Resistência palestina: substantivo feminino

Por Suelen Aires Gonçalves (*)

Solidariedade ao povo palestino é, antes de mais nada, solidariedade à humanidade. O povo palestino, em especial as mulheres e meninas palestinas, têm resistido historicamente à segregação e à morte perpetrada pela violência racista e colonial conduzida pela aliança militar do Estado sionista de Israel com as potências ocidentais. Nos últimos meses, a ofensiva militar de Israel não tem poupado alvos, nem vidas civis. Atacando desde hospitais, centros de saúde, campus de refugiados, estruturas de água e de alimentação, a ofensiva tem obrigado um deslocamento forçado, progressivo e sistemático de milhares de palestinos e palestinas desde o norte até o sul da Faixa de Gaza[1].

Está flagrante, como apresentou a ação da África do Sul à Corte Internacional de Justiça, o genocídio em marcha, isto é, a intenção em destruir total ou parcialmente o povo palestino[2] e de impedir e inviabilizar a existência de um Estado palestino livre e soberano[3]. Ao longo destes últimos meses, inclusive, as autoridades sionistas têm acumulado manifestações públicas de defesa do massacre de civis palestinos e a destruição e interrupção das estruturas de abastecimento e envio de alimentos e água[4] à Faixa de Gaza.

A resistência como substantivo feminino é uma constante, pois, historicamente, as mulheres palestinas resistiram e resistem. O extermínio dos homens palestinos foi, em um período, uma parcela do projeto colonial e, hoje, atualiza-se com um ataque direcionado às mulheres e crianças, em um nítido projeto de extermínio de um povo, atacando diretamente as taxas de fecundidade e natalidade. Constitui-se em um projeto necropolítico, como salientou nosso ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida[5].

O processo de limpeza étnica, os inúmeros massacres e o apartheid também se configuram como parte de um sistema patriarcal, colonialista e de crimes contra a humanidade. As mulheres palestinas continuam resistindo de todas as formas contra a ocupação por inúmeras décadas. Ataques à dignidade humana e acesso a bens básicos para a sobrevivência humana, como o acesso a água, são retirados com a contaminação das águas pelos ataques de Israel, bem como a segregação vigente em relação ao território da Cisjordânia.

A ofensiva militar na Faixa de Gaza é expressão trágica e solar de que os moinhos do colonialismo e do imperialismo seguem girando a roda do capital. O peso desta máquina de guerra recai de forma singular sobre as mulheres, disseminando a violência baseada em gênero, como o estupro, e outras formas de violação dos direitos humanos das mulheres.

Porém, essa mesma terra entranhada de disputas também se torna uma trincheira da resistência protagonizada por mulheres. Elas reivindicaram historicamente o direito de retorno ao território, além do direito à soberania e acesso às terras. As mulheres palestinas do campo constituem uma vanguarda no cultivo e no trabalho braçal na função agrícola. Segundo relatos das pesquisadoras, as mulheres palestinas buscam construir sua produção na base de uma agricultura sem veneno. A proteção da terra é verificada na priorização de fertilizantes naturais, bem como com a preservação de sementes nativas em detrimento da transgenia. A luta pela terra atravessa gerações e, para além da produção agrícola com vistas à produção de alimentos, existe concomitantemente à luta pela recuperação das terras ocupadas pelo colonialismo.

Neste março de 2024, a luta das mulheres palestinas contra a colonização violenta deve servir de inspiração para os movimentos de mulheres e feministas pelo mundo e, em especial, aos movimentos de mulheres e feministas do Brasil. A luta pela dignidade humana, pela terra, pelo trabalho digno e pela soberania do seu povo é uma constante e necessita ser louvada. A máxima de que a luta feminista necessariamente precisa ser antipatriarcal e anticolonial torna-se reeditada pela luta das mulheres palestinas na contemporaneidade. Inspiradas nesta luta histórica, exigimos o respeito aos tratados internacionais de Direitos Humanos, em diálogo com as resoluções da ONU, incluindo o direito à terra para o retorno de todos os palestinos e palestinas refugiados espalhados pelo mundo, e que possamos impor sanções ao governo de Israel pelos crimes cometidos nestes mais de 75 anos.

Exigimos o cessar fogo já, com o fim dos bombardeios contra o povo e o território palestino.

Palestina livre e soberana já!

Verão de 2024.

 (*) Suelen Aires Gonçalves é feminista antirracista e socióloga.


[1] Hartmann, Arturo (2024). Processo da África do Sul contra Israel por genocídio em Gaza começa nesta quinta; situação é inédita. 10 de janeiro. Opera Mundi. https://operamundi.uol.com.br/guerra-israel-x-palestina/84917/processo-da-africa-do-sul-contra-israel-por-genocidio-em-gaza-comeca-nesta-quinta-situacao-e-inedita

[2] G1 (2024). Governo israelense rejeita acusação de genocídio e acusa África do Sul de defender o Hamas. Jornal Nacional. 11 de janeiro.

[3] Durão, Rodrigo (2024). EUA rejeitam plano de Netanyahu de reocupar Gaza; para analista, seria o fim da ideia de uma Palestina livre. 23 de fevereiro. Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2024/02/23/eua-rejeitam-plano-de-netanyahu-de-reocupar-gaza-para-analista-seria-o-fim-da-ideia-de-uma-palestina-livre

[4] Ver Uol (2024). ‘Estou orgulhosa das ruínas em Gaza’, diz ministra de Igualdade de Israel. 21 de fevereiro. https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/02/21/estou-orgulhosa-das-ruinas-em-gaza-diz-ministra-da-igualdade-de-israel.htm; e AlJazeera (2023). Palestinians in Gaza can go to ‘tent cities’: Former Israeli minister. 15 de outubro. https://www.aljazeera.com/news/2023/10/15/palestinians-in-gaza-can-go-to-tent-cities-former-israeli-minister

[5]  Ver X, antigo Twitter (2024) : Declaração do Ministro Silvio Almeida em  22 de fevereiro.

<https://twitter.com/silviolual/status/1759942296378671209?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1759942296378671209%7Ctwgr%5E9aa4b372ad1ddd835326906273f8d8076dc7598d%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.cnnbrasil.com.br%2Fpolitica%2Fgoverno-extremista-de-israel-e-quem-promove-massacre-nao-a-comunidade-judaica-diz-silvio-almeida%2F>

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