Advertência

importante

isso não é um poema, mas o testemunho da época a rigor portanto não tem autoria que não seja a dor que muitas vezes anda dispersa porque não encontre contorno que lhe confira corpo

uma vez que não me queriam acompanhar

resolvi tomar a estrada sozinha

 

quer dizer

animada por vozes antigas

a coragem de camaradas

que saltaram sobre abismos

para escrever nada mais do que o indizível

necessário que busca meios de expressão

 

mas não é disso que se trata

 

não vimos quando foi que fixaram

na porta de nossa época

a advertência de que entrar por ali

nos abria uma via para o inferno

 

se não

vejamos os dramas que se desenrolam entre os dedos

sempre de uma mãe

que é um jeito de começar nos dispensando da tarefa enfadonha

de dizer o óbvio

 

escrevo como quem traça

no azulejo uma linha que não deixa rastros

no banheiro da escola

 

alvoroço

a cena era esta

 

uma mãe

escava com as próprias mãos

a areia em desespero

buscando o local em que enterraram

o corpo de sua criança

 

mamãe

mamãe

 

no fundo

estamos aguardando nossa vez

num desespero mudo

aquém de qualquer poesia?

 

ou não

 

isso tudo tem ganhado

a forma internacional da fúria

e fui eu que me virei pro lado?

 

colocarei

de qualquer modo

este texto num envelope

e distribuirei como a medalha dos milagres

para ajudar a fagulha de revolta

que nos reúna como num carrossel de desesperados

em torno da dor dessa mãe

 

que escava a areia

enquanto ressoa

no centro do seu sangue

 

a voz da filha dizendo

 

mamãe

mamãe

 

(Vitória Elétrica)

 

 

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