Conjuntura de luta!

Por Natália Sena (*)

Foto Paulo Pinto/Agência Brasil

No dia 21 de setembro de 2025, aconteceram atos em mais de 30 cidades brasileiras, incluindo todas as capitais. Milhares de pessoas foram às ruas em mobilização contra a anistia para os golpistas do 8 de janeiro e a aprovação da chamada “PEC da Blindagem” na Câmara dos Deputados. Essas manifestações foram convocadas pelas organizações de esquerda e tiveram uma adesão bem acima do que normalmente os “atos tradicionais” têm alcançado.

No dia 16 de setembro, ainda antes da convocação dos atos, a Comissão Executiva Nacional do PT esteve reunida presencialmente em Brasília. Nessa reunião, durante o debate de conjuntura, foi feita explicitamente a proposta de tirarmos posição contrária à chamada PEC da Blindagem (que previa a necessidade de autorização da casa legislativa para a abertura de qualquer investigação de parlamentar) e a nos posicionarmos de forma contrária a qualquer tipo de anistia para os golpistas do 8 de janeiro. Não houve votação, mas, na prática, a proposta não foi acolhida. Dirigentes importantes falaram abertamente que seria aceitável fazer um acordo em torno desses assuntos: “Por que não trocar a blindagem pela rejeição da anistia?”; “Por que não fazer a dosimetria de penas em troca de votar a isenção de imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais?”; “As prerrogativas dos parlamentares precisam voltar, isso foi algo que perdemos em 2001”; “É preciso ter cuidado ao ser contra anistia, nós já defendemos anistia e podemos voltar a precisar defender”.

O debate foi feito no mesmo dia da votação da PEC na Câmara, que foi aprovada à noite com o voto favorável de 12 petistas. São eles: Jilmar Tatto, que também é vice-presidente nacional do PT; Kiko Celeguim, presidente estadual do PT de SP; além de Alfredinho, também do PT de SP; Leonardo Monteiro, Odair Cunha e Paulo Guedes, do PT de Minas Gerais; Airton Faleiro e Dilvanda Faro, do PT do Pará; e Dr. Francisco, Flávio Nogueira, Florentino Neto e Merlong Solano, do PT do Piauí. No dia seguinte, oito petistas votaram em uma emenda que aprovou que a votação na Câmara para permitir ou rejeitar a abertura de processo judicial contra parlamentar investigado poderia ser secreta, e esses votos foram decisivos para a emenda ser aprovada. Os que votaram a favor do voto secreto são: Alfredinho, Jilmar Tatto e Kiko Celeguim, do PT-SP; Odair Cunha e Paulo Guedes, do PT-MG; Dilvanda Faro (PT-PA); João Daniel (PT-SE) e Valmir Assunção (PT-BA). Os dois últimos são deputados organicamente vinculados ao MST.

Ou seja, foram 14 os deputados petistas que votaram a favor de um ou mais aspectos da PEC da Blindagem.

Quem votou dessa forma não teve o aval da Direção Nacional do PT. Não houve resolução alguma aprovada, de forma que não estava liberado votar nisso. Pelo contrário, a liderança da bancada na Câmara orientou explicitamente os parlamentares a votarem contrariamente à PEC. Portanto, quem votou a favor descumpriu a orientação da bancada. Como não houve fechamento de questão, não existe base estatutária para medidas disciplinares, mas isso não impede que façamos o debate político.

Segundo o que eles mesmos dizem, fizeram isso porque acreditaram em promessas sobre um suposto acordo para rejeitar um requerimento que aprovava a urgência do projeto da anistia para os golpistas do 8 de janeiro. Jilmar Tatto, vice-presidente nacional, afirmou publicamente que se tratava de um “gesto” nesse sentido. O fato é que o requerimento de urgência da anistia foi aprovado no dia seguinte, em 17 de setembro, e a indignação social com essas duas votações deflagrou o caldo necessário para o êxito das mobilizações que aconteceram no domingo 21 de setembro.

Nessa semana das votações, aconteceram diversas reuniões das organizações de esquerda para debater a conjuntura e a organização dos atos, lideranças deram entrevistas, posicionamentos foram divulgados. Enquanto a maioria esmagadora das direções municipais, estaduais, movimentos sociais e sindicais, no país inteiro, estavam correndo atrás de viabilizar, com poucos dias para organizar, a realização de atos potentes no domingo, importantes quadros e dirigentes ainda colocavam em dúvida a necessidade e a capacidade de realizarmos as mobilizações daquele domingo.

Tentativas de tirar da pauta do ato a questão da PEC da Blindagem foram nítidas, basta ver as redes sociais do PT, que praticamente só falaram em anistia; frases como “o ato é um erro” porque não teríamos “capacidade suficiente de mobilização”, ou “façam, se acham que dá para mobilizar”, com nítido tom de descrédito, e inclusive defesas explícitas da PEC da Blindagem, chamada de PEC das Prerrogativas por quem aderiu ao mérito da proposta, foram proferidas na mais alta cúpula da esquerda do país. Houve até quem dissesse, após os atos, que eles foram “fracos”. Tudo isso demonstra uma imensa desconexão de setores importantes da alta cúpula da esquerda com o sentimento da sua própria base, o que de certa forma explica os erros, subestimações e ilusões.

Felizmente, essas opiniões foram minoritárias e prevaleceu nas direções e na base do PT e dos principais movimentos sociais a avaliação de que ir para rua era não só possível como muito necessário. Acertamos e provamos que é possível alterar a correlação de forças com luta, com mobilização, e não só com acordos e gestos espúrios dentro do parlamento. Quando escrevo esse texto, em 28 de setembro, a PEC da Blindagem já está arquivada, após votação unânime na CCJ do Senado, e o projeto da anistia segue em trâmite, mas, após o arquivamento da PEC da Blindagem, está mais enfraquecido.

Obviamente, o PT não é um bálsamo de coerência e, portanto, não é a primeira vez que existe descumprimento de orientação, especialmente diante da ausência de fechamento de questão entre a direção e a bancada. Mas é preciso reconhecer que esse caso é politicamente muito grave. Mesmo após a repercussão péssima em torno da votação dada pelos 14 petistas, não houve até agora qualquer reconhecimento mínimo de que essa votação se tratou de um erro. Nada, nenhum “gesto” sequer para a militância, que segue indignada por termos que carregar o fardo de ter a nossa digital numa votação deste tipo. A única nota que foi divulgada pela Comissão Executiva Nacional foi após os atos, e ainda assim chamou a PEC da Blindagem (que as ruas apelidaram de PEC da Bandidagem) de “PEC que reestabelece as prerrogativas parlamentares”. Votamos contra, com a seguinte declaração de voto: “É um erro chamar a PEC da Blindagem de ‘PEC que reestabelece as prerrogativas parlamentares’. Isso é como a direita chama. Não podemos ficar na defensiva em dizer as coisas como elas são por causa de votos errados de um setor da bancada. Além disso, é preciso dizer que também somos contra a dosimetria de penas para os golpistas/assassinos”.

As ruas mostraram que não é legítimo fazer qualquer tipo de acordo no parlamento, e que a justificativa da “garantia da governabilidade” não é “blindagem” para os que se julgam no direito de expor o Partido à desmoralização ao adotarem posições indefensáveis. Além disso, é preciso que os “brilhantes negociadores” baixem a bola e caiam na real. Não podem tudo. É preciso ter conexão com a realidade, capacidade de agir com rapidez na conjuntura e sensibilidade para captar o sentimento social. Ainda bem que, nos últimos dias, a militância e a maioria das direções locais demonstraram ter.

(*) Natália Sena é membra da Executiva Nacional do PT.

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