A carta de José Dirceu

Por Valter Pomar (*)

A retórica é uma arte.

Lembrei disso ao ler a carta que José Dirceu escreveu, em defesa da candidatura de Edinho Silva.

A carta apresenta as posições de Dirceu acerca de Deus e seu tempo.

Posso concordar ou discordar. Mas são as posições de Dirceu, não as de Edinho.

E são posições cuja implementação exigiria que o PT tivesse à sua cabeça alguém que não se comporte como correia de transmissão do governo.

Edinho tem demonstrado, desde que iniciou sua campanha, que está léguas à direita do que Dirceu expressa nesta carta.

E também tem demonstrado, não só agora mas antes, que seu estado de ânimo é a de ministro de um governo parlamentarista, não a de presidente de um partido de combate

Se ainda assim Dirceu o apoia, é na minha opinião por razões e motivações que estão apenas implícitas e sugeridas na sua “carta”.

Entre elas a famosa “unidade da CNB”, que terminou sua Batalha de Itararé sem que o distinto público fosse informado acerca do que de verdade ocorreu, para que uma aparente paz prevalecesse onde antes pululavam violentas e públicas acusações recíprocas.

Infelizmente para todos nós, a realidade dura e crua é que a carta de Dirceu coincide com mais uma rodada de cortes orçamentários, confusão no governo e uma onda de ataques que demonstram que a linha política defendida pela cúpula da CNB e materializada pelo governo não está resistindo ao teste da prática.

Contra isso não basta retórica. É preciso uma inflexão na política.

O que Edinho e a cúpula da CNB – leiam a tese inscrita – oferecem ao Partido não é uma inflexão na política, mas uma insistência dogmática no erro: “mais e melhores alianças com a direita”, temperada com concessões e capitulações frente ao capital financeiro.

Não está dando certo e simplesmente não vejo como possa dar certo. Reconheço que a alternativa que propomos a isso é difícil e arriscada. Entretanto, como Dirceu sabe muito bem, combater sempre é arriscado. Mas combater também é sempre melhor que capitular, não importa com qual retórica se justifique isso.

Por tudo isso e mais um pouco, seguimos lutando para que o Partido gire à esquerda. Acreditamos que isso ajudará a superarmos a difícil situação que enfrentamos desde o início de 2025 e, também, ajudará a conquistarmos, em 2026, um quarto mandato Lula em condições de ser superior ao atual.

Mas, acima de tudo, uma inflexão à esquerda contribuirá para que nosso Partido – Dirceu, Edinho e a CNB incluída – tenha bem mais que um grande passado pela frente.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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Abaixo o texto criticado:

Mais uma vez nosso PT renovará suas direções, e agora por eleições diretas depois de dois PEDs indiretos e uma prorrogação de mandato. Temos de reconhecer a árdua e difícil tarefa que as últimas direções do PT enfrentaram sob a presidência do companheiro Rui Falcão e depois de nossa presidente Gleisi Hofmann em condições de ataque e guerra jurídica contra o partido e o nosso projetovpolítico.

O momento político exige de nós a luta pela unidade da CNB e do PT, na sua diversidade e no seu pluralismo, além da construção de uma maioria que vá além da CNB e assegure ao partido a governabilidade nos próximos quatro anos. Essa unidade se expressa na participação de todas as correntes e tendências políticas na direção nacional e em sua executiva, e no reconhecimento das candidaturas, todas representativas e legítimas: o companheiro Rui Falcão, militante político da luta contra a ditadura, com experiência na presidência do PT, parlamentar e de governo; Romênio Pereira, dirigente experiente do PT que representa o Movimento PT; e, por fim, Valter Pomar, militante e dirigente do PT, historiador e professor, que representa a Articulação de Esquerda.

O apoio à candidatura do companheiro Edinho Silva, de início dentro da CNB e agora no PED, baseia-se na legitimidade e na sua experiência como vereador, deputado estadual, presidente duas vezes do PT paulista, quatro vezes prefeito e ministro de Estado no Governo da presidenta Dilma. Edinho tem uma vasta experiência na direção do PT e nos governos que dirigiu e participou, conhece o mundo parlamentar e vem de uma vida de lutas, nas pastorais da juventude e operária da Igreja Católica.

Como eu, foi office-boy, depois funcionário de uma empresa, operário na fábrica de meias Lupo e na extinta metalúrgica Climax, atual Electrolux. Apaixonado por futebol, atuou como atleta nas categorias de base da Ferroviária na década de 1980. Identificado com as propostas democráticas e socialistas do PT, filiou-se em 1985, aos 20 anos de idade. Foi presidente do Diretório Municipal de Araraquara e coordenador regional, assessorou nossa bancada de deputados estaduais durante a Constituinte Estadual, da qual participei como deputado. Em 2007, foi eleito presidente do PT de São Paulo e reeleito com voto de 90% dos filiados e filiadas. Em 2010, foi eleito deputado estadual com 184.397 votos, sendo votado em 500 municípios do Estado.

Creio que Edinho está à altura do desafio de presidir o PT nesse momento histórico e nessa conjuntura que enfrentamos. Tem experiência e competência para nos dirigir com apoio do presidente Lula e não só da CNB como também de outras correntes e lideranças do PT, respeitando a unidade na diversidade e no pluralismo do partido.

Temos a tarefa de praticamente reconstruir o PT depois de uma década de ataque frontal, de perseguição e mesmo tentativas de cassação de nosso registro, sem falar no golpe parlamentar-jurídico que sequestrou o mandato da nossa presidenta Dilma e da infame prisão do nosso companheiro Lula num processo ilegal, sumário e político, felizmente já anulado pelo Supremo Tribunal Federal. A tarefa de unificar toda a esquerda numa frente que vá além do PV e do PCdoB para enfrentar o PL e o bolsonarismo.

A conjuntura e as condições que governamos exigem de nós a capacidade de fazer alianças mais amplas que a centro-esquerda, mas ao mesmo tempo criar as condições de mobilização popular, social e sindical para fazer avançar as reformas estruturais que o país reclama: a política, tributária e financeira, o que exige que nosso PT se autorreforme para retomar a capacidade de mobilização, recriando nossas sedes, nos emponderando nas redes, expandindo a formação política via EAD, ampliando e refazendo nossas relações com os movimentos sociais e nossas campanhas nacionais.

É preciso ainda continuar nossa transição geracional e nosso compromisso com a diversidade e o pluralismo interno,organizar as oposições aos governos estaduais da direita, sustentar e orientar nossa atuação no governo e no Parlamento e, principalmente, reviver as instâncias partidárias e nossa democracia de base, as consultas e relações entre os diretórios municipais e estaduais, as bancadas, governos e nossa direção nacional, facilitadas hoje pelo uso das videoconferências, o que não substitui, pelo contrário, a presença dos dirigentes nos estados, municípios e principalmente nas lutas e mobilizações, e não só pelas redes.

Sustentar o governo do presidente Lula e suas propostas de retomada do projeto de desenvolvimento nacional, sintetizados na Nova Indústria Brasil, no PAC e na transição energética-ambiental. Defender a reforma tributária progressiva, a revisão do Imposto de Renda dos ricos, a maior participação dos trabalhadores e trabalhadoras no Orçamento. Reafirmar nosso compromisso com a reforma agrária e a agricultura familiar orgânica e sustentável. Reforçar o debate sobre a liderança brasileira na COP-30 e as ações de enfrentamento à emergência climática. Defender o fim da escala 6×1, impedir o desmonte das estatais e bancos públicos, e do Estado de Bem-Estar Social conquistado com todas suas limitações na Constituinte de 1988.

Derrotar de novo a extrema-direita e o bolsonarismo, sem anistia ou mudanças no Código Penal que livre os golpistas de prestar contas à Justiça, mas ao mesmo tempo aumentar nossa bancada na Câmara e no Senado, nossos governos estaduais, e nossa presença nas assembleias legislativas, com atenção especial ao Senado, onde o bolsonarismo trama a retomada de seu projeto autoritário e ditatorial, criando assim as condições para dar continuidade ao nosso projeto político e reeleger o Presidente Lula em 2026.

O ataque ao sindicalismo e à luta em defesa do emprego, dos direitos trabalhistas e da Justiça do Trabalho deve ser uma prioridade frente à escalada de fortalecimento do sindicalismo patronal e do desmonte da legislação que protege os direitos conquistados na luta das últimas décadas. O PT deve priorizar a reforma política nos próximos anos, construindo uma proposta e a defendendo junto à cidadania. Trata-se de uma urgência, dada a degradação do parlamento via o desvirtuamento das emendas parlamentares e os desvios de recursos para fins eleitorais e mesmo enriquecimento ilícito, o avanço do parlamento sobre os poderes constitucionais do presidente, a indecente decisão de aumentar o número de deputados e as ameaças à independência dos poderes, seja o Judiciário ou o Executivo.

É preciso uma verdadeira mudança na vergonhosa concentração de renda e no cartel bancário financeiro, na política de juros e nas metas da inflação, que exigem uma radical reforma tributária e financeira, capaz de pôr fim à apropriação e expropriação da renda nacional pelo capital financeiro e agrário, num circuito entre o Banco Central e a Faria Lima, que cada vez mais concentra renda, via os juros altos únicos no mundo. O serviço da dívida pública e praticamente a isenção histórica que gozam nossas elites da obrigação de pagar impostos limitam nossa capacidade de investimento, impedem que o Estado financie o gasto social, com o agravante de que a saída de uma elite que representa 1% da população é exatamente a manutenção do status quo e o fim do Estado de Bem-Estar Social, com o desmonte dos bancos públicos, das estatais e da nossa capacidade de planejar e financiar o desenvolvimento nacional.

Ao PT e às esquerdas resta a tarefa histórica de concluir a revolução social brasileira inacabada, que exige duas condições: a soberania e independência nacional, de um lado, e a democracia, de outro, num mundo onde precisamos ter lado, lutar contra a extrema-direita e o neofascismo e manter nossa política externa independente e não alinhada, guiada pelos interesses nacionais e pelo nosso projeto de desenvolvimento e integração regional.

Nosso lugar é no Sul Global, nos Brics e na relação com a América do Sul e América Latina, com a África e os países árabes. Nosso norte é o bem-estar de nosso povo e a defesa de nossa cultura, nossa soberania, nossa terra e riquezas naturais, e nossa independência financeira e tecnológica. Sem isso nada será possível, mesmo com nossa riqueza e soberania alimentar e energética, com nosso mercado interno e nosso imenso território continental.

Com esse espírito e ânimo convido filiados e filiadas do PT, nossa brava e guerreira militância, a participar do PED, na construção das chapas, no debate político e votando no próximo dia 6 de julho. Vamos dar uma demonstração da força de nossa democracia interna e de nossa capacidade de unir o PT na diversidade e na pluralidade, para reeleger nosso presidente Lula em 2026 e dar continuidade ao nosso projeto político em defesa do Brasil democrático e popular, reiterando nosso compromisso com a CNB e a candidatura mais ampla do nosso companheiro Edinho Silva.

Saudações petistas e socialistas,

José Dirceu.

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