Por José Burato (*)
Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, declarou ao jornal digital Poder360 que o “PT perdeu a visão de humanidade”[1]. Ele discorda das críticas petistas às ações de Israel após o ataque do Hamas ocorrido no início de outubro, reclamando sobre o uso do termo “genocídio” pelo Partido dos Trabalhadores ao se referir ao contra-ataque israelense em Gaza.
Não temos interesse em debater neste momento o conceito de genocídio nem discutir com quem está o “direito justo”, mas refletir sobre a questão “humanidade”, que segundo o embaixador israelense, o PT perdeu a visão.
Sabemos sobre o papel das guerras na longa história da humanidade, assim como conhecemos relativamente bem a história de Israel e da Palestina. Então esse esforço para tentar nos iludir é inútil, porque qualquer argumentação deve se apoiar na história.
Mas voltemos à questão da “humanidade”. O que é isto, a “humanidade”?
Antes de nos aprofundarmos no tema, desejamos dizer que esta breve reflexão não pretende ser filosófica, sem, contudo, deixar de ser. Queremos dizer que não haverá aprofundamento conceitual, mas apenas reflexão acerca daquilo que comumente define a “humanidade”, aquilo que encontramos facilmente em dicionários, aquilo que está presente no senso comum. Trata-se, então, de uma provocação para que haja o necessário aprofundamento conceitual e a sua necessária reflexão.
Dizem os dicionários: 1) Natureza humana; reunião das características que são particulares à natureza humana. 2) Maneira bondosa de se tratar alguém; benevolência […].
Se levarmos em consideração a primeira definição, devemos admitir que havendo uma natureza humana, tudo o que fazemos está de acordo com ela. Assim, agimos conforme a natureza humana quando trapaceamos, quando fazemos a guerra, quando agimos com vilezas, mas também quando agimos bem. Ora, o que um humano faz está de acordo com a sua natureza humana, ou não?
Dessa forma, olhando para a história humana não temos muitos motivos para nos gabar. Guerras, escravizações, subjugações de pessoas e países, exploração do trabalho, preconceitos, discriminações, torturas, assassinatos, golpes de estado em nome de interesses econômicos de grupos, ditaduras, genocídios, terrorismos (aqui vale também para o praticado pelo estado), notícias falsas (para todos os fins), que nos fazem lembrar Maquiavel, para quem o “homem” é pérfido.
Se o “homem” é pérfido, pérfida é a sua natureza. Então, agir com “humanidade” segundo a natureza é fazer exatamente o que temos feito desde o nosso início histórico.
Pensando assim, o que devemos buscar não é a humanidade, mas a não-“humanidade”, a negação dessa natureza humana “pérfida”. Lutar por outra condição de ser, idealizada no contrário da nossa “humanidade”.
Já a segunda definição está mais próxima desse ideal acima mencionado, mas é uma forma ideal, não concreta, para a “humanidade”. Falamos de um devir da “humanidade”?
Essa forma ideal, que muitos chamam de “humanidade”, que é cobrada nas ações dos outros, mas pouco realizada pelos cobradores, assemelha-se à fábula da cenoura amarrada no burro e à frente dele, fazendo-o caminhar incessantemente para apanhá-la, sem, contudo, jamais conseguir. Isso porque aquela “humanidade” definida como “características […] particulares à natureza humana” vive inventando sistemas e regimes que não permitem igualdade, justiça, solidariedade, fraternidade etc., pelo contrário, estimula à competição, ao individualismo, à destruição do outro e da natureza. A segunda definição é algo a ser atingido, enquanto a primeira é um estado natural. Para se alcançar a segunda condição precisamos de tempo e lutas, para a primeira basta ser o que já somos, segundo a nossa história tem demonstrado.
Sobre qual definição de “humanidade” o embaixador de Israel no Brasil se referiu ao se aborrecer com o PT? Se for ao primeiro caso, podemos dizer que é um bom sinal o PT ter perdido a visão dessa “humanidade”, ficamos até aliviados. Se for ao segundo caso, temos tentado, porque realmente não é fácil vencer a “natureza humana”: nossa, dos aliados e dos adversários; tampouco é fácil tomar posição em favor das populações envolvidas nos conflitos sem desagradar os grupos de interesses de um lado e de outro.
Uma coisa é certa, teremos grandes chances de concretizar essa “humanidade” ideal quando não apenas desejarmos e cobrarmos “humanidade” para nós, mas quando permitirmos ela também aos outros.
De qualquer forma, já que mencionamos a Palestina, há uma música brasileira composta por Mestre Candeia e gravada por Cartola, que talvez o povo palestino cantasse pelas ruas de Gaza, se a conhecesse:
“Preciso me encontrar”
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver
[…]
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar
Quero assistir ao Sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
[…]
Ouça em: https://www.youtube.com/watch?v=56mu8KSUYqk
Você “vai gostar”!
[1] Artigo de Guilherme Waltenberg, publicado em Poder360, dia 17 out. 2023, intitulado “PT perdeu visão de humanidade”, diz embaixador de Israel, disponível em: <https://www.poder360.com.br/internacional/pt-perdeu-visao-de-humanidade-diz-embaixador-de-israel/>.
(*) José Burato é militante petista
Uma resposta
Texto maravilhoso!
Profundo, filosófico e ao mesmo tempo simples de compreender
Eu nunca havia analisado o que é humanidade por este viés.
Deixa reflexões importantes
Gratidão