Por Natália Sena (*)
De julho de 2021 até a data marcada para a eleição presidencial de 2022 temos em torno de 15 meses. É evidente o agravamento da situação política nos últimos dias e semanas: pronunciamentos dos comandos militares atacando a CPI da Covid; Bolsonaro afirmando que as “eleições no ano que vem serão limpas, ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, em tom de ameaça acerca da realização das eleições marcadas para outubro de 2022; pressão dos editoriais da grande mídia pelo impeachment, são apenas alguns exemplos do aumento de temperatura na política brasileira.
Mas 15 meses é tempo demais, e até lá muita coisa pode acontecer. Analisemos algumas possibilidades.
Em 15 meses Bolsonaro pode se rearticular
Não é novidade para ninguém que o governo tem tentado recuperar apoio e refazer sua imagem perante o povo, especialmente após as denúncias de corrupção relacionadas à compra de vacinas. E de fato, é possível que alguma melhora aconteça no próximo período e que isso ajude na rearticulação de Bolsonaro para a disputa eleitoral.
Há sinais de melhoria na situação econômica, apesar de o desemprego seguir recorde e das milhões de pessoas que desistiram de procurar trabalho e estão desalentadas com o futuro, sem falar na precarização das relações de trabalho e na redução dos salários dos que permanecem ocupados. Ou seja, a “melhoria” existe para os de cima, e serve mais para “criar um clima” do que efetivamente para melhorar algo.
Além disso, tudo indica que até o final do ano a população como um todo estará vacinada contra a COVID-19. Ou seja, a tendência é entrar em 2022 sem o “clima ruim” provocado pelos quase dois anos de pandemia, e mais, o ambiente pode ser de euforia, de ânimo com o que deverá ser vendido como o retorno à vida normal.
Também não há sinais fortes de perda do apoio do governo no grande empresariado. Há disputas, insatisfações (com a reforma tributária de Guedes, por exemplo, especialmente sobre taxação de dividendos e imposto de renda), mas o programa que está sendo aplicado pelo governo é o programa ultraliberal e para os capitalistas é isso que importa. Sem falar que os empresários conseguiram a promessa de Guedes de que as alíquotas e outras medidas que afetam a tributação sobre as pessoas jurídicas serão revistas e retiradas da proposta de reforma tributária.
Por último, é fato que a ação do governo nos próximos 15 meses também pode provocar efeitos. Por exemplo: Guedes segue anunciando a ampliação do Bolsa família para 2022. Não dá para ter ilusão de que se trata de uma “reviravolta programática”, é de fato uma medida com fins eleitorais.
Em 15 meses a “terceira via” pode se articular:
Tanto o impeachment quanto outros fatos imprevisíveis e ingovernáveis podem criar as condições para que a direita gourmet se organize melhor. E quem acha isso impossível de acontecer, basta lembrar como era a possibilidade de Bolsonaro ganhar em julho de 2017, quinze meses antes da eleição presidencial de 2018.
Uma pesquisa Datafolha de junho de 2017 colocava Bolsonaro com 15% das intenções de voto, e mesmo assim muita gente entre nós dizia ser impossível ele vencer. Mas o interessante é que Marina Silva aparecia empatada com ele (Bolsonaro) em todos os cenários. E, como bem lembramos, Lula estava na frente disparado.
O que aconteceu já sabemos: tiraram Lula da disputa numa farsa jurídica; Bolsonaro ficou em primeiro lugar no primeiro turno, foi para o segundo turno com Haddad; em terceiro ficou Ciro; PSDB com Alckmin em quarto e Marina Silva teve 1%, ficando atrás do cabo Daciolo.
Portanto, nada de subestimar as possibilidades de reviravolta, nem de superestimar as nossas chances e agir como se já estivesse tudo ganho, como se a posse estivesse garantida, e como se tivéssemos que pensar agora na governabilidade. Não é esse o caminho.
Em 15 meses muita coisa pode acontecer nos estados
Nós temos a candidatura mais competitiva para a eleição presidencial, mas não estamos no páreo na maioria dos estados do país.
Não devemos cair na situação de sermos sugados para alianças e projetos de direita, ou para “não-candidaturas” com promessas de apoio presidencial, sem nenhuma garantia de nada, tanto tempo antes das eleições.
Nossa tática deve ser a de construir palanques nos estados que sejam confiáveis, de esquerda, e fortalecer estes palanques. Se for para fazer algum movimento de aliança, isto deve ser feito bem mais à frente, quando o cenário eleitoral estiver realmente nítido.
Em 15 meses o debate programático vai rolar…
Outra peça nesse quebra cabeça todo é a questão programática. Em 2020 o PT aprovou um plano de reconstrução e transformação do Brasil. Há muita coisa boa e correta no plano, mas também há divergências, lacunas (como a questão militar). E não é um programa de governo, pois este ainda será elaborado, debatido e votado no Diretório Nacional.
O ponto é: se 15 meses antes da eleição já há um intenso diálogo com amplos setores, é preciso debater que influência isto terá (terá alguma?) no nosso programa, seja o de campanha, seja o de governo.
Em 15 meses as regras das eleições podem mudar
A reforma eleitoral está em debate no congresso nacional. Em agosto, no retorno do recesso parlamentar, deve ser colocada para votar. Há pelo menos três temas que se relacionam com a eleição presidencial e do Congresso, e que podem ser armas contra a esquerda e contra uma vitória de Lula: distritão, semi-presidencialismo e voto impresso. É preciso colocar esse assunto na “conta”.
Em 15 meses muita água pode rolar…
Além de tudo isso, é preciso reconhecer que o fortalecimento de Lula como uma possibilidade real na disputa presidencial faz com que cresçam as especulações e pressões por parte de facções do governo para algum tipo de ruptura institucional em caso de derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais.
Por isso, no atual momento, antes de discutir sobre o que faremos no governo, é preciso lembrar que muita coisa acontecerá daqui até lá, e por isso precisamos nos preparar para um grau alto de enfrentamento. Até porque o nosso êxito geral vai depender, em boa medida, justamente do grau de mobilização, de luta, de radicalidade programática que colocarmos na disputa contra o bolsonarismo, aqui e agora.
(*) Natália Sena, advogada, é integrante da Comissão Executiva Nacional do PT.