Pelo rompimento de relações do Brasil com o estado de Israel

Por Pedro Prola (*)

Sim, chegou a hora de o Brasil romper relações com Israel. E o PT deve se somar nessa reivindicação, que diversos movimentos sociais ligados ao Partido já subscreveram junto com vários Partidos da esquerda brasileira.

O presidente Lula vem denunciando corajosamente o genocídio de Gaza e os abusos do regime de apartheid na Cisjordânia, lembrando que se trata do pior crime desde a 2ª Guerra Mundial. A voz de Lula ecoou no Mundo porque se afirmou no momento em que o Brasil era convocado a se pronunciar, assumindo um papel de liderança no Sul Global e falando a verdade em nome das vítimas que tantos queriam calar.

Assim sendo, estamos perante um crime a uma escala só vista no nazismo e, por isso, as palavras de Lula precisam ter consequência na atuação do Estado brasileiro. Mais do que isso, diante do agravamento da situação, da recusa do Governo genocida de Israel em qualquer abrandamento desse crime, da escalada do discurso de culpa coletiva contra povo palestino (subscrito por 64% da população de Israel, segundo pesquisa recente), hoje se torna evidente que o Brasil deve romper relações com o Estado de Israel.

Não é aceitável que o Brasil continue fornecendo petróleo para a máquina de guerra de um Governo genocida. Não é aceitável que o Exército brasileiro ou o Estado de São Paulo comprem armas de Israel. Não é aceitável que o Brasil celebre um Dia de Amizade com Israel em pleno genocídio. Ou por acaso também se acha que o Brasil deveria ter comemorado algum Dia de Amizade com a Alemanha nazista nos anos 1930? Ou por acaso também se acha correta a entrega de Olga Benário ao nazismo, como efetivamente ocorreu?

Existem, essencialmente, três argumentos que vêm sendo invocados em defesa da manutenção de relações diplomáticas entre o Brasil e Israel. Nenhum deles se sustenta.

O primeiro argumento é que manter relações permitiria ao Brasil influenciar Israel de alguma forma e, logo, romper pioraria a situação. No entanto, esse é um argumento totalmente desfasado da realidade atual. Israel escalou o conflito para um genocídio que hoje avança para uma possível solução final: a expulsão dos palestinos de Gaza ou o seu extermínio. Dificilmente alguém pode afirmar que a situação ainda poderia piorar estruturalmente, porque a situação já se encontra no pior dos cenários possíveis (o de um genocídio). Pensar em “não piorar a situação” é um raciocínio absurdo no contexto atual.

Mas, além disso, esse argumento parte de duas premissas equivocadas. A primeira é que o Brasil teria hoje alguma influência sobre Israel. Na verdade, em nenhum momento o Governo israelense expressou disposição de dialogar ou negociar com o Brasil — ou com quem quer que seja. Pelo contrário, declarou o presidente Lula “persona non grata” e desautorizou até a ONU. A segunda premissa é que romper relações significaria que o Brasil fecharia a porta do diálogo. Só que foi Israel que fechou a porta do diálogo e que avançou para cometer um genocídio. Como é óbvio, ao romper relações, o Brasil deve reafirmar a disposição de retomá-las se Israel quiser efetivamente dialogar pela paz e negociar o fim desta loucura.

Uma versão mais específica do argumento da influência do Brasil sobre Israel diz respeito à população que tem dupla cidadania brasileira e palestina, que ficaria desprotegida pela falta de representação diplomática brasileira. É verdade que o Governo brasileiro conseguiu efetivar voos de repatriamento de Gaza, salvando 127 pessoas do genocídio. Mas é impossível proteger toda essa população, se ela continuar sujeita a um regime de terror absoluto.

Um exemplo é o caso de Walid Ahmad, brasileiro de 17 anos, que sofreu maus-tratos e morreu em um centro de detenção arbitrário de Israel. Outros brasileiros também estão presos em condições desumanas em Israel e poderão ter o mesmo fim, sem que consigamos evitá-lo. O quadro geral não é de libertação das vítimas, é de impotência perante as ações de Israel.

O segundo argumento para a manutenção de relações é que não valeria a pena romper com Israel porque isso não mudaria a realidade no terreno e, na verdade, criaria mais fricção com os EUA. É a mesma posição conformista que muitos assumiram contra o reconhecimento do Estado da Palestina — também não valeria a pena reconhecê-lo porque não haveria como efetivá-lo e, além do mais, isso produziria uma reação negativa dos EUA.

Mas Lula, compreendendo o papel histórico que cabia ao Brasil naquele momento, reconheceu o Estado da Palestina em 2010, mesmo sob fortes críticas dos EUA. Isso desencadeou um movimento pela América Latina e Caribe, levando a igual reconhecimento por diversos Governos da região e aumentando a pressão para a integração da Palestina como membro da ONU.

Hoje, o Brasil está sendo convocado pela História a assumir um papel de liderança no Sul Global — o que exige não só a denúncia do genocídio de Gaza, como também a mobilização de todos os meios pacíficos possíveis diante de um crime tão grave cometido contra um dos seus povos. Esse é o momento em que o Governo brasileiro tem a possibilidade de ganhar iniciativa política mundial, falando em nome dos oprimidos e dos renegados, assumindo a posição de principal voz do Sul Global. É certo que isso implica o risco de confrontações vindas do Norte, mas não existe ganho sem risco.

Longe de ser irrelevante, a rotura de relações do Brasil com Israel será absolutamente decisiva para a região e entre os países emergentes. A criação de um movimento de rotura com Israel pelos Estados do Sul Global permitirá expor a ferida aberta da natureza supremacista e predatória do genocídio de Gaza, criando maior pressão não apenas sobre o Governo de Israel, mas também sobre os Governos do Norte Global que continuam facilitando suas ações criminosas.

O terceiro argumento para o Brasil manter relações com Israel é de natureza interna. Lula não deveria romper porque existe uma correlação de forças desfavorável no Congresso e na mídia brasileira, o que poderia produzir uma dura retaliação. Esse é, na verdade, o mais forte dos argumentos. Se todos os argumentos relativos à Razão de Estado e no âmbito internacional pendem para o rompimento de relações, a conjuntura interna pressiona no sentido inverso.

São as velhas elites brasileiras que se colocam contra o interesse do Brasil e buscam alinhar a posição do país ao interesse de uma potência externa (os EUA) de que o poder de Israel efetivamente deriva. Nessa matéria, não existe diferença com outras grandes questões que se colocam ao futuro do Brasil. Existem, efetivamente, herdeiros do colonialismo e do escravismo que se opõem ao desenvolvimento e à soberania do Brasil, que não pensam o Brasil como Brasil e, por isso, não têm um projeto de país — a não ser extrair suas riquezas e se submeter a potências externas.

São os mesmos que se opuseram aos programas sociais e ao aumento dos salários e do emprego nos Governos do PT, que profetizaram falsamente uma desgraça na economia sob o presidente Lula, que promoveram o golpismo em 1964 e 2016, o lawfare e a prisão política de Lula, que executaram políticas e privatizações danosas, mas que agora querem vender a Petrobras, tornar o Banco Central “independente”, cortar no Orçamento público, revogar os pisos constitucionais de Educação e Saúde, entre outros pacotes de maldades. São exatamente os mesmos.

Ou seja, os bloqueios que existem ao desenvolvimento do Brasil são os mesmos bloqueios que existem à afirmação da sua soberania, à sua autonomia nas Relações Internacionais e ao seu posicionamento como potência. É nesse quadro que as dificuldades internas sobre o posicionamento do Brasil numa questão como o genocídio de Gaza devem ser interpretadas. Em resumo, existe um dilema fundamental entre a afirmação do Brasil e a sua auto-negação histórica.

(*) Pedro Prola é jurista. Vive em Portugal. Coordenador do Núcleo do PT Lisboa

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