude como uma fase da vida em disputa, devemos entender que essa “fase da vida” não se dá da mesma forma para todos os jovens, especialmente para a classe trabalhadora. Como falei anteriormente, a juventude não é uniforme e homogênea, pelo contrário: é marcada por intersecções de classe, raça e gênero que definem a distribuição de bens materiais e simbólicos. Para alguns, ser “jovem” é luxo. Para os mais pobres, em sua maioria negros, moradores de periferia e muitos camponeses, essa fase da vida se distingue do restante da juventude. Para alguns, a juventude representa os anos áureos da vida, permeado por boas experiências, ingresso na faculdade dos sonhos, entre outros desejos que marcam o estilo de vida jovem da subjetividade neoliberal. Para outros, significa a prematuração de responsabilidades, o ingresso precoce no mundo do trabalho – precarizado – e o abandono de quaisquer outros sonhos. Aliás, quando se é jovem e pobre, será que é permitido sonhar?
Pois bem, se há essa diversidade dentro da própria juventude, podemos falar em um sujeito jovem universal e revolucionário? Dificilmente. Até porque nos referimos à juventude trabalhadora, que é extremamente antagônica a qualquer jovem da classe dominante.
Falar de um sujeito universal para a juventude se torna ainda mais difícil quando nos debruçamos sobre os aspectos geracionais que marcam aqueles que são considerados os jovens de hoje – ou seja, legalmente, no Brasil, pessoas de 15 a 29 anos.
Como falei anteriormente, o processo de construção das ideias, desde a infância até a vida adulta, é permeada por agentes socializadores. Porém, alguns desses agentes – especialmente a mídia, que no Brasil funciona através de um oligopólio – também são aparatos de construção de hegemonia do capitalismo. E é especialmente a esse ponto que devemos nos atentar para organizarmos a disputa de consciência das juventudes no atual curso da história. De que forma a mídia, a escola, a igreja e a família contribuem para o processo de conformação do sistema capitalista? E de que forma estes mesmos agentes – e outros, como os partidos, as associações de juventude, os movimentos sociais – podem contrapor esse sistema?
Hoje, 75% dos jovens de 16 a 24 anos expressam descontentamento em relação ao governo Bolsonaro. Além disso, importantes setores da juventude foram os principais responsáveis pelas manifestações do #EleNão e outros episódios da luta política recente no Brasil. Isso significa que toda essa parcela jovem contra Bolsonaro é necessariamente de esquerda, socialista e revolucionária? Certamente não, porém, nos coloca a tarefa de disputar essa juventude na direção do socialismo.
Devemos entender que a atual geração jovem cresceu sob governos petistas, ou seja: parcelas importantes obtiveram melhoras nas suas condições de vida, porém, esses mesmos que viram a vida melhorar, viram a política ser criminalizada nos noticiários e criaram aversão aos partidos. Apesar do descontentamento com o governo, o nível de envolvimento da juventude na política hoje ainda é muito baixo, bem como o aspecto pulverizado dessa indignação, que não está organizada em torno de um projeto alternativo. A juventude de hoje passou por um processo de socialização fortalecedor de uma cultura neoliberal, que desde cedo ensina nossas crianças a serem individualistas e que mais tarde ensina os nossos adolescentes a serem meritocratas. A indústria cultural, através dos filmes de Hollywood e das letras de músicas – que parecem tão banais – moldam um pensamento e um estilo de vida que é almejado por muitos. Deixam-se de lado projetos e construções coletivas e entram para o primeiro plano as saídas individuais. A busca é pela felicidade subjetiva, materializada no hedonismo do consumo, das marcas, das viagens e da moral do espetáculo. Gastamos horas nas redes sociais, contribuindo para a monetização de grandes corporações através da nossa distração. Soma-se a isso a romantização do trabalho informal, a falsa ideia de ser um “empreendedor” e o glamour atribuído à “fluidez” dos novos tempos. Estes são apenas alguns dos aspectos que marcam a atual geração jovem, tão diversa e tão contraditória.
Mas se o cenário é esse, o que nos resta fazer? Bom, acredito que o primeiro passo é nos livrarmos de idealismos ou essencialismos, buscando compreender a juventude a partir da materialidade da luta de classes no Brasil. O segundo é realizar a disputa de consciência das massas jovens trabalhadoras, e o terceiro é organizar essa juventude em torno de um projeto socialista.
Apesar das dificuldades apresentadas no texto, que descrevem uma juventude dispersa, apaziguada e sem rumo, a leitura não deve ser tão pessimista – pelo menos, não na vontade. Só há desespero porque também há esperança. Portanto, é a esperança por outro mundo que deve ser apresentada aos milhões de jovens brasileiros que hoje vivenciam a frustração e a falta de perspectiva para o futuro, principalmente em função da pandemia do novo Coronavírus. O nosso papel é difundir às massas jovens trabalhadoras a compreensão de que a crise não é apenas conjuntural, é estrutural. E enquanto não houver uma luta coletiva e intensa pelo fim do sistema capitalista, não haverá mudanças estruturais, que impactam diretamente o futuro desses jovens.
O capitalismo, além de garantir as mínimas condições de sobrevivência para explorar, busca difundir ideias para garantir sua dominação. Na juventude, este processo é marcado através de uma contrapartida simbólica: a crença em uma vida marcada pela mobilidade social individual. A questão é que para as parcelas mais pobres – cada vez maiores com o aumento do desemprego e a retirada de direitos – não há saída individual. A saída é coletiva justamente porque é através da solidariedade e do apoio mútuo que esses sujeitos conseguem sua sobrevivência. A Greve dos Entregadores de Aplicativos, no dia 1º de julho, demonstrou esse resgate à ação coletiva como um instrumento poderoso dos subalternos. Devemos intensificar a construção de estratégias contra-hegemônicas, que rompam com a lógica de esvaziamento da política e deem outra tônica para a luta das juventudes brasileiras.
Nossa tarefa central é disputar os corações e mentes jovens, oferecendo uma contrapartida sistêmica a ser construída pela classe trabalhadora – o socialismo. Para isso, é preciso romper com a subjetividade neoliberal, combater o individualismo e a meritocracia e fortalecer a organização coletiva entre os jovens. A JPT, nesse cenário, possui uma tarefa central: a de organizar núcleos por local de trabalho, estudo e moradia, onde os diferentes setores da juventude possam se aglutinar, fortalecendo o partido e constituindo uma frente de massas potente para este novo período. Somente assim, livre de essencialismos, com uma leitura precisa da realidade e da situação dos jovens brasileiros, é que podemos compreender seus anseios e organizar as tarefas da juventude. Um partido de massas precisa de uma juventude militante e de massas!
*Lucas Reinehr é militante da JPT e Diretor da UNE