Por Ana Lídia
Nos dias 7 e 8 de outubro ocorreu o Encontro Nacional de Mulheres do PT, numa conjuntura de forte ataque aos direitos e a vida das mulheres. A ameaça da extinção da licença maternidade, o não reconhecimento da dupla jornada feminina para fins de aposentadoria, a volta do debate do nascituro, a Emenda Constitucional 95 que congela os gastos públicos em serviços fundamentais como saúde e educação, tem efeito direto sobre a vida das mulheres.
Vivenciamos não apenas um retrocesso na conquista de direitos, mas também no campo ideológico. Episódios como os debates acerca da abordagem das questões de gênero no Plano Nacional de Educação, as tentativas de aprofundar a criminalização o aborto, ou seja, as investidas conservadoras sobre as pautas das mulheres de um lado e a apropriação da luta feminista pelo neoliberalismo de outro, reforça-nos a necessidade imediata de resistirmos e avançarmos na luta contra todas as forças que violaram o estado democrático de direito e seguem violando o corpo e a vida da classe trabalhadora, sobretudo das mulheres trabalhadoras.
Diante dessa conjuntura, o Encontro Nacional de Mulheres do PT tinha o desafio de promover debates e conduzir a política de mulheres no conjunto do Partido, para enfrentar o próximo período.
No entanto, o resultado do encontro foi aquém do que era necessário. Apesar de termos conseguido reafirmar o feminismo socialista e de termos incidido política e estrategicamente na tese guia eleita (“Feminismo é no Plural”, da CNB), houve um recuo na organização de mulheres do PT quando decidiu pela criação de um Conselho Político. Isto significa a formação de mais uma instância burocrática, em vez do fortalecimento do coletivo de mulheres já existente. Apenas a Articulação de Esquerda e o campo do Muda PT votaram contra a criação desse conselho, por compreender que é preciso primeiro garantir o funcionamento do coletivo nacional.
Além disso, no 6º Congresso do PT, em junho passado, foi aprovada mais uma instância de combate e acolhimento às mulheres vítimas de violência no interior do Partido e o encontro sequer discutiu como seria a implementação disto pela Secretaria de Mulheres. Isso significa que podemos ter mais uma instância vazia e que o novo coletivo terá o desafio de fazer funcionar, para conduzir a política de enfrentamento ao o machismo nas instâncias partidárias.
Algumas teses como a nossa da Articulação de Esquerda (“Feminismo para Tempos de Guerra”) apresentavam visões mais estratégicas e clareza do feminismo que queremos para o PT, outras apresentavam balanços mais consensuais sobre a atual conjuntura. Infelizmente, algumas falas e pontos de teses apresentavam o senso comum sobre a luta das mulheres e certa instrumentalização de algumas pautas, sem profundidade política para a construção do feminismo. Isso também demonstra o enorme desafio que o coletivo eleito tem pela frente.
Outro ponto que cabe ressaltar é a resolução apresentada pela Articulação de Esquerda a ser encaminhada a Comissão Executiva Nacional do PT. A resolução apresenta as problemáticas do contorcionismo interpretativo feito pelo Diretório Nacional, que usa argumentos distorcidos da leitura do estatuto para não respeitar a paridade, que é uma conquista histórica das mulheres petistas. A resolução solicita que se refaça o debate da paridade e garanta o seu cumprimento real já para este período. Infelizmente, o que o conjunto das mulheres acordam, como neste caso do cumprimento da paridade na CEN, não se faz respeitado pela maioria de quem ocupa as cadeiras do Diretório Nacional.
A fala do Lula também foi um ponto baixo do evento. Com falas complicadas e que em nada dialogavam com a pauta das mulheres e ainda soavam machistas, fez com que muitas mulheres se sentissem incomodadas.
O resultado final do encontro refletiu as velhas estratégias usadas por parte do campo majoritário que permitiram tirar um maior número de delegadas. A maior delegação veio do Estado de São Paulo, onde a compra de votos e o carregamento de delegadas foi a tônica do encontro estadual.
O “racha” da CNB, capitaneado pela figura de Kátia Guimarães, proporcionou um momento interessante de críticas às práticas do campo majoritário, denunciando os processos de escolha de Anne Karolyne como a candidata. Para as companheiras deste setor, Anne Karolyne não representaria a figura de uma secretária de mulheres que pudesse ser capaz de atuar nos desafios atuais.
O Encontro contou com cinco candidatas a Secretária inscritas, sendo que uma retirou, e com seis chapas, sendo que mais tarde algumas se fundiriam pragmaticamente, tornando-se apenas quatro ao final.
Neste encontro, nós da Articulação de Esquerda, compreendendo os desafios atuais, as conquistas históricas das mulheres e nosso balanço sobre o partido, a conjuntura e o Muda PT decidimos lançar chapa e candidatura própria. Além disso, temos a clareza dos nossos desafios estratégicos para o próximo período.
Nossa delegação demonstrou a diversidade da militância da AE com companheiras do Amazonas, Amapá, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande no Norte, Sergipe, Pernambuco, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.
Com a Companheira Wilma dos Reis como nossa candidata a Secretária e com cada companheira que foi delegada, a AE mostrou sua presença e incidiu politicamente nos debates do Encontro, principalmente com a nossa tese “Feminismo para Tempos de Guerra”. Com uma chapa pura, a AE conseguiu conquistar uma vaga no Coletivo Nacional de Mulheres do PT.
Os números finais foram
Secretária:
Lili (Muda PT): 169 votos
Katia (“racha” CNB): 60 votos
Anne (CNB: eleita secretária): 371 votos
Wilma (Articulação de Esquerda): 39 votos
Coletivo Nacional (10 componentes):
Pra mudar a vida das mulheres (Mensagem+DS+MS+Avante): 162 votos (25,08%) = 2 vagas
Ética na política (“racha” CNB): 53 votos (8,20%) = 1 vaga
Feminismo Plural (CNB+MPT+OPtei): 376 votos (58,20%) = 6 vagas
Feminismo para Tempos de Guerra (Articulação de Esquerda): 47 votos (7,28%) = 1 vaga
Brancos e nulos: 0,46%
Total de votantes 638
A partir de agora o desafio que nos é colocado é aprofundar a organização e a política de mulheres do Partido para o próximo período. Ainda temos muito o que debater, principalmente as linhas gerais a serem tiradas nos movimentos feministas que atuamos, nossa estratégia, nossas posições e formulações sobre várias pautas, além de problemas que tangenciam a vida das mulheres no próprio Partido.
Ana Lídia é professora e militante do PT em São Paulo.