Trumpaço ou trumpeço?

Por Valter Pomar (*)

Muita gente presente na manifestação realizada ontem, em várias cidades do Brasil, em favor da tributação dos ricos, da redução da jornada de trabalho e do fim da escala 6×1.

Voz corrente na manifestação é que a carta de Trump contribuiu, em alguma medida, para a mobilização, introduzindo na pauta mais um tema fundamental: a defesa da soberania nacional contra a ingerência dos Estados Unidos.

Muitas pessoas iam além e diziam que a carta de Trump teria sido um “tiro no pé”. Não um trumpaço, mas um trumpeço.

Em favor desta conclusão, tais pessoas elencavam os seguintes argumentos: i/ficou exposto que o cavernícola & famiglia pensam neles mesmos, em primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto lugar, deixando os interesses do país totalmente de lado; ii/Tarcísio, o homem do boné, teria escorregado de candidato à presidente para a condição de candidato à vassalo; iii/os jornalões (Estadão, Globo, Folha) teriam sido obrigados a dar razão ao governo; iv/Lula teria recebido de presente a possibilidade de defender uma bandeira extremamente atraente e que a extrema-direita vive tentando manipular: a da unidade da Nação contra os inimigos externos.

Alguns lembraram, também, que mesmo que Trump cumpra a promessa de aumentar as tarifas, o Brasil poderia substituir importações e substituir também exportações.

Tudo isso é verdade. E não precisa escarafunchar para encontrar algo mais: tanto Tarcísio quanto o cavernícola sabiam do que ia acontecer e conspiraram contra a Pátria. O cavernícola mantém seu filhote na gringolândia. E o governador deu, dias atrás, a seguinte declaração: alinhamento com Sul Global seria “perigoso”. Sem falar nas gestões para o cavernícola negocie com o pato uma “saída”…

Isto tudo posto, é importante examinar a situação de conjunto.

Primeiro, convém lembrar que existem no Brasil muitos leitores do clássico livro Oportunidades perdidas: como desperdiçar situações perfeitas e transformar vitórias em derrotas.

Não consigo entender, por exemplo, por qual motivo se escolheu dar entrevistas ao invés de convocar cadeia nacional de rádio e tv. Noutras palavras: porque, para falar com o povo, precisamos legitimar a mediação das empresas de comunicação??

Segundo, convém lembrar que a preocupação de Trump não é exatamente com o cavernícola, mas sim com a posição do Brasil no mundo. O cavernícola, as bigh techs, as tarifas, tudo isso são “meios” para o que realmente o Pato Trump deseja: colocar o Brasil de volta no quintal, nos afastar dos BRICS e do Sul Global.

A questão, portanto, é quanto eles estão dispostos a investir (e inclusive a perder) para alcançar este objetivo. A julgar por inúmeras outras experiências, os EUA estão dispostos a gastar o que for preciso. Pois o que está em jogo é o domínio do mundo. Não se trata de tarifas nem de comércio, se trata de uma guerra pela hegemonia.

Terceiro, convém recordar que embora haja brava gente disposta a morrer pelo Brasil, o que queremos não é morrer tentando, o que queremos é triunfar, é vencer, é derrotar os que nos querem avassalar. E isso tudo exige certos pressupostos de que no momento não dispomos, por exemplo soberania alimentar, energética, digital, comunicacional, produtiva e militar.

Quarto e principalmente, é importante recordar que até pouquíssimo tempo nada disso estava no mapa de voo de boa parte da esquerda brasileira. Vamos recordar: havia quem imaginasse ser possível fazer um acordo com o capital financeiro e agora estamos engolindo juros de 15%. Havia quem imaginasse que seria possível fazer um acordo com a direita neoliberal gourmet e agora estamos tendo que lutar pelo direito do presidente governar. Havia, também, quem imaginasse que seria possível ter uma relação racional (!) com os EUA e agora estamos lidando com este trumpaço.

Levando em consideração tudo isto, o mais recomendável é não subestimar nossos inimigos: nem o império, nem a extrema-direita, nem o restante da quadrilha. Afinal, a vida raramente é justa. E a sorte só aparece para quem luta por ela. Luta muito.

O que na situação concreta significa ir além das medidas imediatas e tomar todas as medidas estruturais indispensáveis à defesa da nossa soberania nacional. Mesmo que isso desagrade a direita neoliberal gourmet que, na falta de outra opção, está momentaneamente apoiando as medidas anunciadas pelo presidente Lula.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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