Editorial do Página 13 n° 176 Janeiro de 2018
Os golpistas querem impedir que Lula seja candidato à presidência da República. Ao mesmo tempo, os golpistas querem aprovar a contrarreforma da previdência. Além disso, eles estão implementando um pacote de medidas antinacionais, antipopulares e antidemocráticas.
Se os golpistas tiverem êxito, vai aumentar a dependência externa do Brasil; vão piorar ainda mais as condições de vida do povo brasileiro; e vão diminuir muito as liberdades democráticas.
Um símbolo destas liberdades é o fato de que, desde 1989 até 2016, candidaturas defendidas por partidos de esquerda polarizaram as eleições presidenciais e venceram quatro vezes: 2002 e 2006 com Lula, 2010 e 2014 com Dilma.
Até então a esquerda nunca havia conseguido chegar lá. O máximo que tivemos, antes de 2003, foram governos progressistas encabeçados por figuras da elite.
Esta “janela institucional” – inédita na história do Brasil – se abriu porque havia um cenário internacional favorável; e porque convergiram as seguintes variáveis: um movimento sindical forte; um partido político de esquerda com forte enraizamento no povo; uma legislação eleitoral que possibilitava a formação de bancadas parlamentares de esquerda expressivas; uma legislação que permitia que governos de esquerda ampliassem a oferta de políticas públicas; um aparato estatal que permitia induzir em alguma medida os investimentos privados em favor do desenvolvimento; um patamar de crescimento econômico que permitia algum tipo de redistribuição de renda; e uma situação política que forçava as elites a reconhecer a possibilidade das lideranças da esquerda disputar, vencer as eleições presidenciais, tomar posse e governar.
O golpe de 2016 foi um sinal de que as elites não aceitavam mais perder eleições e não aceitariam mais governos encabeçados pela esquerda. E depois do impeachment, a coalizão golpista — composta pelo grande capital, pelos partidos de direita, pela coxinhada, pelo oligopólio da mídia, por setores importantes das forças armadas e do judiciário, e pelos seus aliados internacionais — está destruindo uma a uma as variáveis que mantinham aberta aquela “janela institucional”.
Fizeram a reforma trabalhista e reprimem os movimentos sociais, para quebrar o sindicalismo e a capacidade de mobilização popular. Estão perseguindo e se puderem vão cassar a legenda do PT. Reforçaram as medidas para reduzir a presença parlamentar da esquerda. Adotaram uma PEC que impede, por vinte anos, novos investimentos sociais. Retomaram as privatizações e adotam uma política que provoca recessão econômica. E querem impedir Lula de disputar as eleições presidenciais de 2018.
Importante ressaltar que isto não ocorre apenas no Brasil, nem mesmo na América Latina: é um processo mundial. E reflete algo mais profundo: a brutal resistência do capitalismo contra qualquer reforma.
Portanto, a tentativa de condenar Lula não é um detalhe. Trata-se do coroamento de uma operação, através da qual a coalizão golpista, expressando os interesses da classe dominante, busca fechar completamente a “janela institucional” entreaberta em 1989, mantida aberta nos anos 1990 e finalmente escancarada em 2002.
O “fechamento da janela” tem como objetivo causar prejuízos e derrotas ainda maiores para a classe trabalhadora.
A luta por manter aberta a “janela” não começou agora e não vai se encerrar no dia 24 de janeiro de 2018. Embora esta luta se concentre no direito de Lula concorrer às eleições presidenciais de 2018, ela inclui com destaque a luta em defesa da previdência pública e de outros direitos sociais, da Petrobrás e da soberania nacional, do direito de manifestação, mobilização e organização, entre outros.
Entretanto, o que vai acontecer no dia 24 de janeiro tem uma enorme importância. Embora sempre devamos considerar todas as hipóteses – inclusive um adiamento e uma absolvição — tudo indica que o TRF4 vai condenar Lula em segunda instância.
Esta injusta condenação, se ocorrer, não impedirá que o Partido dos Trabalhadores inscreva Lula como candidato à presidência da República. Nem impedirá que o nome de Lula conste entre as alternativas disponíveis ao eleitorado.
Se o Tribunal Superior Eleitoral, o STF e o Superior Tribunal de Justiça desta vez respeitarem a lei, os prazos e a jurisprudência, quando o eleitor for votar para presidente e apertar o número 13 na urna eletrônica, aparecerá a foto e o nome de Lula.
Independente do que faça o poder judiciário, o fundamental é saber como a maioria da população vai julgar a condenação: se foi ou não uma injustiça?
Também é fundamental saber qual a disposição de luta da militância dos setores democráticos e populares: vão aceitar a condenação como algo “normal” ou vão reagir com todas as forças contra mais uma violência?
Esta é a importância do trabalho de esclarecimento da população, da formação dos comitês populares, das atividades de todos os tipos e tamanhos que estão ocorrendo ou convocadas, em todo o Brasil, com destaque para Porto Alegre, São Paulo e demais capitais.
Todo mundo tem que estar na rua, manifestando enfaticamente seu protesto contra a injustiça. Quanto mais gente presente, mais difícil será para os que pedem repressão policial e militar, para os provocadores de direita infiltrados nas manifestações, para os coxinhas que pretendem ir para as ruas.
Este julgamento não faz parte da normalidade democrática. Por isso, as manifestações devem deixar claro que está sendo cometida uma violência sem tamanho contra a democracia, com o objetivo de seguir cometendo outras violências também sem tamanho contra as liberdades democráticas, os direitos sociais e a soberania nacional.
Portanto, as manifestações não podem se deixar intimidar: exerceremos o direito de protestar antes, durante e depois. E os protestos tem o direito de ser proporcionais à violência cometida. Os golpistas pretendem fraudar antecipadamente a eleição de 2018. Logo, temos o direito e o dever de confrontar a fraude com a máxima radicalidade que nos for possível.
Cada cidadão e cada cidadã tem o direito de defender, com suas próprias mãos e por sua própria iniciativa, seu direito à liberdade, à democracia, a uma vida digna e soberana.
E no dia 25 de janeiro, não importa qual seja a decisão do TRF4, o PT vai reafirmar a candidatura de Lula a presidente da República.
Articular a defesa da previdência
Se uma violência for cometida e o povo não reagir, abre-se o caminho para novas violências.
Por isso o dia 24 de janeiro é o começo de uma jornada que inclui o dia 19 de fevereiro, para quando está marcada a votação da reforma da previdência.
O carnaval será uma grande oportunidade de manifestar publicamente nossas posições. O aniversário do PT, dia 10 de fevereiro de 2018, também deve ser pensado nesse contexto de mobilização nacional. Convergindo para uma greve geral quando da votação da reforma da previdência.
Nesse sentido, a capacidade dos comitês populares se enraizarem e mobilizar os locais de trabalho, estudo, moradia será fundamental. PT, CUT e Frente Brasil Popular devem concentrar seus maiores esforços em massificar a implantação e funcionamento destes comitês.
Os tempos e situações são diferentes, mas vale a comparação com os cerca de 2 milhões de pessoas que se engajaram na campanha Lula em 1989.
Não há “plano B”
Para que ocorram eleições em 2018, para que Lula possa concorrer, para que Lula possa vencer as eleições, tomar posse e governar, tudo dependerá da unidade popular, das esquerdas, dos que lutaram contra o golpe.
Claro que existem diferenças entre os golpistas, inclusive várias pré-candidaturas. Entretanto, eles não deixarão que estas diferenças coloquem em risco seus interesses fundamentais.
O golpismo será derrotado, agora ou depois, nas urnas ou nas ruas. Mas a única chance de derrotar o golpismo no curto prazo é elegendo Lula em 2018.
Por isso, é do interesse de toda a esquerda, não apenas do PT, a unidade em torno do direito democrático de Lula ser candidato. E defendemos que esta unidade se construa também em torno da candidatura Lula à presidência da República.
Em qualquer cenário o PT manterá a candidatura Lula. Entre outros motivos porque uma eventual candidatura alternativa à Lula, petista ou de outro partido, não conseguiria vencer as eleições, mas provavelmente acabaria servindo para dar um ar de “legitimidade” para uma eleição fraudulenta que ao fim e ao cabo seria “vencida” por um golpista. E um governo golpista “legitimado” teria, então, melhores condições de aplicar um programa antidemocrático, antipopular e antinacional. Por tudo isto, o PT não cairá no erro de adotar uma tática eleitoral que suponha ou considere lançar outra candidatura, um “plano B” alternativo a Lula.
Portanto, mesmo que ocorra mais uma ilegalidade judicial, Lula deve ser o candidato das esquerdas em 2018. Esta é a única opção coerente com o tipo de enfrentamento indispensável para derrotar os golpistas.
O que fazer se a “janela” fechar?
Parcela do golpismo está analisando outras alternativas: adiamento das eleições, parlamentarismo, presidencialismo mitigado e inclusive golpe militar, alternativa que nunca foi nem será descartada pela direita.
Caso estas alternativas vinguem, a esquerda poderá ter que adotar novas táticas, estratégias e novos padrões de funcionamento e organização, tanto interna quanto na relação com a classe trabalhadora. Mas não devemos gastar tempo neste momento discutindo o que fazer se “tudo der errado”. O momento é de lutar com toda energia para garantir as eleições, a candidatura Lula e nossa vitória em 2018.
Nosso primeiro obstáculo nesta luta consiste em que, apesar de tudo o que ocorreu desde 2014, parte da esquerda brasileira ainda não se deu conta do que está em jogo.
É o caso daqueles que seguem acreditando que, ao final, prevalecerá o “estado de direito”; seguem apostando em alianças com golpistas supostamente arrependidos; seguem confiando que setores do grande capital vão se deixar seduzir por nosso discurso em defesa do mercado interno de massas e do desenvolvimento industrial; seguem incapazes de reconhecer os erros cometidos nos últimos anos, a começar pela política econômica adotada em 2015, chegando até mesmo a falar em lançar uma nova “carta aos Brasileiros”, como se 2018 fosse parecido com 2002 e como se a política de conciliação com o capital financeiro, proposta por aquela Carta, não tivesse sido desautorizada pelos fatos.
Por outro lado, na esquerda crítica ou até contrária ao petismo, há setores que acreditam que a destruição do PT e a interdição de Lula podem abrir espaço para o crescimento eleitoral de uma “nova esquerda”, supostamente melhor e mais combativa do que o PT. Estes setores não percebem que a classe dominante não pretende apenas tirar o PT da janela; ela quer fechar a janela entreaberta em 1989.
Da nossa parte, só podemos alertar: se fechar a janela, o tempo vai esquentar.