Projeto de resolução para o Diretório Nacional de 13 de fevereiro

Ao Diretório Nacional do PT

Atendendo a solicitação da presidente Gleisi Hoffmann, apresentamos abaixo um projeto de resolução para debate e aprovação na reunião do Diretório Nacional do PT.

Natália Sena

Jandyra Uehara

Júlio Quadros

Patrick Campos

Valter Pomar

Projeto de resolução

O Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, reunido no dia 13 de fevereiro de 2023, inicia sua reunião repetindo a saudação e o agradecimento ao esforço de cada movimento social, de cada partido de esquerda, de cada cidadã e cidadão, de cada militante que resistiu e lutou desde o golpe de 2016 até o segundo turno de 2022, de cada eleitor e eleitora que no dia 30 de outubro do ano passado compareceu às urnas para votar 13.

Foram estas pessoas, na sua maioria integrantes dos setores mais empobrecidos da nossa classe trabalhadora, negros e negras, mulheres, LGBTQI+, povos originários e comunidades tradicionais, moradores da periferia, jovens de coração vermelho, trabalhadores e trabalhadoras com consciência de classe, residentes na cidade e no campo, em todos os cantos de nosso país, mas especialmente nordestinos de moradia e de espírito, que nos permitiram derrotar a candidatura da extrema-direita, eleger Lula e abrir caminho para a reconstrução e transformação do Brasil.

O terceiro mandato do companheiro Lula teve início em meio a uma situação mundial de imensa complexidade, marcada pelos desdobramentos da crise de 2008, pela pandemia da Covid 19, pelo agravamento da situação ambiental, pela ascensão da República Popular da China, pela guerra da Rússia contra a aliança Ucrânia/OTAN e, destacadamente, pela tentativa que os Estados Unidos fazem de reverter seu declínio enquanto potência hegemônica. Neste cenário, as primeiras medidas do governo Lula vêm reafirmando sua disposição de contribuir na construção de outra ordem mundial, inclusive através de iniciativas como a CELAC, a Unasul e os BRICS, assim como vem reiterando sua posição contrária à guerra.

Além desta situação internacional atravessada por crises e guerras, o terceiro mandato do companheiro Lula também enfrenta uma situação nacional profundamente diferente da enfrentada no período 2003 a 2016. No plano econômico-social, a principal diferença é o desastre produzido por quase 7 anos de golpismo. No plano político, a principal diferença é a existência de duas oposições de direita, uma neofascista e a outra neoliberal. No plano cultural, a principal diferença é a influência da extrema-direita em amplas camadas da população.

Entre 2003 e 2016, polarizávamos com o neoliberalismo tucano. Hoje enfrentamos duas direitas – a direita tradicional neoliberal e a extrema-direita ultraliberal – que estão presentes tanto fora quanto dentro do governo, com destaque para o presidente do Banco Central, formalmente “independente”, mas efetivamente submisso aos interesses do capital financeiro e da extrema direita. Embora distintas, as duas direitas se combinam e se alimentam. Foi a direita neoliberal tradicional que abriu as portas para o neofascismo, o apoiou no segundo turno de 2018, respaldou parte importante de suas ações e o protegeu, nos momentos de maior fragilidade, de um impeachment; sem falar que parte dos neoliberais contribuiu para levar a disputa de 2022 para o segundo turno. Para além disso, é o ambiente gestado pelo neoliberalismo que empurra parte da sociedade em direção ao neofascismo. Por outro lado, a ameaça neofascista dá aos neoliberais instrumentos para chantagear a esquerda, seja através de espaços ocupados no governo e no Congresso, seja através da grande mídia e dos chamados mercados. O mesmo vale, com nuances, para o imperialismo: o governo dos Estados Unidos, que deu declarações contra os atentados de 8 de janeiro, é encabeçado hoje por quem foi personagem central no golpe de 2016.

Para derrotar tanto o neoliberalismo quanto o neofascismo, assim como para enfrentar as pressões do imperialismo, será necessário muito mais do que um governo exitoso: será necessário um movimento político e social liderado pela esquerda, dirigido pelo PT e ancorado nos movimentos sociais e na classe trabalhadora com consciência de classe. Para tanto, é fundamental ampliar a unidade da esquerda política e social brasileira. Esta unidade é mais do que nunca necessária, porque os desafios postos para a esquerda partidária e social brasileira, bem como para o governo Lula, são muito mais complexos do que aqueles enfrentados de 2003 a 2016.

Teremos pela frente um longa disputa contra o imperialismo, o neoliberalismo e o neofascismo. Os acontecimentos de 8 de janeiro são mais uma prova de que o caminho da pacificação do país passa pelo julgamento, condenação e punição (inclusive prisão) dos criminosos, a começar por Jair Bolsonaro e todos os que foram cúmplices dos crimes de 8 de janeiro. Precisamos desarmar os grupos paramilitares. Trata-se, também, de estabelecer outra cultura, outro padrão de funcionamento nas forças armadas e nas polícias, que foram colonizadas pelo neofascismo, bem como definir outros critérios de escolha dos comandantes. Ou alteramos a atual institucionalidade e o conjunto da sociedade, ou a ameaça neofascista continuará presente, como aliás o golpismo militarista esteve presente em toda a história republicana brasileira. Neste sentido, não cabe enxergar no bonapartismo judicial uma alternativa idônea contra o neofascismo. Não haverá superação do neofascismo, enquanto não houver superação do neoliberalismo, uma nova institucionalidade, uma nova sociedade. E nada disso será produzido pelo caminho da judicialização da política.

Neste contexto, a melhor forma de fazer o governo Lula dar certo é a esquerda não sair das ruas, estar junto do povo na defesa das suas legítimas reivindicações e necessidades. Cabe ao Partido dos Trabalhadores ter uma postura ativa e altiva na disputa de rumos da sociedade e do governo, apoiando e defendendo as medidas avançadas que sejam tomadas, mobilizando para derrotar os neofascistas e os neoliberais, criticando os erros e oferecendo alternativas, inclusive no terreno da comunicação, em que tantos erros foram cometidos entre 2003 e 2016.

Mais do que uma obrigação, é uma necessidade que o PT faça a disputa acerca do rumo das políticas públicas de cada ministério e do conjunto do governo. Nos cabe não apenas apoiar o governo, mas também, como orientou o presidente Lula, fiscalizar e apontar erros, criticar publicamente sempre que necessário, cobrar a execução do plano de governo. Sempre lembrando que o povo tem pressa e que o tempo não é nosso aliado: no plano da institucionalidade, seremos testados já nas eleições municipais de 2024, para a qual precisamos nos preparar desde agora. Mas no plano da vida cotidiana do povo e no terreno da guerra cultural, a batalha é permanente e nunca cessou.

O sucesso estratégico da esquerda dependerá de vários fatores, dentre os quais se destacam a auto-organização do povo e sua participação no governo, a combinação entre políticas públicas e reformas estruturais, com destaque para a reindustrialização do país. Precisamos deixar de ser uma subpotência agro-minério-exportadora e devemos passar a ser potência industrial de novo tipo.

Em 1980 o Brasil estava a caminho de converter-se numa grande potência industrial. Então tivemos a crise da dívida externa, a transição conservadora e os governos dos fernandos neoliberais. Como resultado, o país foi se desindustrializando fortemente. Aí vieram os governos Lula e Dilma, que tentaram colocar um freio e até reverter o processo de desindustrialização. Tivemos então o golpe de 2016, os governos “temer” e cavernícola. E de quase potência industrial viramos potência agroexportadora e minério exportadora, além de paraíso do capital financeiro, o país do ‘agro é pop, deus, tudo’. Essa mudança afetou tudo: mudou a composição da classe dominante, mudou a composição e as condições de vida da classe trabalhadora, mudou o ambiente político e cultural no Brasil. Foi nesse ambiente que os neoliberais vieram e seguem atuando e chantageando. Foi em reação a esse ambiente que a esquerda encabeçada pelo PT ganhou quatro eleições presidenciais entre 2002 e 2014 e agora ganhou novamente. Foi também nesse ambiente que os neofascistas vieram e ainda não foram embora.

Agora, não basta qualquer industrialização e qualquer desenvolvimento: é preciso outro padrão de industrialização e desenvolvimento, a serviço da redução da desigualdade e da ampliação do bem-estar, ambientalmente orientado e sustentável, comprometido em contribuir para garantir a vindo do planeta. Este é o pano de fundo da disputa, já em curso, acerca da política fiscal e tributária do governo Lula; acerca do papel do agronegócio, da agricultura familiar e da reforma agrária; acerca da Petrobrás e da Eletrobrás, cuja retomada integral pelo Estado é parte essencial de qualquer política de reindustrialização.

Nesse sentido, o presidente Lula tem feito movimentos acertados, e que precisam do mais amplo e articulado apoio possível, dentro e fora do governo, quando combate o “teto de gastos”, a “independência” do Banco Central e a privatização da Eletrobrás.

Ademais, não basta crescer, não basta reindustrializar, não basta desenvolver, é preciso fazer isso transformando profundamente nossa sociedade. E para isto é preciso combater os monopólios, os oligopólios, a ditadura do capital financeiro e do agronegócio, a concentração de riqueza e poder.

Nos últimos anos e meses, o PT demonstrou dispor de uma influência colossal e de grande capacidade eleitoral. Agora, um de nossos maiores desafios consiste em organizar e transformar aquela força e capacidade em instrumento para a disputa política cotidiana, nos locais de trabalho, de moradia, de estudo e de lazer.

Desse ponto de vista, a experiência dos comitês populares de luta é um dos pontos de apoio para o que é necessário ser feito. É preciso, também, levar em devida conta as múltiplas formas de organização e luta de nosso povo, contribuindo para sua formação, organização, coordenação e mobilização. E para que isto aconteça, a ação estritamente governamental é não apenas insuficiente, mas também pode conduzir a desvios, como demonstraram várias experiências – dentro e fora da América Latina – que buscaram organizar o povo a partir do Estado. Devemos continuar insistindo na auto-organização do povo.

É preciso, também, transformar referência em organização, o que inclui convidar para ingressar no PT tanto militantes recém-chegados, quanto militantes que se deram conta dos limites dos projetos em que estão atualmente engajados. Neste espírito, damos início agora a uma campanha nacional de filiação ao Partido dos Trabalhadores.

Em 2023 – além do quadragésimo terceiro aniversário do nosso Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras -também vamos comemorar os 40 anos de fundação da Central Única dos Trabalhadores e, em 2024, também o quadragésimo aniversário de criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Que estes aniversários nos façam recordar que a vocação do PT não se limita a disputar eleições de dois em dois anos, conduzir mandatos e governos.

O PT foi criado para contribuir na organização da luta da classe trabalhadora, na construção do poder necessário para transformar o Brasil. Nossa presença no governo e no parlamento, em todos os níveis, é uma parte – parte muito importante, mas sempre uma parte – deste esforço para termos um Brasil com bem-estar social, soberania nacional, liberdades democráticas, industrialização e desenvolvimento de novo tipo. Um país socialista.

Concluímos este documento exortando o governo a continuar fazendo tudo o que for necessário para reparar, julgar e punir todos os crimes cometidos pelo governo genocida. O massacre do povo Yanomami é um crime contra a humanidade. Anistia não!

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *