Relato de uma reunião

Texto publicado na edição de julho do jornal Página 13.

Por Valter Pomar (*)

É impossível contar todos os detalhes da reunião do Diretório Nacional do PT realizada no dia 18 de julho de 2024. Não apenas porque seria muito longo, mas principalmente porque o melhor são os bastidores, que, por motivos óbvios, devem continuar por detrás dos panos. Isto posto, o que segue é apenas um aperitivo.

Começo pelo começo. O Diretório é composto por 94 pessoas, sendo uma presidenta eleita à parte, um presidente de honra e dois líderes de bancadas, no Senado e no Congresso, respectivamente. Os demais 90 foram eleitos por uma das oito chapas que disputaram o congresso de 2019. A reunião do Diretório, no dia 18 de julho, foi híbrida (umas dez pessoas estavam presencialmente em Brasília e os demais entraram por Zoom). Na véspera da reunião, várias pessoas avisaram que não poderiam ir e foram substituídas por suplentes. Apesar da possibilidade de participação virtual e apesar da possibilidade de inscrever suplentes, votações importantes contaram com a participação de um número bem menor que os 94.

Logo na abertura, tivemos um debate e votação sobre a pauta da reunião. Esta pauta incluía três pontos: conjuntura, recursos e substituições. Entretanto, havia uma dúvida acerca do seguinte: o ponto substituições incluía ou não a proposta de tirar Quaquá da vice-presidência nacional do Partido? A proposta de tirar Quaquá já havia sido apresentada e rejeitada na última reunião do Diretório; um dos argumentos utilizados para rejeitar era o de que o assunto não estava na pauta. Para contornar esta objeção, desta vez a proposta foi feita já no dia 2 de julho (ver box). Mas a presidenta e o secretário-geral decidiram não incluir na pauta. O proponente insistiu e o tema foi a voto, depois das respectivas defesas.

A defesa de não incluir na pauta foi feita por Jilmar Tatto, que junto com Gleide Andrade constituem atualmente a “fração dirigente da fração dirigente”, ou seja, os dois principais porta-vozes da tendência Construindo um Novo Brasil. O resultado foi 26 votos a favor de não incluir na pauta; 17 votos a favor de incluir na pauta; e sete abstenções. Não vamos aqui listar os nomes de quem votou no quê, mas recomendamos perguntar aos que votaram.

Por benevolência da presidência da reunião, o próprio Quaquá falou após a votação. Para variar, utilizou a sua fala para ofender pessoalmente quem discorda dele, como já fez várias vezes no grupo de zap do Diretório Nacional, num tom desqualificado, violento e preconceituoso. De substantivo, Quaquá não contou se vai ou não aceitar o convite para ser testemunha de defesa dos Brazão, mas, se depender do que disse e de como disse, é possível que sim. E, se isto acontecer, a maioria do Diretório Nacional do PT confirmará mais uma vez ser adepta de Adam Smith: mesmo avisados que VDM, preferem “deixar fazer, deixar passar”.

Vencida a preliminar, o Diretório passou a escutar a apresentação dos seis textos que foram inscritos para o debate. A inscrição ocorreu na véspera da reunião e, portanto, a maioria dos integrantes do Diretório conhecia, no máximo, o texto assinado por sua própria tendência. Os textos apresentados foram subscritos pelas seguintes tendências: texto 1, Movimento PT + Tribo; texto 2, Articulação de Esquerda; texto 3, Resistência Socialista; texto 4, Democracia Socialista + Militância Socialista; texto 5, Construindo um Novo Brasil; texto 6, Avante + Socialismo em Construção. O texto da Articulação de Esquerda e os demais podem ser lidos aqui: https://pagina13.org.br/contribuicoes-ao-diretorio-nacional-do-pt-de-18-de-julho/

Além desses seis textos, os integrantes da tendência O Trabalho – que se apresentam às vezes como do Diálogo e Ação Petista – apresentaram três emendas ao texto da CNB, que, segundo eles, seria o texto vencedor, daí a “economia processual” – que a meu ver tem outro nome.

A apresentação do texto da Articulação de Esquerda foi feita pelo autor destas linhas. O áudio da minha fala foi disponibilizado pelo podcast Em tempos de guerra, a esperança é vermelha na edição de 19 de julho. Do texto da AE, destaquei os pontos a seguir citados.

Primeiro, que “a principal tarefa do Partido dos Trabalhadores nas próximas semanas é disputar e vencer as eleições municipais de 2024. Trata-se de criar as condições para melhorar a vida da população por meio da presença de petistas e aliados a serem eleitos(as) para as câmaras municipais e as prefeituras. Trata-se, igualmente, de derrotar as candidaturas de direita e extrema-direita que procuram eleger-se para atender a seus próprios interesses e aos das classes dominantes e oligarquias locais. Trata-se, portanto, de acumular forças para as grandes batalhas já em curso, e que devem se aprofundar, em torno do destino do Brasil. Neste sentido, reafirmamos a importância de as campanhas eleitorais combinarem a defesa de propostas municipais com a defesa do governo Lula e de nossas propostas para o país”.

Segundo, que “as pesquisas de opinião revelam que o apoio ao nosso governo e às nossas políticas segue mais ou menos no mesmo patamar desde as eleições de 2022. Tendo em vista o tempo transcorrido desde nossa vitória e as imensas diferenças entre nosso governo e o anterior, era de se esperar que estivéssemos em melhor situação. Dentre as muitas medidas necessárias para melhorar rapidamente a situação, destacamos duas: um salto de qualidade nos investimentos públicos e outro na política de comunicação. Noutras palavras, trata-se de, simultaneamente, melhorar a vida e elevar a consciência política da população”.

Terceiro, que, para dar salto nos investimentos públicos, “é preciso superar as limitações presentes no Marco Fiscal”. Detalhe importante: logo depois que terminou a reunião do Diretório, fomos informados publicamente acerca dos bloqueios e contingenciamentos anunciados por Haddad e Tebet com a anuência do presidente Lula.

Vale citar que, na reunião, Haddad recebeu – de dois oradores da CNB – elogios imensos, a ponto de um deles propor uma nota de solidariedade, pois, na opinião dele, Haddad estaria sendo submetido a uma operação de desgaste equivalente à sofrida por Lula e Dilma. A proposta está relacionada à ideia, amplamente difundida, de que Haddad é potencial candidato à Presidência da República; não ficando claro como lidar, simultaneamente, com a condição de presidenciável e com as decorrências do déficit zero.

Quarto destaque feito a partir do texto da AE: que “o governo e seus líderes no Congresso precisam tomar lado em todas as grandes questões; e precisam compreender que a pior derrota é aquela em que silenciamos nossa verdadeira posição”.

Quinto, que “o PT propõe que o governo brasileiro rompa relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel e que interrompa todos os convênios existentes com aquele país”.

A esse respeito, transcrevo aqui mensagem que nos foi enviada – depois da reunião – por um companheiro de Santa Catarina, a partir de um artigo de Clara Matei no Il Fatto Quotidiano de 18 de julho: “a revista médica Lancet acabou de divulgar uma estimativa conservadora com mais de 186 mil mortes em Gaza, 8% da população pré-bélica; número que é destinado a aumentar dado o nível apocalíptico de destruição: hospitais em escombros, pomares e campos reduzidos a pó, recursos hídricos contaminados; lixo e detritos em uma faixa de terra hiperpoluída; 20 milhões de órfãos e meio milhão de pessoas deixadas para morrer de fome com o bloqueio das ajudas humanitárias; contínuos bombardeios às escolas da ONU que acolhem os refugiados, 70% das quais destruídas nos últimos 10 dias, matando centenas de crianças. Enquanto isso, a CNN dispensa todos os seus apresentadores árabes, suspeitos de darem exagerada atenção ao caso; o Congresso dos EUA aprova uma norma que veta ao Departamento de Estado citar as estatísticas dos mortos fornecidas pelo Ministério da Saúde de Gaza; o American Israel Public Affairs gasta US$ 15 milhões para fazer Jamaal Bowman capitular nas primárias do Partido Democrata; de sua parte, nos últimos 10 meses, o Congresso dos EUA aprova US$ 12,5 bilhões em ajuda militar que se traduzem em ganhos garantidos para uma rede de 50 multinacionais que participam do massacre em Gaza, da General Motors a Google; e, no dia seguinte à invasão terrestre de Gaza, Israel concede 12 licenças de exploração de jazidas de gás para multinacionais, entre elas a British Petroleum”.

Além de destacar, do texto da AE, os cinco pontos acima citados, o autor destas linhas aproveitou para fazer críticas ao texto da CNB. Meio na brincadeira, meio não, um companheiro da CNB reclamou desta atitude, dizendo que o tempo de apresentação devia ser utilizado apenas para apresentar o próprio, não para criticar os textos de terceiros. Talvez ele tenha razão no plano da formalidade, mas, tendo em vista que nosso objetivo não é cumprir o ritual burocrático, mas, sim, debater, é melhor aproveitar o tempo para colocar logo o dedo nas feridas.

Para começo de conversa, uma questão de proporções. O texto da CNB tem 2.520 palavras. Destas, pelo menos 874 palavras são uma relação de feitos positivos do governo. Como disse o apresentador do texto da CNB e um de seus autores, “eu não consigo não ser governista”. A definição é precisa: no Diretório do PT, há dois tipos de pessoas, há as que defendem o governo e há as governistas. Governistas são aqueles que esquecem que o excesso de velas põe fogo na igreja.

Claro que estamos de acordo em destacar os inestimáveis avanços promovidos pelo governo. Mas sem exageros. Dois exemplos de exagero.

Exemplo 1: o texto da CNB fala o seguinte: “A recente regulamentação da reforma tributária na Câmara, a despeito de correlações de forças majoritariamente desfavoráveis, também representa um grande passo para toda a sociedade na direção de um país mais justo e igualitário”. Isto é um exagero: a reforma tributária em aprovação não é um “grande passo”, assim como a anterior também não foi.

Durante a reunião, na tentativa de responder a esta crítica, duas pessoas da CNB reafirmaram que “dada a correlação de forças, foi um grande avanço”. Suponhamos que isto fosse verdade. Mesmo assim, isso quer dizer que, dada a correlação de forças, tivemos avanços e obviamente tivemos derrotas. Por qual motivo o texto da CNB só fala dos avanços e não fala das derrotas? A resposta está em Ricupero: falar do que é bom e esconder o que é ruim. Os amigos governistas esquecem que Ricupero pôde fazer isso e mesmo assim apenas por algum tempo, basicamente porque tinha a Globo et caterva do seu lado. Nós, que não temos nem Globo nem caterva, somos obrigados a sempre explicar tudo para o povo, não apenas os avanços, mas também as derrotas.

Exemplo 2: o texto da CNB fala que “o salário-mínimo subiu acima da inflação pelo segundo ano, o que já produziu o maior aumento da renda média per capita da história (11,5% em 2023). Do mesmo modo, 87,3% dos reajustes salariais negociados em maio ficaram acima da inflação”. Mesmo que a afirmação fosse exata, ainda assim seria preciso lembrar que o valor do salário-mínimo pós-golpe de 2016 estava tão defasado, que um aumento pode ser ao mesmo tempo estatisticamente imenso, mas pequeno em termos absolutos.

Citando informações disponíveis no site do governo e noutras páginas, se verifica que “o salário-mínimo, que até 30 de abril de 2023 era de R$ 1.302, foi reajustado em 1º de maio para R$ 1.320 mensais”. Portanto, mais 18 reais, O “valor do salário-mínimo em 2024 no Brasil é de RS 1.412,00. Este valor representa um aumento de 7,7% em relação ao salário-mínimo anterior, que era de R$ 1.320,00.” Portanto, 92 reais. “Recentemente, o governo anunciou uma proposta de atualização do salário-mínimo para o ano de 2025, elevando o valor para R$ 1.502”. Portanto, 90 reais.

Durante o debate, um integrante da CNB falou – longe do microfone – que os críticos estavam subestimando a imensa diferença que faz para o povo este valor aparentemente tão pequeno. Os críticos estariam subestimando, também, o efeito multiplicador: um valor pequeno, na mão de muita gente, vira um valor muito grande. Na verdade, o cidadão da CNB que disse isso subestima é a inteligência dos críticos. Primeiro, é óbvio que sabemos do efeito multiplicador. Sabemos tanto, que queremos que o aumento seja maior, para que o efeito multiplicador seja muito maior, inclusive porque temos pressa. Segundo, ao ouvir esse tipo de demagogia, lembro de Lula perguntando, numa reunião do Diretório Nacional, quantas pessoas ali presentes recebiam até dois salários-mínimos. O silêncio que se seguiu a esta pergunta foi quebrado por um comentário jocoso, que alguém fez em voz alta: “tem que perguntar, também, quantos trabalham em empregos normais”. Existe um problema de classe na, digamos, paciência com que alguns setores do DN enfrentam certos debates e situações. A vida relativamente acomodada de alguns, mais uma visão política baseada na ditadura da correlação de forças, explica como percebem certas urgências do povo.

Outra passagem do texto da CNB, criticada no debate, lembra que “87,3% dos reajustes salariais negociados em maio” teriam ficado “acima da inflação”. Foi lembrado aos amigos da CNB que nosso governo teve uma postura diferente ao negociar, como vimos no caso da greve do ensino público federal, quando, em 2024, se chegou a conceder reajuste zero nos salários (embora, às vezes, aumentando benefícios). Aliás, registre-se que o texto da AE elogia a atitude da Comissão Executiva Nacional do PT, no sentido de buscar uma saída negociada e respeitosa para a greve do ensino público federal.

Um dos principais problemas da resolução da CNB é que eles parecem não acreditar que caiba, ao Partido, apontar os graves problemas do governo. Alguns defendem esta tese com uma ênfase que lembra certos comissários dos tempos de Brejnev: aliás, um dos porta-vozes deste ponto de vista estudou mesmo na URSS, neste período. Outros defendem esta tese por razões práticas: consideram que uma crítica vinda do PT, nesse contexto eleitoral e de polarização, pode contribuir com os ataques do inimigo. E pode mesmo, isso deve ser reconhecido e não pode ser minimizado. Mas acontece o seguinte: nosso governo tem problemas. Se o Partido não fala deles, não armamos nossa militância para enfrentar as críticas feitas pelo povo e pela oposição. Os problemas não desaparecem se deixarmos de falar deles. E tampouco desaparecem se exagerarmos nos elogios.

Além disso, cabe perguntar: quando sair o resultado das eleições municipais de 2024, se o resultado for mais negativo que positivo, este resultado vai ser creditado a quê? Aos erros do Partido, que supostamente não teria sabido aproveitar o cenário extremamente positivo criado pelo governo? Ademais, se está tudo tão bem, por que as pesquisas ainda mostram o que mostram??

Verdade seja dita, o texto da CNB não desconhece a existência de problemas, embora não fale deles. O texto diz o seguinte: “A conjuntura aponta, no entanto, que é necessário forçar mais a disputa no âmbito da agenda da reforma tributária”. A “conjuntura aponta” é o jeito dissimulado que o texto encontra para falar de alguns dos problemas. No lugar dessa atitude, propomos reconhecer o óbvio: as pesquisas demonstram que marcamos passo; demonstram que estávamos melhor, em março de 2023, do que estamos hoje; demonstram que – se não fizermos o que deve ser feito, com urgência – o nosso resultado nas eleições 2024 poderá não ser o que gostaríamos e muito menos o que seria necessário.

O texto da CNB reconhece, também, que estamos num momento em que o governo é pressionado “pelo capital financeiro e a mídia corporativa para cortar gastos em cima dos mais pobres”. Frente a isto, o texto da CNB defende várias posições corretas. Mas, ao mesmo tempo, comete duas concessões retóricas à posição do capital financeiro.

 Concessão retórica 1: falar que a equipe econômica do ministro Fernando Haddad “priorizou políticas sociais sem abdicar da responsabilidade com os gastos públicos”.

 Concessão retórica 2: criticar o capital financeiro por colocar “em dúvida a capacidade do governo de manter estável a relação dívida pública/PIB”.

No contexto e na forma, são duas concessões retóricas aos neoliberais. O correto seria explicitarmos que existem duas posturas diferentes em relação ao que seja “responsabilidade com os gastos públicos”. Uma delas, a nossa, não adota o termo “gastos” para falar de políticas sociais e, ademais, exige responsabilidade com o atendimento das necessidades públicas.

O correto seria, também, explicarmos que “manter estável a relação dívida/PIB” significa manter estável a transferência de recursos da população em direção e em favor do setor financeiro. Aliás, esta fórmula – manter estável a relação dívida/PIB – foi uma das péssimas contribuições de Antonio Palocci à famosa “Carta aos brasileiros”, contribuição que ajuda a entender por qual motivo alguns a denominaram de “carta aos banqueiros”.

O texto da CNB faz essas concessões retóricas, entre outros motivos, porque uma parte do governo apoia as demandas do capital financeiro e há petistas que estimulam ou deixam estimular esta postura.

O texto da CNB fala, ademais, que “Campos Neto tornou-se o maior entrave ao crescimento do país”. Pergunta: Campos Neto saindo da presidência do Banco Central, o entrave vai desaparecer? O texto da CNB lembra que, “recentemente, o presidente Lula obteve vitórias importantes ao denunciar os efeitos destrutivos dos juros”. Ocorre que, dentre estas vitórias, não esteve ganhar o apoio dos quatro diretores indicados por Lula. Afinal, na mais recente votação, houve aprovação unânime da manutenção da taxa de juros, apesar das corretas e públicas críticas feitas pelo presidente Lula. Ou seja, os quatro diretores indicados por Lula votaram na mesma posição que Campos Neto, “o maior entrave”. Cabe lembrar, também, que a postura de setores do governo nesse episódio foi a de criticar Lula, ou seja, criticar a crítica feita por Lula aos juros altos.

Para não dizermos que não falamos das flores, vale a pena ler o que diz o texto da CNB sobre as redes sociais. A saber: “As redes sociais não são um campo minado para as esquerdas, como ficou demonstrado nos episódios recentes do PL Antiaborto e a PEC das Praias. Em ambas as disputas, a esquerda envolveu a sociedade e saiu vitoriosa sobre a narrativa mentirosa da extrema-direita. O que ficou demonstrado é que é possível fazer a disputa política e vencer, mesmo diante de uma estrutura criminosa que age à revelia das leis e com a o auxílio das Big Techs”.

Mas, como tudo tem seu lado B, chama a atenção um trecho do texto da CNB que vem logo depois do elogiado: “Diante dos efeitos das fake news no país, o enfrentamento à extrema-direita deve perpassar todas as estratégias da disputa política nas eleições municipais deste ano, inclusive em segmentos e temas espinhosos para o Partido”.

Engana-se quem achar que “temas espinhosos” são aqueles que não foram nem ao menos citados no texto da CNB. A saber: o ensino médio, o agronegócio e a reforma agrária.

Sobre o ensino médio, depois de nossa crítica, um dos líderes do governo falou do assunto. Falou, mas não explicou, pois dizer que “era posição do governo” não é explicação. E, sobre o agronegócio, um dos líderes da CNB disse, fora do microfone, a seguinte frase: “para que mexer com eles?”. Assim fica explicada a falta de menção tanto ao agro quanto à reforma agrária.

E quanto à industrialização, tema obviamente estratégico? Salvo engano, fala-se de indústria uma única vez, referindo-se a “modernizar indústria”. Neste caso, curiosamente, o texto da CNB foi econômico nos elogios.

Mas, como já dissemos, o que a CNB considera como “temas espinhosos” são outros temas. Segundo o texto da CNB, seria “preciso incorporar o discurso de defesa da família, mostrar propostas sobre segurança pública, por exemplo, e ampliar o diálogo com os evangélicos”. Como é óbvio, há diferenças importantes – no Partido – acerca de como abordar estes temas. E algumas declarações e posturas vêm revelando que há, em setores da CNB, uma abordagem conservadora desses temas.

Finalmente, o texto da CNB cita ações positivas adotadas pelo Partido, como preparação para a eleição de 2024. E agrega que o bolsonarismo estaria “sem discurso”. Discordamos disso. Não é exato dizer que o bolsonarismo esteja sem discurso. Tampouco é exato dizer que o extremismo de direita foi derrotado no Reino Unido e na França. Na Pérfida Albion, parte do voto conservador “vazou” em direção à extrema-direita. Já na França, a extrema-direita foi a mais votada, embora tenha ficado em terceiro lugar na eleição de parlamentares.

Além de subestimar a extrema-direita, o texto da CNB não lembra que o neofascismo não é nosso único inimigo. O texto da CNB não fala, mas precisamos lembrar que a direita tradicional também é nossa inimiga. Aliás, no Brasil, tanto a extrema-direita quanto a direita tradicional são neoliberais.

Por isso, aliás, antes de “apoiar enfaticamente a proposta apresentada pelo presidente Lula de buscar construir um movimento internacional de países e partidos do Campo Democrático para barrar os avanços do extremismo direitista mundo afora”, devemos definir quem integra o tal “campo democrático”. Biden e Macron, por exemplo, não fazem parte.

Em seguida à apresentação de todos os textos inscritos, houve um debate no qual falaram 12 pessoas, metade delas da CNB. Ao término do debate, aconteceu a votação. O texto da CNB foi aprovado com 31 votos. Os demais textos, somados, obtiveram 41 votos (incluindo duas abstenções, 11 votos no texto do Movimento PT, nove votos no texto da Resistência Socialista, oito votos no texto conjunto da DS e da MS, seis votos no texto da Avante mais Socialismo em construção, cinco votos no texto da AE). O resultado global (31 x 41) confirmando que a CNB é uma maioria cada vez mais relativa.

No momento em que revisamos este texto, a resolução final DN estava sendo votada no grupo de zap do Diretório Nacional do PT, após ter sido formatada por uma comissão de emendas. O texto final, que está publicado nesta edição de Página 13, mantém os principais defeitos do texto originalmente apresentado pela da CNB. Quem quiser detalhes sobre o debate acerca das emendas, pode escutar a edição de 19 de julho do podcast “Em tempos de guerra, a esperança é vermelha”.

Além deste debate político, o Diretório Nacional do PT votou recursos e resoluções organizativas. Sobre elas, demos um relato ao podcast citado anteriormente. A mais importante destas votações teve um efeito mais prático que simbólico: trata-se de uma resolução segundo a qual as decisões sobre o fundo eleitoral serão tomadas “conjuntamente” pela bancada federal e direção partidária. Embora, em caso de divergência, a decisão final caiba ao Diretório, a resolução faz uma concessão simbólica a um princípio que – aceito – vai destruir o PT. Trata-se do princípio segundo o qual teria sido graças à bancada que conquistamos o fundo eleitoral. A verdade é outra. A bancada não foi trazida por uma cegonha, os parlamentares não se elegem sozinhos, não há bancada sem partido. A defesa feita pela presidenta do Partido e os 54 votos a favor desta resolução (houve 18 votos contrários e uma abstenção) revela que cresce, dentro do PT, a posição dos que defendem um partido parlamentar tradicional.

Como a realidade é mais forte que os desejos, o day after da reunião foi o debate sobre o que fazer frente a uma decisão monocrática de um ministro supremo, decisão segundo a qual, no município onde um partido da federação está irregular, nenhum partido da federação pode lançar candidatura. Não sabemos se esta decisão será mantida ou alterada. Nem sabemos o preço político que será pago por alguma alteração. O que sabemos é que, neste caso da Federação, assim como no caso citado anteriormente, é que nosso Partido paga um preço alto demais toda vez que se adapta ao status quo. O PT – se quiser sendo o PT – não pode se submeter ao estilo Capitão Gancho de fazer política.

Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT.

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Box

No dia 2 de julho, foi enviado ao Diretório Nacional e ao secretário-geral Henrique Fontana a seguinte mensagem:

Prezado Fontana, escrevo para solicitar a inclusão, na pauta do DN de 15 de julho, a proposta de retirar o Washington Quaquá da vice-presidência do PT. Lembro que a pauta da reunião já inclui alterações no DN e na CEN. Portanto, esta que estou propondo é mais uma alteração. Lembro que o número de vice-presidências não é estatutário, motivo pelo qual o DN pode deliberar a respeito (sem falar que este DN tem deliberado sobre temas estatutários…). Lembro, ainda, que as chapas indicam quem integra a CEN e isto não estou propondo alterar (não proponho retirar Quaquá da CEN, proponho tirar ele da vice-presidência). Lembro, por fim, que cabe ao DN indicar quem ocupa os cargos, portanto é legítimo que o DN delibere a respeito. Isto que falei antes diz respeito, digamos assim, a admissibilidade. Ainda sobre isto, lembro que estou propondo isto pela segunda vez e desta vez em tempo hábil, portanto não se argumente que a proposta chegou encima da hora. Finalmente, não se trata de uma questão ética, mas política. Precedente a esse respeito foi dado quando a chapa da CNB achou por bem retirar a Paola do DN, por razões políticas (para que o processo contra ela não afetasse a imagem do Partido, ou algo assim). Se uma chapa pode fazer isso, o DN também pode. Finalmente, quanto ao mérito, trata-se desta vez das reiteradas declarações que Quaquá tem dado em favor dos irmãos Brazão. A mais recente foi em entrevista concedida por Washington Quaquá para a Hildegard Angel. O Brasil 247 divulgou um recorte, que pode ser conferido aqui:

 https://x.com/brasil247/status/1807355674478903575?t=9OWRq2BlHd6rEl0fSffl6g&s=08

 Nele, Quaquá declara ter “certeza absoluta” de que os Brazão não são culpados pela morte de Marielle Franco. Os Brazão podem não ser culpados? Podem. A acusação contra os Brazão pode estar sendo utilizada para desviar a atenção dos verdadeiros culpados? Pode. Portanto, Quaquá pode estar certo? Também pode. Ele pode estar certo acerca do envolvimento da família cavernicola? Com certeza pode. Mas nada disso explica a defesa que Quaquá faz dos Brazão, cujo protuário é público, notório e indefensável. Neste particular, a postura pública de Quaquá afeta negativamente o Partido ao qual pertencemos. Registro, ainda, que “certeza absoluta” acerca de quem foi o mandante do assassinato de Marielle só tem ou quem foi o mandante, ou quem tem provas “absolutas” sobre quem foi o mandante. Portanto, a ênfase “absoluta” de Quaquá neste caso revela ou que ele sabe muito mais do que diz, ou bazófia de fanfarrão. Seja como for, ao se expor na defesa de dois bandidos contumazes, Quaquá passa a impressão ou de que perdeu qualquer parâmetro, ou de que deve algo, ou de que teme o que ambos possam fazer e dizer, ou que sua tática de disputar o voto do bolsonarismo o está levando longe demais. Aliás, nenhuma das hipóteses é contraditória com as demais. Seja como for, repito que sua conduta afeta negativamente o PT. Por conta disso, mais uma vez apresento, ao Diretório Nacional do Partido, a proposta de que ele seja pelo menos afastado da vice-presidência. Ele poderá continuar falando o que fala, mas não na condição de vice-presidente do Partido. Tenho a “absoluta certeza” de que não dá para assistir calado defesa tão apaixonada dos Brazão, independente do que fizeram ou deixaram de fazer no caso Marielle.

Atenciosamente, saudações petistas, Valter Pomar, 2/7/2024

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Segue resolução aprovada pelo Diretório Nacional, em votação realizada no dia 19 de julho, no grupo de zap do DN, com 49 votos a favor.

Resolução do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores

Passados 18 meses deste terceiro mandato do presidente Lula, o país passa por um processo de consolidação de políticas voltadas à reconstrução do país e recuperação de direitos e de soberania. Após o golpe de 2016 e sucessivos ataques do neoliberalismo e da extrema direita aos direitos da população, o Brasil retomou o caminho do desenvolvimento soberano, ao mesmo tempo em que se reposicionou no cenário da geopolítica global, hoje em grande ebulição e mudanças profundas.

Apoiamos enfaticamente a proposta apresentada pelo presidente Lula de buscar construir um movimento internacional de países e partidos do Campo Democrático para barrar os avanços do extremismo direitista mundo afora, bem como a agenda de construção de consensos da nossa diplomacia, na direção de um mundo mais multipolar.

Destacamos que a defesa da democracia só terá êxito se combinada com a luta contra o neoliberalismo e com a defesa da soberania nacional, parâmetros que também são definidores acerca de quem de fato integra o campo democrático.

O cenário ainda se mostra desafiador para o campo progressista, ante a escalada da extrema direita no Brasil e no mundo. Cabe, contudo, destacar, no âmbito regional, os inestimáveis avanços promovidos pelo governo em prol da melhoria da qualidade de vida da nossa população, conquistas que começaram antes mesmo da posse de Lula, com a PEC da Transição, no fim de 2022.

De lá para cá, os resultados no campo social são mais do que palpáveis, em uma demonstração inequívoca dos acertos de Lula e da equipe econômica do ministro Fernando Haddad, que priorizou políticas sociais sem abdicar da responsabilidade com as contas públicas:

–     O salário mínimo subiu acima da inflação pelo segundo ano, o que já produziu um importante aumento da renda média per capita (11,5% em 2023). Na mesma direção, 87,3% dos reajustes salariais negociados em maio ficaram acima da inflação;

–     Após bater a casa dos dois dígitos em 2022, a inflação segue sob controle, dentro da margem de tolerância da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (até 4,5%), na casa dos 4%. Em junho, o IPCA  desacelerou para todas as faixas de renda. Em 12 meses, o menor índice foi entre as famílias de baixa renda (3,66%);

–     O país tem a menor taxa de desemprego em 10 anos (7,1%) e um recorde de pessoas empregadas: 101, 3 milhões. Mais de 2,5 milhões de novos empregos foram criados em 18 meses, evidenciado a recuperação do mercado por Lula após a era da precarização de Paulo Guedes;

–     O tenebroso inverno de filas do osso na porta dos açougues de todo o país, formadas por 33 milhões de famintos gerados por Bolsonaro, tem sido, progressivamente, deixado para trás. Em 18 meses, 24 milhões de brasileiros já foram resgatados de quadros ultrajantes de insegurança alimentar;

–     O consumo de carne aumentou, com o aumento do poder aquisitivo da população e a redução em 6,5% dos preços do produto nos últimos 12 meses. Com inflação sob controle e renda e emprego em alta, a população voltou a consumir itens antes negados por Guedes e Bolsonaro: nos últimos 12 meses, cresceu em quase 8% o consumo de produtos ligados à categoria “sabor e prazer”, como chocolates, doces e bebidas;

–     A Lei de Igualdade Salarial, de autoria do governo do presidente Lula,  representa um passo importante na correção de uma injustiça histórica contra as mulheres brasileiras, que recebem salários 22% menores que os homens. Após um ano de sua aprovação, os primeiros Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios mostram que a lei representa um forte avanço para o combate às desigualdades e o fortalecimento do tema nas negociações coletivas;

–     A Nova Lei de Cotas, uma conquista histórica das gestões do PT para o nosso povo, acaba de completar dez anos com mudanças importantes no serviço público: ampliação de 20% para 30% da reserva de vagas em concursos públicos e nos processos seletivos simplificados, além da inclusão das populações indígenas e quilombolas;

–     Tivemos recordes de beneficiários do Bolsa Família (21 milhões de famílias em junho de 2024);

–     Outro recorde foi o de profissionais do Mais Médicos (25.400 em 2023, mais do que o dobro do ano anterior);

–     Os recursos para a merenda escolar cresceram 39% em 2023, beneficiando alunos matriculados no ensino básico da rede pública, além de indígenas e quilombolas, crianças na pré-escola e em creches e estudantes em escolas de tempo integral. A escola em tempo integral, indispensável para a estratégia de desenvolvimento do país, terá investimentos de R$ 12 bilhões até 2026;

–     O país acaba de testemunhar, no início deste mês, o maior Plano Safra da história. São mais de R$ 476 bilhões em diversas linhas de crédito acessível e com melhores condições, especialmente para o agricultor familiar;

–     O programa Pé de Meia, ação de  incentivo financeiro-educacional de R$ 200 para estudantes matriculados no ensino médio público, e que são beneficiários do Bolsa Família, já atraiu mais de 2,5 milhões de estudantes até abril. O programa, fundamental para manter nossos estudantes comprometidos com seu processo de formação na rede pública, já garantiu o pagamento de quatro parcelas até o fim de junho;

–     Além disso, o governo garantiu a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até dois salários mínimos por mês (R$ 2.824) a partir de 2025, beneficiando 15 milhões de brasileiros.

Do ponto de vista da economia popular e do crescimento do PIB, o Brasil surpreende positivamente:

–     O PIB segue em constante revisão para cima, atualmente com projeções que apontam um patamar de 2,5% de crescimento em 2024;

–     Voltamos a figurar entre as 10 maiores economias do mundo, com o FMI projetando a oitava posição para o Brasil em 2024;

–     Seguimos batendo recorde de exportações, com 165 novos mercados abertos para os produtos nacionais desde o início do mandato do presidente Lula;

–     Com efeito, a despeito de uma inaceitável taxa de juros (10,5%), nossa produção industrial cresceu mais do que a média mundial. Em 12 meses, o país ascendeu 23 posições em um ranking de 116 países que mede a atividade e hoje ocupa o 45º lugar;

–     O país abriu, entre janeiro e junho, 1,43 milhão de pequenos negócios;

–     O Desenrola Brasil permitiu que cerca de 15 milhões de pessoas fossem beneficiadas com a negociação de R$ 53,2 bilhões em dívidas, reduzindo a inadimplência entre a população que mais precisa. Já o Desenrola Pequenos Negócios permitiu um volume financeiro renegociado de mais de R$ 2,1 bilhões até 30 de junho;

–     A venda de eletrônicos, eletrodomésticos e portáteis bateu um recorde no 1º semestre de 2024, com um volume superior a 51,5 milhões de unidades comercializadas.

Todos esses dados comprovam a decisão acertada de Lula de recuperar, por meio de uma série de programas e ações, a dignidade do povo brasileiro, perdida após anos de desmonte da máquina pública, no projeto ultraneoliberal operado por Bolsonaro. Não é pouca coisa, dadas as condições políticas em que se deu nossa vitória eleitoral e a composição do Congresso Nacional.

A recente regulamentação da reforma tributária na Câmara, a despeito de correlações de forças majoritariamente desfavoráveis – e dos importantes limites decorrentes do peso de setores empresariais, do agronegócio, de grupos financeiros e da grande mídia -, também representa um passo para toda a sociedade na direção de um país mais justo e igualitário.

A nova cesta básica, que será composta de mais produtos vitais para as famílias de baixa renda, como as carnes, leite e derivados, configura enorme conquista para o povo brasileiro. A conjuntura aponta, no entanto, que é necessário avançar mais na disputa da agenda da reforma tributária.

O Partido dos Trabalhadores entende ser inadiável a reforma na tributação sobre a renda, construindo um novo sistema progressivo onde os super-ricos paguem mais e a população que ganha pouco deixe de ser penalizada por uma injusta carga tributária. A taxação sobre os mais ricos, das aplicações em offshores e das casas de apostas, são exemplos de medidas fundamentais para promover uma inédita e necessária justiça tributária no país.

Nesse sentido, acerta o governo em isentar quem ganha até dois salários mínimos, corrigindo uma distorção antiga e agravada pelo governo anterior. Mas é preciso seguir em frente para garantir a promessa de campanha do presidente Lula de isentar, até 2026, quem ganha até R$ 5 mil.

No momento em que o governo é pressionado pelo capital financeiro e a mídia corporativa para cortar gastos em cima dos mais pobres, é imperioso que o Partido dos Trabalhadores amplifique a firme defesa dos pisos constitucionais da saúde e da educação, recuperados após a superação do famigerado Teto de Gastos, e da vinculação do salário mínimo para pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Os benefícios, concedidos a idosos e deficientes de baixa renda, garantem recursos essenciais às famílias e são fundamentais ao funcionamento da economia popular.

A política de valorização do salário mínimo, e suas vinculações, é uma marca histórica dos governos do PT e deve ser defendida em todas as esferas do debate econômico nacional. O piso mínimo é um farol referencial para todo o mercado de trabalho.

Do mesmo modo, o país não pode abrir mão de discutir a desoneração da folha de pagamento, que perpetua um sistema que isenta, em bilhões de reais, setores poderosos do país, em detrimento da população mais vulnerável.

Assim como merece uma discussão profunda na sociedade a Medida Provisória nº 1227/2024 , chamada de MP do Fim do Mundo, que limita e corrige distorções na compensação de créditos tributários e de créditos presumidos da contribuição para o PIS/PASEP e a Cofins.

Ao lado da extrema direita, o capital financeiro tem intensificado suas manobras para enfraquecer a agenda de defesa dos direitos sociais de Lula. Distorcem falas do presidente e semeiam falácias para alimentar movimentos especulativos com a moeda e os juros, em prejuízo do país.

Nesse sentido, cabe ao partido manter a pressão por juros mais baixos. O bolsonarista Roberto Campos Neto tem utilizado a presidência do Banco Central como um bunker para sabotar a economia do país e uma plataforma de articulação político-partidária. Por meio de projeções notoriamente exageradas e especulativas no Boletim Focus, por sinalizações indevidas ao mercado e por declarações totalmente descabidas para a autoridade monetária, Campos Neto e seus juros estratosféricos tornaram-se o maior entrave ao crescimento do país.

Recentemente, o presidente Lula fez contundente denúncia sobre os efeitos destrutivos dos juros sobre o poder de compra das famílias. Por causa das entrevistas do presidente para emissoras de rádio nas últimas semanas, mais e mais pessoas começam a entender como a taxa Selic interfere na organização das suas finanças pessoais, o que foi percebido em pesquisas que registram amplo apoio da sociedade às manifestações de Lula.

É dever do partido respaldar o presidente, chamando o governo a um maior engajamento nessa batalha e a amplificar a comunicação em temas caros ao campo progressista na disputa política nas ruas e nas redes. Ao mesmo tempo, o governo também deve ampliar o alcance dos seus canais de interlocução com a sociedade, envolvendo todos os ministros na divulgação de ações estratégicas que precisam chegar à população, e não apenas pela voz do presidente Lula. O governo precisa informar à sociedade todas as suas políticas e ações, de forma sistemática, por todos os meios disponíveis.

A participação popular, que desde a origem do PT está presente no modo de petista de governar, é insubstituível para fazer com que o programa avance e tenha a marca do povo. Seu desenvolvimento ainda está nos passos iniciais e precisa ser acelerado.

Tendo em vista o profundo desmonte do Estado brasileiro na gestão de Bolsonaro, a integração de ações estruturantes de pastas estratégicas para o desenvolvimento soberano do país, no âmbito da gestão de nosso governo, deve ser intensificada no próximo período.

É preciso enfrentar a destruição do planeta e a crise climática. O capitalismo, especialmente em sua variante neoliberal, é intensamente predatório ao meio ambiente. A superação desse modelo, portanto, é fundamental para a defesa da civilização e dos direitos da maioria da população da terra. O PT deve estar no centro de um projeto global de nova economia que alia igualdade, equidade, desenvolvimento e sustentabilidade.

Um exemplo muito positivo na percepção da sociedade sobre o trabalho do governo federal é o caso da crise ambiental no Rio Grande do Sul. Com a sobriedade exigida pela situação, governo agiu rapidamente, mobilizando todos os ministérios e recursos disponíveis para socorrer o estado e ajudar na sua reconstrução. A seriedade da atuação da gestão federal, que transferiu bilhões de reais para múltiplas ações de socorro imediato ao Sul, foi captada pela população de todo o país.

Nunca um governo foi tão eficiente e presente para apoiar a população e a economia da região. A intervenção, a partir de agora, deve ser marcada pelo processo de reconstrução e restauração do dinamismo da economia do estado. Contudo, é preciso que o governo Lula, com o apoio dedicado das universidades e da sociedade civil, construa um novo modelo de desenvolvimento baseado na cooperação entre economia, ciência, planejamento no uso do solo, sustentabilidade ambiental e combate às desigualdades.

Também cabe ressaltar que esse resultado positivo – inclusive pelos sinais recentes de retomada da economia no Rio Grande do Sul, – ocorreu em meio à frenética atuação da extrema direita, que tentou lucrar politicamente com a tragédia do povo gaúcho, espalhando mentiras nas redes sociais que prejudicaram, inclusive, o socorro à população.

As redes sociais não são um campo minado para as esquerdas, como ficou demonstrado nos episódios recentes do PL do Estuprador e da PEC das Praias. Em ambas as disputas, a esquerda e a sociedade saíram vitoriosas sobre a narrativa mentirosa da extrema direita. O que ficou demonstrado é que é possível fazer a disputa política e vencer, mesmo diante de uma estrutura criminosa que age à revelia das leis e com a cumplicidade das Big Techs.

Por isso, o partido deve provocar com urgência o debate sobre a regulamentação dos grandes conglomerados digitais, que lucram bilhões de dólares com a desinformação e a disseminação de mensagens de grupos de extrema direita no Brasil e no mundo. Mais do que nunca é necessário que a sociedade cobre do Congresso Nacional a sua responsabilidade nessa discussão, que não pode ser submetida a conveniências ou disputas de poder dentro da Câmara ou do Senado. Sobretudo após a disseminação da inteligência artificial, cujos impactos sobre as sociedades ainda nem começaram a ser mensurados.

É necessário que nosso governo lidere um diálogo amplo com sociedade civil, especialistas e o Congresso para regulamentação do uso das redes sociais e da inteligência artificial. Não é possível que empresas milionárias sigam lucrando com mentiras, desinformação e fake news que geram violências, ameaças às escolas, à vida de crianças, mulheres, negros e negras e contra as instituições democráticas. Além da regulação de conteúdos, é igualmente urgente a tributação das grandes plataformas de redes digitais, que escapam da taxação recorrendo a paraísos fiscais. Com esses tributos, poderemos realizar um grande programa de inclusão digital no Brasil.

O enfrentamento à extrema direita deve perpassar todas as estratégias da disputa política nas eleições municipais deste ano, inclusive em temas tradicionalmente manipulados pelo adversário, como a segurança pública, a religiosidade, entre outros.

Ao mesmo tempo em que destacamos as tarefas dos petistas que estão no governo, ressaltamos as tarefas do próprio partido. Defendemos o governo Lula e apontamos o que precisa mudar. Por isso, é necessário travar a disputa política e ideológica, a partir dos governos, das bancadas e lideranças partidárias. Fazer a campanha das candidaturas petistas e do campo popular, enfrentando a extrema direita e todos os que defendem o neoliberalismo. Organizando e mobilizando a sociedade, sempre respeitando nossa diretriz, que defende a autonomia dos movimentos frente a partidos e governos. Nesse espírito, destacamos a adequada postura da Comissão Executiva Nacional do PT e das lideranças parlamentares petistas, que buscaram construir uma saída negociada e respeitosa para a greve dos trabalhadores e trabalhadoras do ensino superior público.

O partido deve lutar para ampliar a sua base nos municípios e preparar o terreno para a disputa de 2026. Nesse sentido, a Conferência Eleitoral de 2023 fortaleceu estratégias importantes para a formação das candidaturas do PT no pleito deste ano. Cabe frisar a nossa prioridade em fortalecer candidaturas nas capitais e cidades com mais de cem mil eleitores, com o GTE dialogando com a Federação Brasil da Esperança na construção de candidaturas vitoriosas da legenda e de aliados nas capitais e principais cidades do país.

Nas eleições municipais, não apenas devemos lutar para aumentar nossa representação nas Câmaras Municipais, fortalecendo, na nossa representação, a diversidade do povo brasileiro: mulheres, negros, indígenas, pessoas LGBT, trabalhadores e trabalhadoras das camadas historicamente excluídas da política nacional.

Devemos também lutar para derrotar o bolsonarismo, visto que essa é a batalha central  hoje na política nacional, principalmente nas eleições de 2026. Nesse sentido, temos que fortalecer os candidatos do campo democrático onde for possível no primeiro turno mas, principalmente, no segundo turno.

Para isso, o PT investiu na realização de seminários, como o de Finanças, cursos de formação, e na área de comunicação, sobretudo digital. Por meio do fortalecimento de suas ferramentas de comunicação, a Casa 13 foi reestruturada. As cartilhas elaboradas pela Fundação Perseu Abramo (FPA), com contribuições aos programas de governo municipais dos candidatos do partido, também têm sido essenciais para a disputa política.

Todos esses instrumentos serão fundamentais para barrar o bolsonarismo e o discurso de ódio e desinformação da extrema direita em outubro, ao lado de um participação mais efetiva das lideranças e ministros do partido, bem como do presidente Lula, em uma agenda nacional de eventos municipais.

Os desdobramentos dos escândalos envolvendo Bolsonaro e sua família, como o desvio das joias e a espionagem da Abin em seu desgoverno, empurram o bolsonarismo para a defensiva, mas isso nem de longe recomenda baixar a guarda diante do adversário. Na falta de argumentos políticos e diante dos avanços na economia popular, a extrema direita recorrerá cada vez mais fortemente à mentira e à manipulação da assim chamada pauta de costumes que é, na realidade, a pauta do ódio, da discriminação e do preconceito.

No cenário internacional, o Partido dos Trabalhadores condena veementemente o genocídio promovido por Israel sobre o povo palestino. Por isso, apoiamos os pedidos do presidente Lula por um cessar-fogo imediato na região.

De acordo com a revista médica Lancet, a fúria assassina de Netanyahu já causou 186 mil mortes em Gaza, 8% da população pré-bélica, número que deve crescer, dado o nível apocalíptico de destruição: hospitais em escombros, pomares e campos reduzidos a pó, recursos hídricos contaminados; lixo e detritos em uma faixa de terra hiperpoluída; 20 milhões de órfãos e meio milhão de pessoas deixadas para morrer de fome com o bloqueio da ajuda humanitária.

O partido também repudia a decisão do Parlamento de Israel, o Knesset, de se proferir contra a criação do Estado palestino, uma vez que o Brasil e outros 142 países membros da ONU reconhecem o território palestino como Estado soberano. Em maio, Espanha, Noruega e Irlanda também anunciaram que reconhecem a Palestina como um Estado independente.

As recentes derrotas eleitorais do extremismo de direita no Reino Unido e na França, assim como no México, trazem lições valiosas ao campo progressista latino-americano: o enfrentamento político, amparado por uma ampla articulação em defesa da democracia, deve ser o único caminho para a libertação das minorias.

É dever do Partido dos Trabalhadores fazer este enfrentamento, sempre mantendo seus canais de interlocução com a militância para ampliar nossa base de organização popular, por meio da defesa de políticas públicas essenciais à cidadania e da economia popular. Só assim será possível construir os alicerces de um novo Brasil, melhor, mais democrático e mais justo.

VIVA O POVO BRASILEIRO! VIVA O PARTIDO DOS TRABALHADORES!

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