Por Fausto Antonio (*)
O 13 de maio de 1888 é a história do presente e/ou um pêndulo que revela, de um lado e em movimento, o passado marcado pelo trabalho escravizado e, na passagem de trabalho escravizado para o trabalho livre, a manutenção de privilégios para brancos (as) no Brasil. Numa síntese, os trabalhadores (as) escravizados (as) perderam, no processo da abolição hegemonizado pós 1870 pelas oligarquias escravizadoras, a condução do projeto, que no final estabeleceu os marcos para a segregação espacial de milhões de negros e, sobretudo, estabeleceu as estruturas racistas e de brutal violência presentes e persistentes no país.
A operação policial racista na favela de Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 06 de maio de 2021, é o 13 de maio como história do presente. O sistema racista à brasileira combina historicamente, de modo ímpar, segregação espacial e violência policial. A execução de 28 negros na favela de Jacarezinho não é um fato isolado; os morros, favelas, cortiços, alagados, ocupações e os bairros, segregados racialmente, são o alvo cotidiano da violência estrutural e policial racista. O território usado por milhões de brasileiros negros é igualmente o alvo e, no quadro de vida da negrada, jovens negros são executados, sob pretextos diversos, o que se configura como uma política do Estado brasileiro, que é operacionalizada pelo sistema policial e militar, o sistema judiciário, o sistema de comunicação hegemônico, a burguesia nacional branca e parcela representativa da classe média branca e branqueada.
O 13 põe em destaque a necessidade impostergável da constituição de um movimento antirracismo. O obstáculo, relevando que há uma baixíssima adesão de brancos (as) ao antirracismo, passa pela transformação da esquerda que usa apenas a tarja contra o racismo e, a rigor, não organiza os trabalhadores (as) e, sobretudo, os negros (as) para a superação do racismo. Na outra margem, temos as insuficiências dos movimentos negros brasileiros, que não historicizam, com a devida força, o combate ao racismo nas conjunturas. É necessário realizar a luta nos processos conjunturais, pois eles materializam as estruturas racistas existentes no Brasil. É o caso, por exemplo, do golpe branco de 2016. O que fizeram, de modo organizado e com unidade política antirracismo e antigolpe, os movimentos negros brasileiros? Muito pouco ou nada.
Existem problemas, no que toca aos movimentos negros e aos coletivos de negros (as) dos partidos de esquerda, que ficam sempre para depois. Numa síntese, os coletivos servem apenas, de modo estabilizado, para instrumentalizar certas correntes, viabilizar a disputa interna e a eleitoral. Há coletivos, é o caso dos coletivos de negros (as|) do PT, que se reúnem tão-somente às vésperas dos processos eleitorais. Outra constante à esquerda, no tocante aos coletivos de negros (as), revela uma posição reducionista que enfatiza a luta de classes e invisibiliza as dimensões racistas, isto é, a posição reafirma o mito de democracia racial. Existe apenas a opressão de classe; logo a organização de negros (as), dos trabalhadores (as) é, numa urdida reafirmação da classe sem cor ou universal branca, relegada à invisibilidade de raça, racismo e branquitude, por exemplo. A cor da classe é problema e dilema, o que gera, em tais coletivos negros, posições profundamente esquizofrênicas. Os coletivos, assim dirigidos pelas cúpulas brancas de esquerda, não querem e não organizam negros (as) e trabalhadores (as) para o processo revolucionário a partir do antirracismo e do capitalismo instituído no Brasil.
Para completar e ainda não encerrar o círculo de dificuldades, temos no Brasil o movimento negro ongnizado. Há nesse campo um rosário de entidades que jamais farão luta, além das inclusões consentidas nos limites do capitalismo, para mudar a estrutura racista brasileira. Quais as entidades “representativas” dessa ongnização? As organizações carnavalescas e culturais da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, com raras exceções, estão nesse campo. No contexto mais amplo do Brasil, o rosário de movimentos negros que não são na perspectiva do antirracismo, anticapitalismo e anti-imperialismo é maior ainda.
Por fim, há entidades de alcance nacional, organizadas em alguns estados da federação, que não apresentam um programa para superar o racismo e, além das críticas ao papel insuficiente e brancocêntrico da esquerda, não apresentam as bases para uma organização e intervenção nacional contra o racismo. É por conta desses posicionamentos que a história do presente, a operação racista na favela do Jacarezinho e/ou o golpe branco de 2016, não impulsionam uma convulsão negra revolucionária e um projeto de poder.
(*) Fausto Antonio é professor da Unilab – BA, escritor, poeta e dramaturgo.