Por Valter Pomar (*)
A CNN publicou um texto sobre o PED.
O texto está aqui: Quem são os cinco candidatos à presidência do PT e o que defendem cada um
Seguem abaixo as perguntas (em negrito) feitas pela jornalista Alice Groth e as respostas que dei.
1/Quais os seus planos à frente da presidência do PT?
O plano número 1 é acabar com o presidencialismo no PT.
Brincadeiras à parte, o fato é que convivem dentro do PT duas tradições concorrentes acerca do papel de quem assume a presidência do Partido. Há os defensores do modelo vigente nos partidos tradicionais, segundo o qual eleger um presidente do PT equivale a eleger um presidente da República. Neste modelo, o presidente deveria ter poderes superiores aos do conjunto da direção do Partido. É por isso, aliás, que um dos pré-candidatos à presidência acha que ele poderá escolher o tesoureiro do Partido, como pode no passado, quando foi prefeito, escolher o secretário de finanças.
De outro lado, existimos nós que somos defensores da tradição de esquerda, segundo a qual a direção do Partido deve ter funcionamento coletivo, cabendo ao presidente ser porta-voz e coordenador deste coletivo.
Isto posto, nosso “plano” é trabalhar pela “reconstrução e transformação” do Partido.
Na política, precisamos voltar não apenas a falar mas também a lutar de verdade por mudanças estruturais como a reforma agrária e a urbana, pela democratização da comunicação social, pela revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária, por um Banco Central a serviço do povo e não a serviço da especulação, pela industrialização do Brasil, pela soberania alimentar, energética, produtiva, ambiental, científico tecnológica.
O PT precisa voltar a falar e a lutar pelo socialismo, precisa voltar a ser um partido militante, com atuação nos anos pares mas também nos anos ímpares, presente de forma organizada nas lutas cotidianas do povo brasileiro, atuante no debate ideológico acerca do futuro do Brasil e do mundo, defensor das grandes bandeiras do povo brasileiro, da classe trabalhadora urbana e rural, dos pequenos proprietários, dos negros e negras, dos quilombolas, dos indígenas, das mulheres, dos lgbt, da esquerda, do socialismo.
Nada disso vai acontecer da noite para o dia. O PT vai precisar de uma fisioterapia política e organizativa, para lembrar como praticar certas ideias. Mas certamente a eleição de um presidente e de um diretório nacional de esquerda serão um passo importante nesse sentido.
2- Se o senhor for presidente, como pode ajudar o governo do presidente Lula?
O governo Lula é ele e suas circunstâncias. A principal destas circunstâncias é o cerco imposto por um Congresso majoritariamente de direita, que expressa os pontos de vista do agronegócio, do capital financeiro e do imperialismo. Para acabar com este cerco é necessário, entre muitas outras coisas, eleger um Congresso de esquerda. Mas para isso seria necessário fazer uma reforma política-eleitoral, o que este Congresso nunca vai aprovar. Por conta disto, uma parte do governo e uma parte da esquerda acham que a única alternativa é fazer péssimos acordos, ceder, transigir,capitular. O resultado disto são os Liras da vida, as emendas impositivas, a ameaça de uma anistia para os golpistas et caterva.
Para romper este círculo vicioso é necessário mais disputa política e muita mobilização social, pressão de baixo para cima e de fora para dentro das chamadas instituições. O governo precisa ousar mais, enfrentar mais, disputar mais. Em geral é melhor uma boa disputa do que um péssimo acordo. E o Partido precisa apostar tudo na organização e mobilização da sociedade, ajudando a criar as condições para derrotar este Congresso de direita e, também, criando condições melhores para o funcionamento geral do governo.
Além disso, o Partido precisa incidir mais nas políticas do governo como um todo. Tem ministros que nunca deviam ter entrado, como o da Defesa. E a política econômica precisa se libertar do arcabouço em que nos metemos. Se eu for eleito presidente, significa que o Partido escolheu fazer um giro à esquerda, escolheu fazer isso que falei antes. Agora, quem está satisfeito como as coisas como estão, quem acha que não corremos grandes riscos em 2026, obviamente tem outras opções em quem votar.
3- Quais os maiores desafios do partido hoje?
Eu vou citar dois desafios. O primeiro é recuperar o apoio organizado e consciente da maioria da classe trabalhadora brasileira.
Veja o que aconteceu nas eleições 2022: se somarmos os votos dados ao cavernícola, com os votos nem-nem, vamos constatar que a maioria da classe trabalhadora não votou no PT. Pior ainda: o número de trabalhadores filiados a sindicatos é muito menor do que o número de trabalhadores que votam em nós. AO mesmo tempo e de outro lado, a direita vem ocupando territórios, ganhando corações e mentes. É preciso mudar isto: a maioria da classe trabalhadora precisa ser ganha para as posições da esquerda, precisa se organizar, precisa se mobilizar em defesa de seus interesses, precisa se libertar das ideias e da influência da direita gourmet e da extrema-direita.
O segundo desafio é compreender o tamanho da mudança que está em curso no mundo. Desde a crise de 2008 até hoje, vivemos uma crise sistêmica: ambiental, econômica, social, política, militar, ideológica. A depender da resposta que nós dermos à esta crise, o Brasil terá na melhor das hipóteses um grande passado pela frente. Mas se dermos a resposta certa, podemos mudar o lugar do Brasil no mundo e mudar profundamente a sociedade brasileira. A janela está aberta, mas o tempo corre contra nós. Se o PT fizer a escolha certa, aumentarão muito as chances de termos um futuro feliz para a maioria do povo brasileiro: soberania, desenvolvimento, bem-estar, democracia. E socialismo.
4- Qual a sua opinião sobre o racha interno dentro do partido?
Não existe um racha no Partido. No PT existem divergências desde 1980. E vão continuar a existindo: partido sem divergências é partido morto. Agora, é verdade que existe um “racha” na tendência denominada “Construindo um novo Brasil”. A briga é tão grande que um amigo, membro desta tendência, diz que o nome mudou para “construindo uma nova briga”. Feita a provocação, deixa eu dizer o seguinte: as pessoas que integram esta tendência são e vão continuar sendo muito importantes para o PT, absolutamente insubstituíveis. Mas na minha opinião é preciso encerrar um longo ciclo, que começou em 1995. É hora de abrir um novo ciclo, em que a CNB enquanto tendência deixe de ser hegemônica como é hoje. Mas para isso é preciso começar derrotando, no processo de eleição direta das direções (PED) de 6 de julho as posições expressas pelos dois pré-candidatos vinculados a esta tendência. Ou seja, precisamos derrotar tanto as posições social-liberais, que acham possível conciliar com o neoliberalismo; quanto precisamos derrotar o social-populismo, que acha possível conciliar com o neofascismo. É preciso também que o próximo tesoureiro do PT não seja da CNB. Isto fará bem para eles mesmos, que se habituaram com este lugar, o que criou deformações muito sérias. Nestes tempos de crise, de guerra e de ameaças neofascistas em que vivemos, é hora da chamada “esquerda petista” assumir a hegemonia. E, se depender de mim, hegemonia na política, mas sem controlar a tesouraria. É preciso recolocar a política no comando, não o dinheiro.
5- Se o senhor vencer as eleições, o PT reforçará a presença junto à população, especialmente nas periferias e entre os trabalhadores, como tem cobrado o presidente Lula?
Então, aqui tem que explicar o seguinte: a imensa maioria da base do PT está junto da população. Os militantes estão nas periferias, estão entre os trabalhadores, nas empresas, nas escolas, nos bairros, nos espaços de lazer. O problema não é o PT, o problema não é a base do PT, o problema está nas direções do Partido, que não coordenam o trabalho de base. Sou da direção do PT há bastante tempo e posso contar nos dedos as vezes em que dedicamos alguma reunião para debater temas como organização de base e luta social. Isso tem que mudar. O PT deve continuar disputando eleições, precisamos ter mais mandatos de prefeitos e governadores, precisamos de mais vereadores, deputados e senadores. Precisamos vencer em 2026, em 2030 e depois. Mas nada disso será possível, se não recuperarmos presença organizada nos territórios, se não voltarmos a ser um partido presente no cotidiano da classe trabalhadora. Aliás, se for por esse motivo, melhor então o Lula votar em nós. Não se arrependerá.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT