Por Marcel Frison (*)
Recentemente Netanyahu, premier israelense, declarou abertamente que não é aceitável a existência de um Estado Palestino, contrariando os discursos dos líderes dos países aliados de Israel, em especial, Biden presidente dos EUA, Sunak, primeiro- ministro britânico e Macron, presidente francês.
O “bravo” Netanyahu nos proporciona uma perspectiva mais realista sobre o que acontece no Oriente Médio, ou seja, ao contrário do que a imprensa divulga intensamente e dizem a maioria das lideranças políticas ocidentais, a guerra não é contra o grupo “terrorista” Hamas mas contra o povo palestino.
Isto nos ajuda a entender por que os ataques das forças armadas israelenses na Faixa de Gaza são realizados de forma abrangente, massiva e indiscriminada. O objetivo não é, apenas, matar os combatentes do Hamas, mas dizimar o máximo possível de palestinos e destruir as condições de habitabilidade daquele território.
A operação militar de Israel sobre a Faixa de Gaza, do ponto de vista geográfico, corrobora com esta análise, no sentido que foi conduzida do norte em direção ao sul, realizando uma varredura que empurra a população para o sul e deixa nada (ou pouca coisa) de pé por onde passa. Estima-se que 1,5 milhão de palestinos, de uma população de 2 milhões, perderam suas residências.
Pelas últimas notícias, começaram a bombardear também sul, o que significa que logo os espaços para refugiados se tornarão ainda mais exíguos.
Igualmente, Israel continua a restringir, a níveis ínfimos, a entrada de alimentos, remédios e outros insumos que compõem aquilo que se denomina ajuda humanitária. O que significa um terrorismo talvez mais atroz do que explodir suas moradias, impor o desespero de ter que escolher entre quem come e quem passa fome, quem vai ser medicado e quem vai ficar sofrendo ou morrer.
Imaginem e se coloquem na situação destas pessoas, a escassez profunda deve levar a conflitos cotidianos nos centros de distribuição, nos hospitais e unidades de saúde, nas ruas, nas comunidades e nas famílias.
Isto representa uma tática antiga de guerra, sufocar o inimigo a tal ponto que, através da fome e da miséria, comece a criar dissidências e estimular a traição. Aliás, um procedimento de dominação com o qual convivemos há séculos.
É impressionante a capacidade de resistência, de coesão social, de solidariedade e de patriotismo (para usar um termo tão caro à extrema-direita) deste povo, que não se tem notícias de lutas internas mais graves dentro da Faixa de Gaza.
Isto nos leva a compreender melhor a natureza do Hamas; ao contrário do que é amplamente difundido na imprensa, não se trata de um grupelho terrorista, uma parcela radicalizada da população daquele território, eles são a sua principal (não única) representação política, são orgânicos à sociedade palestina na Faixa de Gaza e também com forte influência na Cisjordânia (comandada pela OLP), venceram as eleições que os legitimaram para assumirem o Governo sobre aquele território.
Portanto, quando se fala em acabar com o Hamas está se falando em dizimar o povo da Faixa de Gaza, na medida em que, quando se elimina os comandantes e os mesmos são substituídos pelos que estão abaixo e assim sucessivamente.
Naquela cultura, isto significa chegar a adolescentes de 15 anos de idade, ou talvez, em idade mais terna. Não tem fim, ou melhor, só pode terminar quando as contradições envolvendo sua história terminarem ou modificadas substancialmente. Ou ainda, forem eliminados totalmente.
Sempre é bom relembrar que (como eu) conhecemos pouquíssimo a respeito das culturas do Oriente Médio e no geral, do mundo oriental, desta forma, as especulações a respeito são sempre recheadas de preconceitos e imprecisões.
De qualquer forma, as disposições do governo de Israel sobre a guerra contra o povo Palestino na Faixa de Gaza e a própria interpretação sobre as responsabilidades do chamado “ato terrorista” do Hamas que levou a morte de 1500 israelenses e estrangeiros, contra 25 mil (até agora) de palestinos e também estrangeiros mortos pelo exército israelense, não são consenso perante o povo de Israel. Assim como, o sionismo está longe de ser consenso entre os judeus.
Esta é uma questão importante, não se deve confundir israelenses com o governo atual de Israel, tampouco o judaísmo com o sionismo.
A fagulha que detonou este conflito representa um mistério: uma rave ou festa voltada a jovens, que acontece de maneira regular, tendo o seu local de comunicado publicamente horas antes da sua realização (supõem-se por razões de segurança), foi direcionada para ocorrer muito próximo a fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza.
Embora sendo um local extremamente controlado e bloqueado pelo exército israelense, em que uma única pessoa teria enormes dificuldades de atravessar sem autorização, de maneira mais surpreendente ainda, um grupo de centenas de combatentes palestinos ultrapassa esta fronteira e ataca o território israelense, ocasionando os fatos que foram relatados pela imprensa.
Para mim e (pelo que tem sido divulgado) para boa parte da cidadania israelense, o responsável pela tragédia que aconteceu é Netanyahu e a consequente e “conveniente” displicência do esquema de segurança do Estado de Israel.
Para além destas “dúvidas” a realidade que a cada dia, a cada noite, milhares de crianças, mulheres, idosos e inocentes estão sendo massacrados pelas forças militares de Israel num intuito inequívoco de eliminar qualquer possibilidade da existência da Faixa de Gaza como território independente. Quando o “serviço” terminar, logo a extrema-direita encontrará motivos (reais ou forjados) para atacar a Cisjordânia.
Afinal, a Palestina, segundo Netanyahu, não pode existir.
(*) Marcel Frison é graduado em Ciências Sociais e militante petista