Sem anistia!

Por Jandyra Uehara e Karen Silveira (*)

No domingo, 25 de fevereiro de 2024, a extrema-direita fez uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo capital. A manifestação foi convocada pelo cavernícola e contou com a presença de quatro governadores estaduais (Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, do Republicanos; Romeu Zema, governador de Minas Gerais, do Partido Novo; Ronaldo Caiado, governador de Goiás, do União Brasil; e Jorginho Mello, governador de Santa Catarina, do Partido Liberal). Também estiveram presentes diversos senadores, deputados federais, deputados estaduais e prefeitos de todo o Brasil, inclusive o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Os que estiveram presentes explicitam sua cumplicidade política com o golpismo.

Não existe uma estimativa precisa em relação ao número de pessoas que assistiram ao ato, em alguns casos vindas de caravanas de outras cidades e, inclusive, de outros estados. Mas não deve haver dúvida de que o número de pessoas foi muito significativo, demonstrando que a extrema-direita em geral e o cavernícola em particular mantém grande capacidade de mobilização. Qualquer subestimação deste fato constituiria um erro fatal.

É necessário analisar com toda a atenção o conjunto da manifestação e suas implicações políticas, tomando como ponto de partida os discursos ali proferidos. Dentre estes, destaca-se o do cavernícola. Numa fala que começou e terminou com referências religiosas, o cavernícola fez um retrospecto de sua trajetória pessoal e política; disse que as eleições de 2022 devem ser consideradas “uma página virada na nossa história”, ao mesmo tempo que reafirmou implicitamente sua crítica ao processo eleitoral; explicitou que o objetivo da manifestação de 25 de fevereiro era oferecer uma “fotografia para o mundo”, sugerindo que só ele teria o povo ao seu lado; apresentou seu credo ideológico (“não queremos o socialismo para o nosso Brasil”, “não podemos admitir o comunismo em nosso meio”, “não queremos ideologia de gênero para nossos filhos”, “respeito à propriedade privada”, “direito à defesa da própria vida”, “respeito à vida desde a sua concepção”, “não queremos a liberação das drogas em nosso país”); se afirmou alguém perseguido desde antes de 2018; tentou ridicularizar as denúncias que ele responde na justiça; formulou uma “narrativa” acerca do golpe; e defendeu uma anistia para os golpistas, incluindo aí o direito dele próprio disputar eleições.

Acerca do golpe, o cavernícola disse que “golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração”. E, acerca da minuta golpista, agregou a seguinte “explicação”: segundo ele, o estado de sítio e o estado de defesa exigiriam a convocação de conselhos, que não foram convocados; e exigiriam, também, que o parlamento tomasse a decisão final. Portanto, nas palavras do cavernícola, não faria sentido falar que estaria em gestação um “golpe usando dispositivo da constituição, cuja palavra final quem dá é o parlamento”.

Acerca da anistia, o cavernícola deixou uma ameaça implícita (“tem gente que sabe o que eu falaria”), mas enfatizou que busca “a pacificação, é passar uma borracha no passado, é buscar maneira de nós vivermos em paz, é não continuarmos sobressaltados, é uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília”.

Em defesa do que ele denomina “conciliação”, disse que “nós já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil”, afirmação que aliás é verdadeira, uma vez que a anistia decretada pela ditadura militar realmente beneficiou torturadores, assassinos, estupradores e ocultadores de cadáveres, sem que nenhum desses criminosos tivesse sido previamente julgado ou condenado.

O pedido de um “projeto de anistia” foi direcionado, pelo cavernícola, aos 513 deputados e aos 81 senadores. Ressalvando que, “quem porventura depredou o patrimônio, que pague”.

O discurso do cavernícola incluiu um pedido para “caprichar no voto” nas eleições municipais, “em especial para vereadores”. Fazendo várias referências ao governador Tarcísio, à Polícia Militar, Civil e à “guarda metropolitana do Ricardo Nunes”, o cavernícola disse que “não podemos ganhar eleições afastando os opositores do cenário político”, omitindo que foi exatamente isto que fizeram, em 2018, em benefício da extrema-direita e dele próprio.

O discurso do cavernícola terminou com referências à importância de uma “família estruturada” e à boa lembrança que ele tem do seu próprio pai, apesar de “toda a sua truculência”. Tirante estas e outras passagens, que revelam as taras e a dissonância cognitiva típicas da extrema-direita, bem como o lugar central que a luta ideológica tem para a direita – e que também deveria ter, para a esquerda – o politicamente relevante é que o cavernícola está propondo um acordo.

É fundamental que todos os que defendem a democracia, a começar pela esquerda, respondam imediatamente. E a resposta deve ser: não! Nem borracha no passado, nem anistia, nem elegibilidade!

Os fatos são: o ex-presidente da República articulou diretamente um conjunto de iniciativas que pretendiam fraudar o resultado das eleições 2022. Estas iniciativas, desde as ocorridas antes da eleição, até a intentona golpista de 8 de janeiro, não tiveram êxito. Mas, mesmo frustradas, o conjunto destas iniciativas constitui, em si mesmo, um crime.  E os criminosos, desde os participantes diretos de 8 de janeiro, os financiadores, os que acobertaram, os que instigaram, os que planejaram e os que seriam beneficiários da intentona golpista, a começar pelo cavernícola, devem ser julgados, condenados e presos. Sem borracha no passado: não há justiça, sem memória! Sem anistia! Bolsonaro deve ser julgado, condenado, preso e seguir inelegível!

É fundamental que o presidente Lula, associado ao conjunto das forças políticas democráticas e de esquerda, convoquem um ato público em defesa do povo e da democracia. As liberdades democráticas correm risco, quando é a direita quem ocupa as ruas! Ao lado de manifestações populares, precisamos dar cada vez mais conteúdo popular ao governo, pois uma das maneiras mais consistentes de enfrentar a extrema direita é melhorando substancialmente a vida do povo.

Se não houver pressão popular de esquerda, cresce a possibilidade de um “acordo pelo alto” entre a extrema-direita e os representantes da direita tradicional, que leve o judiciário a recuar. O acordo entre a extrema-direita e setores da direita já existe em vários terrenos, por exemplo na defesa do neoliberalismo e, também, na defesa de Israel.

Embora não tenha comparecido no discurso do cavernícola, a defesa do estado genocida de Israel foi um traço marcante da manifestação da extrema-direita. Isto é revelador do verdadeiro estado de ânimo da extrema-direita, em particular das afinidades entre nazismo e sionismo, apontadas na entrevista dada por Lula em Adis Abeba. Reafirmamos nossa defesa do povo palestino: o genocídio precisa parar, a ocupação deve terminar, a Palestina deve ser livre, os criminosos de guerra precisam ser punidos.

A manifestação da extrema-direita tem, também, implicações diretamente eleitorais. Por exemplo, a presença de Ricardo Nunes na manifestação confirma que as eleições na capital paulistana – como nas demais cidades do estado e do país – será nacionalizada pela extrema-direita. A esquerda não deve temer esta nacionalização, pelo contrário. Cabe defender o governo Lula, inclusive defender a posição do presidente sobre a Palestina.

A presença de Tarcísio de Freitas na manifestação, por sua vez, confirma o lugar central que este governador tem no esquema político da extrema-direita. O PT precisa ampliar a oposição aos projetos privatizantes, ao projeto de educação e à política de (in)segurança pública deste governador. A recente mudança no comando da PM mostra a importância que o controle desta corporação tem no projeto da extrema direita paulista e nacional. E serve como alerta sobre o tipo de “pacificação” que a extrema-direita defende, no Brasil e no mundo.

Por todos estes motivos, levando em consideração também o cenário de recrudescimento da crise internacional, a começar pela vizinha Argentina, é preciso reafirmar: a extrema-direita só será derrotada se houver polarização, radicalização programática e mobilização popular.

Sem anistia!!!

(*) Jandyra Uehara é da direção nacional da CUT. Karen Silveira é da direção da Apeoesp.

 

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