Por Douglas Martins (*)
No dia 4 de agosto, a Federação Brasil da Esperança realizou sua convenção municipal em Santos (SP), confirmando a coligação entre PT e PDT para a disputa da Prefeitura da cidade. A chapa é encabeça por Telma de Souza, ex-prefeita pelo PT (1989-92), e tem o médico Márcio Aurélio, do PDT, como candidato a vice-prefeito. A coligação majoritária é apoiada pela Federação PSOL/Rede e articula várias siglas do campo democrático na importante frente eleitoral para as eleições deste ano. O campo democrático vai unido para a disputa municipal.
Para a Câmara Municipal, que possui 21 cadeiras, a Federação Brasil da Esperança (PT/PCdoB/PV) apresentará uma chapa com 15 candidaturas, sendo 13 do PT e duas do PCdoB. Ou seja, o Partido dos Trabalhadores representa 86% da chapa proporcional. O Colégio Eleitoral de Santos reúne 354 mil eleitores, sendo a cidade com maior número de votantes da Baixada Santista. As abstenções atingiram 33% em 2020. A média de idade dos habitantes de Santos é de 42 anos e o perfil econômico da cidade é cada vez mais vinculado ao setor de serviços.
Atualmente, a esquerda detém três dentre as 21 cadeiras da Câmara Municipal, sendo duas do PT (Francisco Nogueira e Telma de Souza) e uma do PSOL (Débora Camilo). Com a saída de Telma para a disputa majoritária, o PT enfrenta o desafio de ampliar a representação parlamentar com sua chapa proporcional. Importante salientar que, na chapa do Partido dos Trabalhadores, 12 postulantes se candidatam pela primeira vez e parte destes ingressou no Partido recentemente, durante a dinâmica da disputa eleitoral.
“A Santos Que A Gente Quer” é a consigna programática da Frente, abrangendo os temas considerados estratégicos na disputa eleitoral municipal. Trata-se de um Plano de Governo elaborado coletivamente, apresentando uma abordagem, nos termos do documento, “solidária, inclusiva, com serviços públicos eficientes e com toda a sua população usufruindo do seu desenvolvimento”. É um enfoque que busca fazer contraponto às características das gestões de direita que se sucedem há décadas na cidade.
O documento vai direto aos itens programáticos com propostas específicas. Contudo, para entender essas propostas em seu conjunto, é preciso recorrer à abordagem
conjuntural. Para onde foi a Santos nas últimas três décadas de neoliberalismo e como se definiram as forças políticas em luta? Qual o perfil da cidade que o PT vai debater nestas eleições e como atuam as forças em disputa? Que setores se fortaleceram politicamente? Evidentemente, o perfil socioeconômico da Baixada Santista mudou desde os anos 1990.
A Santos moldada pelo conservadorismo
Santos tem hoje 433 mil habitantes, um orçamento de R$ 5 bilhões, IDH municipal de 0,840 (acima do Brasil, que é de 0,759). O salário médio santista gira em torno de R$ 2,1 mil mensais. Possui 77 mil empresas ativas e sedia o maior porto do país que, em sua página eletrônica, diz empregar 33 mil pessoas entre contratos diretos e indiretos. A Autoridade Portuária de Santos (APS) é controlada pela União e foi mantida sob o controle estatal à custa de resistência social garantida na eleição de Lula.
Há duas décadas, a cidade é governada por grupos de direita empenhados em apagar as marcas históricas legadas pelas duas administrações do PT, com Telma de Souza (1989/1992) e David Capistrano (1993/1996). As administrações petistas à época inovaram com paradigmas consistentes de modelo de gestão democrática e popular na saúde, educação, mobilidade urbana, meio ambiente, habitação, defesa civil entre outros. Foram marcas transformadoras em defesa da população naquele período histórico.
De 1997 em diante, inicia-se o período de governos de direita alinhados com a ideologia privatista e de exclusão da participação popular, passando-se ao clientelismo e à “desestatização” dos serviços públicos locais com entrega da gestão a Organizações Sociais, como no caso da Saúde, com o repasse das policlínicas criadas por David Capistrano à direção da iniciativa privada. Houve profunda regressão social e destruição do paradigma petista, com o controle da máquina pública pelo poder empresarial local.
A desindustrialização também impactou. Grande parte do contingente do Parque Industrial de Cubatão vivia em Santos. Os sindicatos eram influentes interlocutores políticos nos rumos da cidade. Com o desmonte das indústrias, esse contingente diminuiu e a precarização combinada com a contrarreforma sindical enfraqueceu a interlocução com os trabalhadores. A uberização tomou conta da cidade e, para a administração pública, esses trabalhadores não existem. A necessidade de mobilizá-los via economia solidária é urgente.
Podemos identificar o resultado do longo giro regressivo no abandono da população dos morros desassistida e vitimada por tragédias ambientais recorrentes e previsíveis; na cartelização do transporte público e da coleta de lixo; na ampliação da maior favela de mangue (mais de 35 mil famílias sobre palafitas); na precariedade da saúde pública à sombra do florescimento da medicina empresarial; na higienização da orla e periferização do centro; na brutalização da segurança pública com operações-escudo com apoio da GCM local.
A metamorfose conservadora
A ausência de políticas públicas para responder às necessidades concretas da população fomenta o descrédito. A trajetória político-partidária do reinado da direita alinha PPB (Beto Mansur 1997-2004), PMDB (João Paulo Papa 2005-12), PSDB (Paulo Alexandre Barbosa 2013-21 e Rogerio Santos 2022-24). Esses governos foram continuidade uns dos outros. A rigor, por 27 anos o mesmo consórcio partidário reveza a mesma política de “democracia” sem povo. Esses grupos vampirizam o orçamento municipal.
A turbulência dessa trajetória partiu da extrema-direita nas eleições de 2020. O PSDB venceu com Rogerio Santos no primeiro turno, com 101.268 votos, mas a extrema-direita marcou 37.231 votos com o candidato estreante Ivan Sartori, desembargador aposentado, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, ostentando em seu perfil bolsonarista o orgulho da anulação das condenações do massacre do Carandiru. Foi o prenúncio.
O pêndulo político seguiu para a extrema-direita. Foi a leitura do próprio prefeito atual ao filiar-se ao Republicanos, mesmo partido de Tarcísio de Freitas, para disputar a reeleição. Com o autoconcedido atestado de óbito partidário, Rogério pula de galho para enfrentar Rosana Vale, candidata do PL, apoiada pelo Inelegível e sua tropa. Rosana é deputada federal reeleita em 2022 com 216.437 votos, mais do que os 215.061 votos do ex-prefeito, também deputado federal, Paulo Alexandre, “patrón” de Rogério.
Objetivamente, há uma pressão sobre o grupo hegemônico há tanto tempo líder na política local com a extrema-direita ameaçando sua “paz neoliberal”. Para não perder poder, os liberais (evidentemente, o termo aqui é licença poética) não hesitam em correr para a extrema-direita a ponto de disputar as bênçãos do governador do Estado como neoconvertidos. Esta foi a “solução” encontrada. Nessa posição, defenderão a política nefasta de Tarcísio como alternativa para Santos. Dançarão a dança do acasalamento com o fundamentalismo local.
A cidade viraria de vez território da milicianização da segurança pública, com as operações Escudo e Verão permanentes. Santos tem parte de sua população sem saneamento básico e a situação pioraria com adesão à Equatorial Energia, algoz da Sabesp. Também teríamos escolas na pauta fascista da militarização. A presente campanha eleitoral traduz na cidade o movimento geral de derretimento do centro político. De um lado, a candidata que exibe abertamente seu fervor fascista. De outro, o neoconvertido ao mesmo projeto.
A razão eleitoral do PT
A Frente Democrática reunida em torno da candidatura majoritária do PT ensejará a participação da esquerda pela primeira vez, nestes quase trinta anos, numa eleição em que o centro derreteu. É difícil imaginar a desenvoltura do atual prefeito criticando a candidata bolsonarista, tratando-a como rival, quando ele mesmo se apressa em se improvisar como clone dela. Mais difícil ainda imaginá-lo sem costear o alambrado ao ressurgir o velho ranço antipetista fomentado pelo consórcio partidário que o sustenta.
Nossa candidatura majoritária, a par do legado, deve apresentar a razão eleitoral forte para o voto na Frente Democrática do programa “A Santos Que A Gente Quer”. Escolher entre o ocupante atual do Palácio José Bonifácio e a representante do governo nefasto que afundou o Brasil, significa optar entre o presente melancólico e o passado catastrófico. Rosana Vale é a reencarnação do descalabro administrativo miliciano. Rogério Santos quer se casar com a extrema-direita. Ao PT, cabe desnudar essa convergência.
É nosso papel apresentar ao eleitor o significado da legitima defesa do povo pelo voto na democracia com justiça social. Isso aconteceu em 2022. A Autoridade Portuária de Santos não foi desestatizada porque votamos em Lula para presidente. Sem Lula, Santos seria uma servidão de passagem comandada por armadores internacionais. Grande parte da população santista construiu suas casas em áreas da União. Graças ao voto em Lula, hoje as famílias têm esperança de obter seus títulos de propriedade via regularização fundiária.
Cada vez mais as eleições são oportunidade para demonstrar como a extrema-direita engana o povo e destrói a democracia através de ataque permanente à solidariedade social. Com os R$ 5 bilhões de orçamento, a cidade de Santos pode ter transporte gratuito, universalizar as escolas em tempo integral, investir na saúde pública de qualidade, negociar o estoque de terras da União para projetos de habitação de interesse social. Pode, enfim, governar para o povo e quem mais precisa, colocando o próprio povo no controle do orçamento.
Há quatro anos, o orçamento era de R$ 3 bilhões e os estudos então realizados pelo PT já apontavam essa possibilidade. É possível organizar trabalhadores locais de aplicativos em cooperativas, fornecendo-lhes acesso à rede municipal digital própria e específica. É possível introduzir moeda social nos bairros periféricos. Hoje, há o dobro de recursos para iniciativas como essas. A esquerda e o PT ressaltam em seu programa a articulação entre diversidade e centralidade dos interesses da classe trabalhadora. Sem isto, não há democracia.
É o desafio que enfrentamos na principal cidade da Baixada Santista. Apesar dos personagens e da dinâmica longeva do domínio conservador, ou por isso mesmo, devemos ressaltar a relação entre voto e ampliação de direitos. Essa tarefa também se enquadra no esforço de fortalecimento do nosso vínculo com o interesse popular e suas alternativas para o futuro. Nestas eleições, nos cabe demonstrar que o voto traduzirá em nossa rua, em nosso bairro, em nossa vida, a escolha local entre civilização ou barbárie.
(*) Douglas Martins é membro do Diretório Municipal do PT/Santos.