Confira trechos da entrevista de Marcelo Manzano, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, ao Jornal Página 13
Página 13: Quando começou a desindustrialização de SP?
Marcelo Manzano: Vem na passagem dos anos 80 para os anos 90, coincide com o início do processo de desindustrialização do Brasil, a partir do governo Fernando Collor e as medidas de abertura comercial e baixa das barreiras de proteção à indústria brasileira. E, principalmente, ao longo do governo FHC, que estabeleceu condições macroeconômicas ruins para a indústria brasileira, com a nossa moeda artificialmente supervalorizada, juros muito altos e com uma nova rodada de abertura comercial que permitiu que os produtos importados ocupassem o nosso mercado e, ao mesmo tempo, nossas indústrias perdessem espaço nos mercados externos. O que explica também o encolhimento, principalmente quando se compara a outros estados, é o efeito da guerra fiscal por conta das brechas que existem no sistema tributário brasileiro. Agora, com a reforma tributária em análise no Congresso Nacional, isso deve ser sanado.
Houve falta de incentivos pelos governos paulistas?
Houve. Governos adeptos do neoliberalismo são contra políticas de apoio à indústria. Acham que não é papel do Estado. Para os neoliberais, para os economistas do chamado mainstream, política industrial é algo que deve ser evitado. Eles acham que ao fazer política industrial está se favorecendo esse ou aquele grupo econômico que tem influência política. São contra qualquer apoio, qualquer tipo de subsídio e defesa de setor, pois acreditam que a livre força do mercado fará florescer aqueles que estão mais aptos, que têm mais eficiência.
Quais políticas ajudaram a encolher a indústria paulista?
Vale mencionar algumas. Existia, em São Paulo, uma série de instituições de pesquisa bancadas pelo Estado, e que tinham como tarefa desenvolver tecnologias, novos produtos e auxiliar a indústria, que foram privatizadas, fechadas, sucateadas ou esvaziadas. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) foi absolutamente sucateado. Os institutos agrícolas de Campinas, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) também foram sucateados, alguns simplesmente fechados. Outros foram privatizados e os que não foram privatizados tiveram corte de pessoal, corte de verba, viraram uma sombra do que eram. Outro elemento importante é a privatização do Banespa, que atuava quase como banco de desenvolvimento. O seu fechamento deixou o estado com ausência de instrumentos para dar apoio ao desenvolvimento da indústria regional. Mais exemplos: CPFL e Telesp. Tínhamos, ainda, centros de pesquisas vinculados às estatais nacionais que jogavam um papel muito importante em São Paulo, caso da Telebras.
O que ainda pode ser feito para amenizar o declínio?
Em primeiro lugar, é preciso uma política industrial clara, prioridade de governo, que contemple apoio financeiro, de crédito, com taxas de juros subsidiados, para o investimento de expansão e manutenção da capacidade produtiva. Isso é fundamental num país como o nosso, que tem uma taxa de juros fora do lugar, proibitiva. No Brasil, muito diferente do que em outros países, a indústria não tem condição de investir, porque o investimento industrial requer prazos maiores, maior risco, maior imobilidade do capital, precisa de taxas de juros mais baixas. Como não existe, ou se criam instrumentos específicos dedicados à indústria, ou ela simplesmente desaparece. O governo de São Paulo tem sua agência de fomento e desenvolvimento, mas ela funciona de maneira quase anedótica, apenas para constar. É preciso dar condições efetivas para que essas agências atuem.
É fundamental também retomar o que tínhamos como uma experiência bem-sucedida dos anos 80, importantes instituições de pesquisa com apoio das universidades, do setor público, do orçamento fiscal, para desenvolver tecnologias e inovações que possam ser incorporadas pela indústria. Parcerias na pesquisa do setor público com o setor privado são questões fundamentais. Vemos isso pelas experiências japonesa, coreana e alemã. Seria importante manter as estatais que estão aí. Neste sentido, é um péssimo sinal a privatização desejada e anunciada pelo governo Tarcísio de Freitas da Sabesp, do Metrô. Isso vai esvaziando o sentido de vários setores que orbitam em torno dessas estatais.
Pela dimensão de São Paulo, por ser o maior estado industrial do país, o estado também pode se articular com cadeias de produção da indústria internacional, principalmente na América Latina e Mercosul. São Paulo tem, ao mesmo tempo, uma indústria agrícola bastante moderna, muito dela dominada pela produção de álcool e de cana-de- açúcar. Esse setor pode ser articulado de maneira mais positiva, mais virtuosa, para gerar valor agregado. Refiro-me a criar indústrias que elaborem, processem, transformem com a adoção de tecnologias, introdução de novos componentes, novas técnicas, e façam com que segmentos da agroindústria fortaleçam ramos com vínculos a esse setor, a exemplo da indústria alimentícia e de biocombustíveis.
É possível mensurar o tamanho da perda de empregos ocasionada pela desindustrialização?
A indústria é o setor que mais gera empregos formais. Em 1995, quando começa o Plano Real, nós tínhamos 20% dos trabalhadores formais no Brasil empregados na indústria. Em 2022, apenas 14%. Perdemos muito de emprego industrial.
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