Por Valter Pomar (*)
José Múcio carrega o título de ministro da Defesa.
Mas a quem mesmo ele defende?
Há vários motivos para a dúvida.
Os motivos mais recentes estão aqui: Metrópoles | Ministro da Defesa cita interferências diplomáticas do governo. “Judeus venceram licitação, mas por questões ideológicas não podemos… | Instagram
Trata-se de uma fala de Múcio, feita em um evento da Confederação Nacional da Indústria.
Múcio quer que o governo brasileiro autorize a compra de equipamentos militares israelenses.
Até aí, direito dele.
Mas a maneira como ele apresenta a questão é totalmente absurda, especialmente num evento público.
Palavras de Múcio: “A questão diplomática interfere na Defesa. Houve agora uma concorrência. Venceram os judeus. O povo de Israel. Mas por questão da guerra, do Hamas, os grupos políticos, estamos com esta licitação pronta, mas por questões ideológicas não podemos aprovar”.
A confusão que Múcio faz entre o “Estado de Israel” e os “judeus” é reveladora.
Quem faz esta confusão é a extrema direita, com o objetivo de tratar qualquer crítica a Israel como se fosse antisemitismo.
Também é reveladora a referência ao “Hamas” e aos “grupos políticos”.
Israel está praticando um genocídio contra o povo palestino, usando o Hamas como pretexto. Múcio repercute o pretexto e, ademais, trata o genocídio como “guerra”.
Neste contexto, comprar armas de Israel é ser cúmplice, contrariando a política definida pelo presidente Lula.
Mas Múcio desqualifica a justa posição adotada até agora e a reduz à interferência de “grupos políticos” e “questões ideológicas”, termo que na boca dele tem sentido depreciativo.
Na nossa, pelo contrário, tem valor positivo: trata-se de não contribuir com a extrema-direita, o sionismo, o nazismo, o genocídio.
Em seguida, Múcio trata do potássio, pretexto que ele usa para atacar o que a Constituição estabelece acerca dos povos indígenas.
Depois o ministro reclama da orfandade da Defesa, afirmando que “se muita gente debita às forças armadas o golpe de 64, precisava ter creditado às forças armadas não ter havido o golpe em 2023, foram as forças armadas que preservaram, que seguraram a nossa democracia”.
“Muita gente” acha que Múcio não deveria ter sido nomeado ministro da Defesa.
“Pouca gente” acredita na capacidade do ministro cuidar dos temas da sua pasta.
Mas a responsabilidade das forças armadas no golpe de 64 não é assunto em debate; não se trata de saber se “pouca” ou se “muita” gente pensa isto.
Trata-se de um fato histórico.
Que um ministro da Defesa coloque este fato em dúvida, equivale a um ministro da Saúde colocar em dúvida o SUS.
Mas o mais grave não é a opinião de Múcio sobre o 1 de abril de 1964.
O mais grave é a opinião dele sobre o 8 de janeiro de 2023.
Primeiro, porque a crença de que as forças armadas seriam a mão forte e o braço amigo que defende a democracia, foi exatamente um dos argumentos utilizados para justificar o golpe de 64.
Ao contrário do que possa parecer, Múcio reverbera uma ameaça, uma chantagem, como se dissesse: agradeçam aos militares por terem agido assim, pois eles poderiam ter agido assado.
Segundo, porque Múcio disse uma mentira.
Parte importante da cúpula do exército, mas também de outras forças, foi cúmplice passivo ou ativo da intentona de 8 de janeiro de 2023.
Enquanto todos estes criminosos não estiveram presos, seguiremos correndo risco.
Na sua fala, Múcio também refere-se à frustrada venda, para a Alemanha, de munições que seriam transferidas para a Ucrânia usar contra a Rússia.
Múcio considera que um “grande negócio” foi prejudicado por um “embaraço diplomático”.
Embaraçoso é ter Múcio como ministro.
E tê-lo como ministro da Defesa é mais que embaraço: é um alto risco.
Mas tem gente que gosta de viver perigosamente.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT