A construção do Partido dos Trabalhadores

Por Egydio Schwade

O Partido dos Trabalhadores foi a síntese de milhares de reuniões sobre política local, regional, nacional e internacional, país afora. Envolveu os movimentos sociais em todas as regiões. Foi construído por maiorias e por minorias. Não foi apenas um feito dos operários do ABC, nem dos sindicatos urbanos. O próprio Lula, repetidas vezes reconhece, alerta e insiste nisso. Como ainda na recente entrevista ao Mano Brown. Talvez, nem devesse se chamar Partido dos Trabalhadores. O conceito “trabalhador”, conduz a equívocos, excluindo na prática, segmentos da sociedade ou desvalorizando outros que muito contribuíram na sua construção e luta. Um conceito mais abrangente como, Partido da Terra, talvez, fosse mais acertado. Mas isso é o menos!

Os fundadores do PT objetivaram transformações estruturais da sociedade e da face da Terra que não cabem apenas em uma luta de trabalhadores urbanos. Vislumbrou-se um novo paradigma de convivência humana mais solidário; uma Reforma Agrária, para superar o sistema vigente desde as “capitanias hereditárias”; um outro trato e cultivo da terra, juntando as sementes de modelos socialistas em prática nos povos originários e quilombolas, com aqueles trazidos pela gente humilde, expulsa de outros continentes, pelo mesmo sistema concentrador do capital, implantado aqui pelos portugueses…

Entre 1980 e 1987, minha esposa e eu, ajudamos a construir o PT no Amazonas, em especial, nos municípios do Baixo Amazonas e aqui em Presidente Figueiredo. Atuamos nos Sindicatos Rurais e nas Comunidades Eclesiais de Base do Amazonas e de Roraima. Muitas das primeiras reuniões do Partido em Itacoatiara, se realizaram em nossa casinha de madeira, no bairro do Iraci. Não nos filiamos nesse período.

Depois, durante os primeiros dois anos da assim chamada Nova República, autorizados pela FUNAI, trabalhamos em aldeia dos índios Waimiri-Atroari ou Kiña, como se autodenominam. Uma experiência inesquecível para a nossa família. Convívio com um povo que pratica o socialismo que o PT aspira como raiz de sua existência. Na prática do poder, os trabalhadores urbanos das diferentes categorias, muitas vezes, marginalizam os segmentos rurais que já praticam o que os partidos socialistas se acham no direito e no dever de pregar.

Pelo fato de nos dedicarmos à gente mais marginalizada, mais despojada de seus direitos na terra brasileira e no meio deles, encarnados em sua realidade, acabamos sofrendo as perseguições que eles há séculos vem passando. Tão duras e arbitrárias como aquelas que sofremos na Ditadura Militar. Ao final, fomos expulsos, da área indígena pelo Governo, por alfabetizarmos os Kiña na sua língua materna, pelo método Paulo Freire.

Nos estabelecemos então aqui, no município de Presidente Figueiredo, território que por direito pertence ao povo Kiña, porque foi recentemente invadido e desmembrado pelas Forças Armadas. As perseguições continuaram. Em 1987, fomos alvos de uma companha difamatória nacional, financiada pela Mineradora Paranapanema, invasora e saqueadora do Território Waimiri-Atroari. Campanha assumida pelo jornal, O Estado de São Paulo e orquestrada por toda a mídia hegemônica nacional. O Jornal O Estado de São Paulo, por sinal, me conhecia muito bem. Já havia dado dezenas de entrevistas a seus jornalistas quando Secretário Executivo do CIMI-Nacional. Mas ali me tratou como se fosse um estrangeiro e estranho. Foi neste clima de calúnias e de perseguições, sem obter espaço e direito à defesa que minha esposa e eu, nos voltamos aos agricultores familiares marginalizados e valorizando os nossos títulos de cidadãos brasileiros e juntos, criamos e nos filiamos ao PT.

Em 1988`éramos só 56 filiados no município. Apenas uma família possuía carro. Mesmo sem chances de vitória, concorremos com candidatos próprios a prefeito, vice e vereadores, contra as estruturas do poder e do dinheiro. Nossos candidatos: 3 peões de fazenda, dois operários, duas agricultoras e 4 agricultores. Não vencemos, mas assustamos porque marcamos presença com uma nova visão de poder. O susto foi tao evidente que nossos concorrentes, à frente a ‘Justiça Eleitoral”, nos meses que se seguiram ao registro de nossos candidatos, “acharam” 11.343 eleitores no município que possuía então apenas 8.185 habitantes, segundo o IBGE.

Tenho certeza que se o PT-Nacional, em 2010 tivesse indicado para vice da Dilma, Genésio Bezerra, então o agricultor mais pobre da estrada de acesso à Hidrelétrica de Balbina que foi o vice da chapa do PT em 88 aqui, não teríamos hoje o pior Presidente da República que o país já teve.

A campanha eleitoral de 89, a mais linda que o país já teve, se baseou sobre os princípios acima postos. Daí o seu surpreendente sucesso!

Casa da Cultura do Urubuí, 15 de novembro de 21,

Egydio Schwade


(*) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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