Por Valter Pomar (*)
Saudades dos tempos em que nos engalfinhávamos publicamente em torno da estratégia, do programa, da tática, da política de alianças.
Agora para alguns a pauta principal é outra: o fundo eleitoral, o fundo partidário, a grana.
Não deixa de ser uma homenagem torta ao Lênin, que dizia algo mais ou menos assim: organização é política concentrada e política é economia concentrada. Mas tenho a impressão de que, ao falar de economia, Lênin tinha em vista algo um pouco mais amplo do que a tesouraria do Partido.
Saudades dos tempos, também, em que a luta interna se dava entre as chamadas esquerda e direita do Partido. Hoje, grande parte da disputa pública está se dando entre dois setores da CNB, que ao menos aparentemente estão de acordo quanto à linha política, mas também aparentemente divergem quanto ao controle da tesouraria.
Destaco o aparentemente, porque é óbvio que também existem divergências políticas. Mas infelizmente para eles e para o Partido, não é isso que sobressai, como se pode ler nas imagens que ilustram este texto.
Estou entre aqueles que acham legítimo debater as finanças do Partido. Mas é preciso fazer o debate de conjunto. Por exemplo: além de debater o que fazer com os fundos públicos, é preciso debater como reconstruir as finanças militantes.
Nosso partido tem 3 milhões de filiados. Com uma pequena doação de cada um, seria possível arrecadar uma soma muitas vezes maior do que o fundo partidário. Isso nos permitiria fazer mais política nos anos ímpares e, óbvio, chegar em melhores condições nos anos pares. Mais importante ainda, ter finanças militantes nos libertaria da dependência em relação ao Estado. Sem falar do constrangimento implícito na defesa de um fundo eleitoral bilionário e, também, do erro político que consiste em defender que partidos recebam recursos públicos para seus gastos cotidianos.
Infelizmente a CNB apoiou, no congresso partidário realizado em 2015, uma resolução que eliminava a obrigatoriedade da contribuição militante, que passou a ser restrita a apenas alguns segmentos do Partido. A CNB quer debater as finanças partidárias? Então sugiro começar pelo começo, reconstruindo nossas finanças militantes.
A CNB, ou uma parte dela, considera que há problemas na distribuição do fundo partidário e do fundo eleitoral? Perfeito, debate legítimo e necessário. Mas que tal começar admitindo ser inaceitável que desde 1995 uma mesma e única tendência controle a tesouraria? Explico: desde 1995, o setor do Partido que hoje usa o nome de CNB já abriu mão de todos os cargos partidários, já abriu mão até mesmo da presidência do Partido. Mas nunca, nunca, absolutamente nunca abriu mão da tesouraria.
No congresso do PT realizado em 2017, diante da enorme gritaria contra este monopólio, a CNB aceitou a instituição de algum tipo de controle. Mas o tesoureiro da época esvaziou este controle e absolutamente nada mudou. Portanto, no que me diz respeito, o principal problema existente na condução da secretaria não está nesta ou naquela pessoa, nesta ou naquela decisão: o problema está no monopólio da CNB.
A tudo isso adiciono outra questão: a tentativa que faz uma parte da bancada de deputados federais, de assumir o controle do fundo eleitoral. Há outras questões que precisam ser debatidas quando se fala de finanças, mas paro por aqui.
Entretanto, para não dizer que não falei de flores: o presidente Humberto Costa afirmou – em entrevista ao jornal Valor, conforme matéria publicada no dia 24 de março – que “todos os atos da Secretaria de Finanças nas eleições foram votados e referendados pelo diretório nacional e pelo GTE”. Há pelo menos um caso em que isto não ocorreu: a doação feita à Marta Suplicy, para ajudar na campanha de Boulos.
Havia divergências no GTE, ficou combinado que seria convocada uma reunião da executiva do Partido para deliberar. Mas antes que a reunião da executiva ocorresse, a transferência financeira foi feita. Dado o montante envolvido (dezenas de milhões de reais) e dada a divergência, é um escândalo que isso tenha sido feito desta forma. Mais escandaloso ainda fica, quando lembramos que bastaria convocar uma reunião virtual da executiva.
Entretanto, vejam que curioso: neste caso o atropelo não foi cometido apenas pela atual tesoureira ou apenas por um setor da CNB. O atropelo foi cometido pelo conjunto da CNB, que agiu com base na teoria da maioria presumida. O que só confirma o que foi dito antes: o problema está no monopólio, monopólio que vem desde 1995. E o uso do cachimbo, como se sabe, deixa a boca torta.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT
***