A decisão de Facchin e algumas reações

Por Marcos Jakoby (*)

A decisão do Ministro Facchin, anulando as condenações contra Lula e, por decorrência, devolvendo-lhe os direitos políticos, suscitou muitas reações e movimentos, da extrema-direita à esquerda. Da direita, não se esperava outra coisa que se não os típicos ataques e desqualificação do presidente Lula. O curioso é que, embora seja a maior liderança popular no país e encarne a esperança de milhões de trabalhadores para derrotarmos a barbárie neoliberal, há certo desconforto em setores da esquerda, não com a decisão em si, mas com a possibilidade de que Lula dispute as eleições.

Mas, comecemos pela direita, onde há que se destacar algumas manifestações, à exemplo do Clube Militar. O general Eduardo José Barbosa, que preside a entidade, publicou, ainda na segunda-feira (8), uma nota onde faz ataques ao STF e a Lula. O tom e o palavreado dela não deixam dúvidas de como os militares da reserva, representados pelo Clube, receberam a decisão. Mais longe ainda foi outro general, que também publicou no site do clube, texto em que agita uma ameaça golpista se a decisão não for revertida. O artigo recebe o título de “Aproxima-se o ponto de ruptura”.

Luiz Eduardo Rocha Paiva, que assina o referido texto, diz que “O STF feriu de morte o equilíbrio dos Poderes, um dos pilares do regime democrático e da paz política e social. A continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de ruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas (FA) serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”.

Já o comando das Forças Armadas, segundo a grande mídia, “não teria gostado” da decisão, mas que iriam evitar se manifestar publicamente, por conta do desgaste sofrido com as declarações recentes de Villa Bôas que envolveu todo o comando do Exército nas articulações golpistas que levaram à eleição de Bolsonaro.

Por sua vez, o “mercado”, leia-se o capital financeiro, “vê que por enquanto risco fiscal é maior com Lula do que com Bolsonaro” pois a “presença do ministro Paulo Guedes no governo é vista como proteção ao teto de gastos”. Nenhuma novidade. Contanto, que a política e as reformas neoliberais estejam em curso, não importa a estes se a política genocida e a crise social vitimem milhares de brasileiros.

O oligopólio da mídia alardeia a tese de que Lula “de volta ao jogo” beneficiaria Bolsonaro, pois ele “precisa da polarização” para se manter viável politicamente e que isso encaminharia as próximas eleições presidenciais para um cenário em que o “centro” (a direita tradicional que está na “oposição”) teria menores chances de vitória. Ou seja, em seu discurso, corre-se o “risco” de Bolsonaro reeleger-se e “a culpa seria do PT”.

Ela também usa a tese falaciosa dos “extremos” que se equivalem, quando na verdade prefere e se abraça ao bolsonarismo para derrotar o PT. Essa ladainha é repetida por outros setores da direita, que sustentam a agenda econômica e social do governo Bolsonaro, mas que querem uma alternativa de governo, onde não haja “polêmicas e crises desnecessárias” que atrapalhem a agenda ultraliberal.

Esse discurso, com variações, parece influenciar alguns destes setores da esquerda. Por exemplo, Antonio Martins, editor de Outras Palavras, escreve um texto em que afirma que com a decisão que restitui os direitos a Lula “o maior risco é de uma polarização despolitizante, semelhante à que se deu às vésperas das eleições de 2018. À época, o confronto petismo x antipetismo serviu à direita. A opinião pública colocava-se maciçamente contra o golpe de 2016.”

A conclusão que extraio desse raciocínio é de que como “a opinião pública colocava-se maciçamente contra o golpe de 2016”, a vitória de Bolsonaro foi uma decorrência da candidatura petista, que forneceu a “polarização despolitizante” de “petismo x antipetismo”. Em outras palavras, se não houvesse candidatura petista, Bolsonaro não seria eleito. Argumento similar ao da direita e de Ciro Gomes para chantagear o PT, para que este abra mão de seu protagonismo.

Não sei o que exatamente Antonio Martins quer dizer com “opinião pública”, mas se incluirmos nela os grandes meios de comunicação e sua influência, não creio que existisse uma opinião “maciçamente” contrária ao golpe em 2018. Por outro lado, a polarização realizada pela direita e pelas classes dominantes do nosso país será sempre “despolitizante”, esperar dela uma polarização civilizada é uma autoilusão. Que o digam as campanhas de Manuela, Boulos e Marília Arraes em 2020, que, independentes de serem petistas ou não, sofreram com campanhas e ataques similares em seu tipo aos desferidos contra o presidente Lula.

Já o PCdoB em nota  saúda a decisão de anulação das condenações, mas afirma que “neste contexto, seria péssimo para o país, se essa importante conquista de Lula viesse a resultar em condutas que sobrepõem os interesses do Brasil e de seu povo a outros menores e que venha reavivar polarizações que já se revelaram úteis à tática política e eleitoral da extrema-direita.”

A questão é que a polarização tão condenada, por setores da direita à esquerda, não é uma opção exclusiva da esquerda. Muitos não se dão conta de que a dinâmica de radicalização do cenário político foi imposta pela direita na esteira da crise de 2008, sobretudo a partir do segundo turno de 2014, quando não aceitaram a quarta derrota eleitoral. Mesmo com nossos governos moderados, que melhoraram a vida do povo, mas que não foram radicais, e as concessões feitas em 2015 (todos devem se lembrar de Joaquim Levy) a direita e as classes dominantes partiram para uma ofensiva golpista e uma polarização “despolitizada” desde então.

Por quê? Porque as classes dominantes brasileiras não toleram, mais do que por um breve período e em condições excepcionais, um governo e um projeto orientado em reduzir as desigualdades sociais, ampliar a democracia e estabelecer uma política externa soberana. Mesmo que esses governos não façam reformas que mexam com as principais estruturas de poder e a riqueza dos capitalistas.  E as condições excepcionais deixaram de existir com a crise mundial que se abriu em 2008.

Esse espantalho agitado pela “direita tradicional”, de que não podemos polarizar, é uma operação para que abrimos mão de combater o programa ultraliberal e para que não tenhamos protagonismo no combate ao governo Bolsonaro. Ou nos submetemos a ela numa frente ampla e/ou a ser linha auxiliar, ou Bolsonaro se elege e a culpa é nossa, mesmo que ela tenha aberto caminho a Bolsonaro e sustentado a política econômica e social de seu governo. Uma armadilha na qual não podemos cair. A nossa saída é derrotar a direita e as classes dominantes de conjunto.

(*) Marcos Jakoby é professor e militante do PT


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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