A democracia interna do PT em questão

Por Erick Kayser (*)

Texto publicado na edição 283 do jornal Página 13

Após uma longa espera, o PT renovou suas direções partidárias em 6 de julho através de seu Processo de Eleições Diretas (PED). A mais longeva direção do PT, que devido a manobras da maioria da direção nacional, ao arrepio do estatuto, teve a duração de seu mandato prorrogada, está chegando ao fim.

O modelo híbrido testado em 2019, com eleições diretas nos municípios e congressual nas etapas estaduais e nacional, foi abandonado este ano. Foi adotado um “PED de verdade”, como bradavam seus defensores, com eleições diretas em todos os níveis. Alguns de seus defensores apostavam que um modelo assim permitiria um deslocamento “silencioso” de setores descontentes da maioria, podendo alterar a correlação de forças internas. Na prática, se viu o oposto, com uma “centralização pelo alto” da maioria, transferindo as cisões internas para as disputas nos estados.

Assim, a vitória de Edinho na presidência nacional do PT não foi surpresa. Mesmo com as turbulências iniciais que envolveram sua indicação internamente na CNB – amplamente expostas na grande mídia –, após a definição de seu nome pela corrente majoritária, agregando ainda apoios de setores que no PED passado estiveram no campo crítico à direção majoritária, colocaram Edinho numa condição de favoritismo, depois confirmado ao atingir 73% dos votos.

Quanto às demais candidaturas à presidência nacional do PT, Romênio atingiu 11,4%; Rui Falcão, 11,2%; e Valter Pomar, 4,4%. O papel desempenhado no PED por cada uma dessas candidaturas mereceria um capítulo à parte, mas deixemos para outro momento. O fundamental agora, ao debatermos o balanço deste PED, é avançarmos para uma compreensão do saldo político geral do processo para o Partido.

Numa primeira observação pontual, em termos organizativos, foi um PED com muitos problemas. Com falhas desde seus aspectos normativos, com um regimento que precisou sofrer inúmeras emendas para corrigir seus problemas de elaboração; passando por diversas dificuldades operacionais, como o atraso no envio das listas de filiados aptos etc. Contudo, sabemos que os problemas deste PED não se resumiram a esta esfera de questões.

O ponto central é que este PED representou, em seus próprios termos, uma regressão. Até a ideia de renovação ficou comprometida ao suspenderem o limite de reeleição de dirigentes partidários, um importante avanço democratizante. Outro erro grave foi o fim da necessidade de contribuição financeira dos filiados para votarem, ficando restrita a obrigatoriedade a detentores de cargos eletivos, cargos comissionados e dirigentes estaduais e nacionais. O PT, desta forma, abdica da participação de seus filiados na sua sustentação financeira, um erro de natureza estratégica para um partido popular.

Mesmo que não houvesse estes retrocessos organizativos, o PED, em si, é um formato problemático para um partido de esquerda e socialista renovar suas direções e exercitar sua democracia interna. Na sua própria concepção, o PED desestimula o esforço de sínteses políticas e aguça uma lógica de disputa pela força. Onde os grupos que possuem maior capacidade de mobilizar “máquinas” eleitorais levam vantagem, não raro gerando inúmeras deformidades políticas, materializadas em práticas que há muito não são mais aceitas nem nas eleições burguesas.

Assim, não é por acaso que os debates sobre a organização e o programa partidário ocorreram de forma insuficiente neste PED. A despolitização inerente ao formato de eleição leva a que discussões estratégicas sobre os rumos do Partido fiquem secundarizadas. Assim, é fundamental que o PT faça uma discussão para alterar e qualificar seu formato de eleições internas.

O PT precisa superar os limites do modelo liberal de democracia simbolizado no PED. Mais do que isso, o papel dessas mais de 548 mil pessoas filiadas ao PT que participaram do PED este ano não pode se resumir a votar em uma urna a cada quatro anos.

A Democracia Petista precisa ser reinventada. Em nossas origens, houve práticas de organização política virtuosas que merecem ser resgatadas e ressignificadas para a atual realidade do PT em seus 45 anos de história. Assim como criar novas ferramentas e espaços de participação da base, com poder decisório, que estimulem uma cultura militante. Somente com mais democracia interna teremos um Partido à altura dos desafios da conjuntura.

(*) Erick Kayser é secretário-geral do PT de Porto Alegre e militante da Democracia Socialista (DS).

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