Por Kadu Brito (*)
Texto publicando no Boletim P13 LGBT – Edicao 08 Agosto de 2025
Por uma lógica de atuação não branca, não heteronormativa e não cisgênera, e sim travesti, na política. Essa formulação aponta um programa que é, por definição, socialista, não branco, anti capacitista e orientado para abarcar a classe trabalhadora como sujeito totalizante. A centralidade do “não” neste vocabulário não é mera retórica negativa: trata-se de uma sinalização das condições materiais que tornam a própria existência de certos corpos e coletivos um centro de conflito político.
Marx e Engels na Ideologia Alemã, explicam como a ideologia dominante organiza práticas de percepção da realidade. Assim, aquilo que é apresentado como método neutro ou técnico costuma reproduzir pressupostos raciais e de gênero. Portanto, críticas que se limitem à reforma formal dos procedimentos sem interrogar as bases epistemológicas e materiais do saber tendem a ser insuficientes.
Além disso, Bell Hooks oferece um aporte específico que desloca a noção de amor para o campo das práticas políticas. Amor entendido como cuidado coletivo, responsabilização mútua e construção de laços que produzam capacidade de proteção e de vida digna. Paralelamente, os saberes de povos originários e comunidades tradicionais propõem dialeticamente epistemologias diferentes baseadas na reciprocidade e na continuidade intergeracional, em contraponto ao paradigma do indivíduo isolado e dissociado de si mesmo.
Na materialidade, essa percepção pode ser apontada na discussão sobre defesa pessoal em manifestações. Enquanto a difusão acrítica de práticas marciais como forma de proteção à violência policial pode naturalizar modelos de proteção centrados na performance física individual e numa afirmação subconsciente de uma masculinidade hegemônica, uma vez que a prática concreta das populações mais vulneráveis evidenciam estratégias alternativas e frequentemente mais eficazes.
As táticas de sobrevivência elaboradas por negras e negros frente à violência policial sistemática raramente se baseiam em confronto físico, priorizando a percepção aguçada de risco, o apoio mútuo imediato e estratégias de dissuasão e fuga. Travestis e mulheres trans, submetidas à violência institucional e à precarização extrema (como a indução ao trabalho sexual), desenvolveram sistemas complexos de alerta, fuga e proteção coletiva frente à polícia, operando através de redes de solidariedade que dispensam técnicas marciais formais, e apontam que a necessidade da valorização de saberes subalternos, políticas públicas direcionadas e a organização coletiva como resposta ao enraizamento das violências.
Isso passa por propostas concretas como a priorização de políticas de moradia e trabalho digno, programas de proteção e assistência às pessoas trans e travestis, investimentos em saúde mental e serviços sociais anti capacitistas, a institucionalização de redes comunitárias de proteção e alerta, e a luta pelo fim da escala 6×1. Ao mesmo tempo, é urgente que a esquerda incorpore práticas de formação política que valorizem a experiência cotidiana das populações em luta e que sejam diferentes das atuais epistemologias. ★
(*) Kadu Brito, militante do PT e da AE em Mossoró/RN