Por Silvio Queiroz (*)
Escutei e li por algum tempo antes de pingar minha contribuição ao debate que se impôs, antes mesmo da virada de ano, sobre as decisões colocadas diante da esquerda na antessala da crucial eleição de 2022. São questões, conexas até, que se precipitaram na agenda política e ofuscam outras, ao meu ver, preliminares e precedentes – mas a política se tece dos fatos, e portanto é inútil ignorá-los.
Para quem aposta em Lula para encabeçar uma campanha vitoriosa e tirar Bolsonaro do caminho, a pergunta lançada é: o vice na chapa deve ser Alckmin? Ofuscada por essa escolha está a definição do perfil da candidatura e, naturalmente, do programa com o qual se pretende governar. Embora íntimas entre si, são questões que podem andar cada qual com a própria dinâmica.
Em resumo: programa ou alianças. Quem é a carroça e quem são os bois? Qual dos fatores a esquerda deve colocar na frente?
A pouco mais de nove meses do primeiro turno, o propósito de definir o vice com tamanha antecipação seria largar na frente dos adversários. E, possivelmente, agregar base eleitoral ao nome de Lula, que aparece a cada pesquisa mais próximo de atingir o marco da maioria absoluta – ou seja, da vitória em primeiro turno.
A primeira variável a considerar em relação ao tucano recém-evadido do ninho é, portanto, sua densidade eleitoral. Nas intenções de voto para o governo de São Paulo, que ocupou por quatro mandatos, Alckmin aparece na liderança, com alguma folga em relação ao pré-candidato do PT, Fernando Haddad. Mas os resultados do primeiro turno de 2018 sugerem que o ex-governador não consegue repetir o desempenho quando a disputa é pela presidência: mesmo em SP, o eleitorado que lhe daria facilmente um mandato vitalício no Palácio dos Bandeirantes fechou com Bolsonaro, há três anos. Hoje, parte desses votos parece ter migrado para Sergio Moro, em vez de retornar para o antigo “dono”.
Um segundo argumento apresentado em defesa de Alckmin na chapa de Lula é a governabilidade: sua presença, como vice, ajudaria a compor no Congresso uma maioria estável. Evitaria, também, o risco de que se repita a manobra golpista articulada por Michel Temer contra Dilma, em 2016.
Aqui, cabe perguntar: qual será mesmo a bancada sobre a qual o ex-governador teria influência e ascendência política, a ponto de reforçar substancialmente o campo de um futuro e hipotético governo Lula? Saído do PSDB por absoluta falta de espaço, perdido para o sucessor, João (Bolso)Dória, Alckmin ainda não anunciou a nova legenda. Não parece, a essa altura, na posição de chegar a outubro em condições de aportar uma base parlamentar significativa para o futuro governo – isso, para não lembrar que a eleição presidencial está longe de ser fava contada.
Do ponto de vista do PT e, me atrevo a dizer, do campo das esquerdas, a antecipação do debate sobre o vice nem ao menos responde ao interesse mais imediato – o de vencer nas urnas e despachar Bolsonaro. Ao contrário, traz embutida uma possível armadilha política, tanto para a disputa em si quanto, principalmente, para a tarefa posterior de governar o Brasil com a perspectiva de retomar o caminho em direção a um país mais justo, que se desenvolva no sentido de atender as necessidades da classe trabalhadora e da grande maioria até hoje excluída.
O primeiro desafio da caminhada, neste 2022 de tantos marcos históricos, é encontrar o caminho para retomar a marcha empreendida de 2003 a 2016. Sem perder de vista, no entanto, que em política não existem atalhos. Tampouco se pode simplesmente acionar uma tecla de retorno a um ponto qualquer do passado. Em outras palavras: não se trata de “voltar à casa 2016”, como num jogo de tabuleiro, para seguir o trajeto interrompido pelo golpe – do qual, indispensável lembrar, Alckmin foi entusiasta ardoroso, sem que tenha sequer esboçado a mais mínima autocrítica.
É do ponto em que nos encontramos agora, ao fim de três anos de governo Bolsonaro, com a destruição causada ao país, que teremos de traçar um novo mapa. Nas condições políticas reais e presentes.
Debater o programa para o governo que lutamos para reconquistar, com o horizonte no projeto que temos para o país – a construção de uma sociedade socialista e democrática -, é a tarefa do momento. Em função desse programa, ainda que sujeito a ajustes, passaremos a discutir alianças, e não o contrário.
Colocar adiante a escolha de aliados, e mais ainda a definição de uma chapa, pode interessar apenas a quem enxerga a possibilidade de colocar desde já uma bitola estreita nos trilhos de uma candidatura que se aproxima da largada em posição de clara vantagem. Ou, então, acreditaremos que Alckmin, hoje um tucano sem ninho, estaria disposto a empenhar seu alegado peso político e eleitoral em uma aliança sem ter influência na construção do programa.
Trocando em miúdos: para uma parcela da direita, que marchou com Bolsonaro em 2018 mas não se dispõe a naufragar com ele em outubro, se a vitória de Lula se esboça inevitável, melhor abordar o navio e se apossar do leme. Vale o lema adotado pela fração da oligarquia que, em 1930, rompeu com a política café-com-leite da República Velha e subiu no trem de Getúlio: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.
Nada no calendário oficial do processo obriga o PT sequer a debater agora a composição da chapa presidencial. Isso para não mencionar o indispensável debate interno partidário sobre o projeto para #Lula2022, que deve preceder qualquer decisão sobre alianças. Tampouco a dinâmica política recomenda pressa para atrelar os bois à carroça. Colocá-la à frente só pode interessar a quem quer ver a boiada puxando a carroça para trás.