Por Gabriel Cavalcante (*)
O atual comandante-geral da Polícia Militar da Bahia, Paulo Coutinho, anunciou, em julho de 2023, a expansão do número de policiais militares a uma taxa anual de 2 mil novas vagas, totalizando 8 mil até 2026. Levando-se em conta as evasões, a perspectiva do comando é expandir a tropa em pelo menos 6 mil novos policiais. O ideário da expansão do policiamento como método de tratamento da questão da violência acompanha as representações do governo estadual desde o governo Wagner.
Em 2008, o efetivo no estado era de 27 mil policiais e a “meta” na época era a de expandir o efetivo em 10 mil novos membros da força em 10 anos, de modo que hoje, com 44 mil homens e mulheres, o objetivo elencado pelo governo é de expandir a tropa em mais 6 mil até o final do mandato. Contraditoriamente, ao longo desse período de expansão do policiamento, a Bahia experimentou expansão dos índices de violência, com a taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes aumentando cerca de 40% no período, atingindo 47,1 em 2023, o que levou o estado ao segundo pior índice, atrás apenas do Amapá.
A Bahia enveredou pela lógica da guerra às drogas nos últimos anos, de modo que obtém o título de ter a PM que mais mata no país, tendo eliminado 1.464 pessoas em 2022, ultrapassando o Rio de Janeiro. Em 2015, o número de mortes promovidas pela PM era então de 354, o que implica numa escalada de repressão violenta como política de Estado. Enquanto o investimento do estado se localizou em viaturas, câmeras de vigilâncias coletes à prova de balas e fuzis, a Bahia permanece com a segunda pior taxa de resolução de crimes de homicídio do país, com 17,2% dos homicídios resolvidos.
Por outro lado, ao se analisar retrospectivamente, em paralelo à crescente onda de investimento nas polícias, tanto em expansão salarial quanto em equipamentos, houve a conflagração de greves políticas na Bahia e a organização dos trabalhadores das forças policiais em associações. No entanto, colocado em perspectiva o ascenso do bolsonarismo, a reprodução ideológica dos policiais é emulada em torno da lógica fascista, como expressão política, tanto individual quanto coletiva, de extrema-direita, como se observa na denominada Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (ASPRA) e de sua liderança mais proeminente, o ex-deputado estadual Soldado Prisco. A ascensão de Prisco à Assembleia Legislativa representou a conexão entre o movimento reivindicatório das forças policias aglutinado em torno de expressão fascistóide por excelência, mas não é, no entanto, caso isolado, como se observa na proliferação de militares eleitos deputados no último período.
A anunciada deflagração da guerra de facções, que seria razão para a onda de violência recente que atravessou Salvador, representaria, então, somente um momento específico de complexificação de um processo de alastramento da violência que se prolonga há alguns anos. Observa-se a existência de pelo menos dez facções disputando os territórios de Salvador, com oito delas fundadas no estado e duas delas vindas de fora e reproduzindo um conflito nacional: Comando Vermelho e PCC. Assim, a fragmentação do crime organizado desencadeia atritos violentos e mortes em confrontos entre as próprias facções e entre estas e o comando do Estado. A disputa entre as facções, no entanto, não se resume à capital do estado, de modo que municípios como Jequié, Santo Antônio de Jesus e Feira de Santana estão no topo dos rankings dos municípios onde ocorrem mais mortes violentas do país.
Existe, no entanto, uma face invisível, ou pelo menos pouco explorada midiaticamente, da expansão da violência no estado da Bahia: a disputa por terra nos territórios rurais. Comunidades tradicionais, trabalhadores da agricultura familiar deparam-se com a violência derivada do latifúndio. A violência rural se espalha, por exemplo, pelo litoral sul do Estado e pelo recôncavo baiano. Em Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália e Eunápolis, a média de mortes violentas por 100 mil habitantes chega a 57,7 em 2022. No mesmo ano, a Comissão Pastoral da Terra registrou 211 conflitos por terra na Bahia, envolvendo 8.700 famílias, figurando o estado como o terceiro mais violento do país quando se trata do campo.
A relação entre campo e cidade expõe uma interação indissociável na qual a violência em torno dos conflitos pela terra e a expressão da violência nas grandes cidades aparecem interligadas. Na Bahia, o latifúndio expulsou historicamente as comunidades camponesas que, ao refluírem para as cidades, fizeram surgir conglomerados favelizados e territórios periféricos atravessados por violência.
O quadro de mortes violentas na Bahia expõe, então, uma face racista e classista, em que corpos pretos e periféricos são sacrificados em meio ao confronto generalizado entre facções e o aparato do Estado. Mudar esse quadro requer uma alteração de 180 graus da política de segurança pública do governo do estado, em que a lógica de guerra seja substituída por uma lógica de promoção dos direitos humanos básicos e em que a aposta na repressão policial seja substituída por políticas de inteligência investigativa.
(*) Gabriel Cavalcante é advogado e militante da Articulação de Esquerda Bahia.