Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia do modo de produção ancestral
O modo de produção ancestral é a ressonância , no mundo secular ou com limites, da coexistência restitutiva, que é a troca eterna ou sem fim de energias. No macro universo as energias circulam e restituem a unidade fundamental de toda existência. O mesmo ocorre no micro universo e, por igual equivalência, no mundo histórico. É por determinação dessa correspondência, que o processo circulatório restitutivo, avesso ao acúmulo e/ou capitalismo, é a base central do modo de produção ancestral.
Ebó é lugar-encruzilhada e espaço de pacto
Ebó, é uma noção renovada, significa um lugar de pacto ou de acordo dinâmico para as trocas e relações equilibrantes com os mundos com limites, o secular, e o sem limites, tudo que há e circula nos mundos não físicos. Os espaços com limites estão sempre em contato com os espaços sem limites. Ebó é, portanto, a encruzilhada e espaço de pacto entre os mundos assim concebidos e, desse modo, se estabelece a restituição entre tudo. As relações sociais e de produção da existência estão no mesmo movimento contínuo e sempre tendendo ao perfeito e justo equilíbrio das trocas e/ou de acesso aos bens materiais e imateriais. Socialmente, cosmicamente ou cosmogonicamente, ebó-encruzilhada é a base do modo de produção ancestral, restitutivo, e contrário ao acúmulo, que é núcleo do capitalismo.
O que é, então, ebó-vivência e ebó-coexistência ?
A ebó-vivência é a medula da Rede TV Matracas de Comunicação. Ela é dada pelo processo comunicativo entre autorias africanas, negras e coautorias negras ou empatizadas com a África, antirracismo e valorização do signo negro. Afirmamos, as leitoras e leitores terão a noção no entendimento conjunto do artigo, que Ebó-vivência é inseparável da ebó-existência e da ebó-coexistência.
A partir dessa base filosófica e material nucleada pela encruzilhada, a Rede TV Matracas de Comunicação reúne , numa grade, programas em cujas autorias estão confiadas ancoragens brasileiras, angolanas, caboverdianas, guineenses, moçambicanas e santomenses. A rede articula e encruzilha autorias negro-africanas e negro-brasileiras. As intervenções são realizadas em português e línguas africanas estabilizadas nos lugares e cotidianos, entre outros, de Cabo Verde e Guiné Bissau.
A Rede TV Matracas de Comunicação é a encruzilhada – território. A Rede TV Matracas de Comunicação, projeto de extensão da UNILAB e Movimento Negro ao mesmo tempo, é a comprovação de um dado capital, que é o território e nele encruzilhadas as relações sociais e também os sistemas tecnológicos e de informação. Vivemos no território que, como abrigo físico e afetivo, se materializa pela dinâmica encruzilhada dos lugares. Podemos dizer, de modo exúsico, que o território é uma dinâmica encruzilhada de possibilidades restitutivas. Cresce, assim, o valor da encruzilhada como lugar ou como dinâmica dos lugares, que são movidos pelas intervenções sociais, raciais, de gênero, políticas e filosóficas.
A encruzilhada, como território praticado, vivido e ocupado, é lugar e conceito ou chave interpretativa para orientar o equilíbrio e o acesso ancestral ou restitutivo aos recursos materiais, imateriais e/ou aos meios de produção da existência. A encruzilhada orienta e institui, como lugar da ressonância ancestral, o modo de produção da existência restitutivo, a política e, no mesmo movimento exúsico, se assenta como objeto da filosofia da ancestralidade. Uma rede informacional ancestral, é o caso da Rede TV Matracas de Comunicação, é parte do território, que é equivalente à encruzilhada. Ao concebermos o território como encruzilhada, afirmamos ou assentamos o modo de produção da existência ancestral, restitutivo, que é avesso ao acúmulo e/ou capitalismo. Avultam, assim, o modo de produção da existência restitutivo e igualmente a ancestralidade como categoria filosófica.
O ancestral nuclear é, antes do mundo manifestado, energia
O ancestral da humanidade ou do gênero humano é uma energia ou um ser não humanizado. Concebido o ancestral não antropomórfico; toda humanidade se encontra na unidade fundamental da existência, derivando, sem cessar, para a coexistência restitutiva. A concepção ancestral negro-africana tem validade para o conjunto da humanidade e, principalente, ela tem dois motores exúsicos indispensáveis; os quais destaco: a política e a filosofia.
A atuação encruzilhada define a rede
As postulações apresentadas nos parágrafos anteriores, a respeito da ancestralidade e do território como encruzilhada dos lugares, têm por objetivo a compreensão dos sistemas informacionais e da atuação em rede ou em encruzilhada, tanto faz.
Os sistemas técnicos compõem, com a diversidade das relações sociais, raciais e outras, o território. Por tal razão, cada programa da Rede TV Matracas de Comunicação, como lugar ou espaço de pacto antirracismo, anticapitalismo e anti-imperialismo. É base autoral negro-africana ofertada, sem restrição, à humanidade ou mundo. O é igualmente base para as recepções negro-africanas e, sendo assim, possibilita, sem abdicar da autoria, o diálogo e as relações dialógicas com as coautorias e/ou recepções mais amplas e empatizadas com o antirracismo, que é o desmonte das visões exclusivamente eurocêntricas .
A base autoral negro africana e as recepções empatizadas só existem, histórica e geograficamente, como encruzilhada; lugar e conceito, na dinâmica da rede; do todo, que se dá pelos programas, num sentido pluriversal, que reforça, na encruzilhada, a totalidade da Rede TV Matracas de Comunicação. No todo, então, a unidade é feita, desfeita e refeita permanentemente na encruzilhada, que é o território vivido e usado; isto é, torndo força e potência primeiro para a interlocução e, depois, para a intervenção dinâmica,exúsica dos lugares.
A solidariedade, o envolvimento coletivo ou do conjunto dos lugares em rede, exige comunicação com o próximo (a), relação e ação de unicidade com o modo de produção ancestral, que é restitutivo. Por igual equivalência, nos Quilombos e Comunidades Quilombolas, não há propriedade privada da terra. O modo de produção ancestral tem, como modo de produção sinonímico, o modo de produção quilombola. Esta realidade é atualizada pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos.
Dentro desses limites ou (des)limites ancestrais e quilombolas, há a tessitura da comunicação com o próximo (a) ou matracada pelos lugares ou pela força do lugar. O lugar, como chave posta e resposta pela encruzilhada, só tem força e potência quando expulsa a opressão universalizante. A propriedade privada da terra é força apressora, que o lugar-quilombo expulsa. A rigor, a propriedade privada da terra é rejeitada pelos Quilombos e pela dinâmica restitutiva ancestral.
O terreiro como lugar
O lugar, como terreiro-chão, tece ou faz tessituras nas horizontalidades e, assim, se opõe às verticalidades impostas. A encruzilhada, conceito e lugar e/ou abrigo e espaço do vivido, é sinônimo de coexistência e, antes, de existência, que é a força do ser e de ser restitutivo e, portanto, portador da força do ser e de ser avesso ao acúmulo, desigualdade ou capitalismo. Sendo parte da encruzilhada-território, o ponto, que atualiza a intervenção em redes, não está fixado ou localizado no sistema informacional visto isoladamente. O fundamental, a partir das encruzilhada-lugar, é neutralizar a pressão e a opressão da informação totalitária ou universalizante transmitida e, mais ainda, imposta pelos pontos-lugares hegemônicos, que controlam e oprimem o mundo ou o conjunto dos lugares empobrecidos financeira e tecnicamente.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor da Unilab – Bahia