Por Valter Pomar (*)
O PT tem vários intelectuais.
Um deles é Alberto Cantalice.
Está sempre buscando interpretar os acontecimentos.
E usa, como um dos meios para difundir suas conclusões, o X.
Uma de suas postagens mais recentes no X diz assim: “Os 40 anos de neoliberalismo produziram uma catástrofe no Modo de Produção Capitalista. Hoje no mundo somente duas alternativas se apresentam: o Fascismo de Trump, Meloni, Bolsonaro, Milei, Le Pen. Ou o Socialismo-Democrático de Lula, Sánchez, Sanders, Boric, Petro, Lopez Obrador. Tendo a China como um caminho do meio”.
Deixa eu ver se eu entendi.
Tem o “Modo de Produção Capitalista”, com maiúsculas.
Como grafavam alguns manuais, o MPC.
Aí aconteceu uma catástrofe “no” MPC.
Quem produziu a catástrofe?
Segundo Cantalice, “os 40 anos de neoliberalismo”.
Cantalice não fala sobre como essa “catástrofe” teria distribuído seus efeitos sobre os diferentes setores sociais.
Na ausência desse “detalhe”, alguém pode achar que, antes do neoliberalismo, vivíamos num paraíso, agora perdido.
Segundo Cantalice, como resultado da “catástrofe” neoliberal, hoje no mundo só teríamos duas alternativas: “fascismo” ou “socialismo-democrático”.
Se entendi bem, trata-se de uma versão muito esquisitona e um pouco descafeinada da disjuntiva “socialismo ou barbárie” de Engels, citado por Rosa Luxemburgo.
A disjuntiva versão Cantalice é “fascismo ou socialismo democrático”. Fascismo com F maíusculo e Socialismo-Democrático com maíusculas e hifen!
A disjuntiva é esquisitona, entre outros motivos, porque Catalice pula da categoria “Modo de Produção Capitalista” para fascismo/socialismo-democrático e, depois, salta para líderes individuais.
A disjuntiva é descafeinada, porque há um certo abismo entre o socialismo de Engels/Rosa e o de Cantalice.
Mas seja lá o que for o socialismo-democrático-segundo-Cantalice, evidentemente ele exclui desta categoria líderes que não considera muito democráticos.
Entretanto, como ficaria ridículo fazer uma disjuntiva sobre o mundo atual e excluir a China da equação, resta a Cantalice fazer um puxadinho no seu mapa do caminho, colocando a China como um “caminho do meio”.
Curiosamente, em todos os outros casos ele cita nomes de pessoas, nesse caso ele cita o nome do país: a China.
Sei que a China foi conhecida no passado como “Império do Meio”, mas o que mesmo Cantalice quereria dizer com “caminho do meio” no ano de 2024, no contexto da tal disjuntiva por ele estabelecida?
Difícil responder.
Afinal, “caminho do meio entre fascismo e socialismo-democrático”, do ponto de vista político, deveria ser a democracia burguesa ou liberal ou como queiram chamar. A China não é isso, evidentemente.
Seria então um “caminho do meio” do ponto de vista econômico?
Se o critério for a presença de empresários capitalistas privados, em todos os países citados eles existem e passam muito bem, obrigado. Por este critério, não consigo imaginar como a China foi parar no “caminho do meio”.
Se o critério for a presença do Estado, em todos os casos citados a presença do Estado é menor do que na China. Portanto, tampouco vejo como colocar a China no “meio”.
Enfim, mexo, remexo e não consigo entender a lógica do argumento de Cantalice.
O que era esquisito, agora começa a virar um pouco bizarro.
Não apenas porque caberia muita discussão sobre em que medida os líderes citados por Cantalice se enquadram no tal “socialismo democrático”.
Não apenas porque a disjuntiva cancela a existência da turma do Biden, que há apenas 4 anos era apresentado como alguém que iria, diziam, “provocar uma revolução no capitalismo”.
Não apenas porque se fala da extrema-direita fascista, omitindo a existência da direita tradicional.
Mas principalmente por dois motivos adicionais.
A saber:
1/ alguém acredita que os desdobramentos de curto prazo da atual situação mundial cabem dentro das duas “alternativas” indicadas por Cantalice? Onde situar, na “disjuntiva-de-Cantalice-com-caminho-do-meio, Putin/Rússia? E a Índia? E a África? E…
2/ alguém acredita mesmo que a saída de médio prazo para a “catástrofe” causada pelo neoliberalismo seria um Modo de Produção Capitalista com mais democracia e políticas sociais?
Talvez a resposta esteja nos Tuítes Completos do Cantalice.
Mas temo que lá só haverá tuítes.
Aliás, X.
E X me lembra que a verdade está lá fora.
Bem longe de certas postagens.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório naiconal do PT
Uma resposta
Sempre irônico e preciso né, Valter!? Bom texto.