Por Valter Pomar (*)
O PT não pretende ser, nunca foi e nunca será o “partido único” da esquerda brasileira.
Há uma grande quantidade de pessoas que são de esquerda, mas não se consideram integrantes de nenhuma organização.
Há organizações de esquerda que agem quase como partidos, embora não se chamem nem se considerem assim.
Há partidos que não conseguiram ou decidiram não ter registro legal.
E há 11 partidos que possuem registro legal e que podem ser localizados no espectro que vai da centro-esquerda até a extrema-esquerda.
São eles: o PCO, o PCB, o PSTU, a UP, a Rede, o PCdoB, o PV, o PSOL, o PDT, o PSB e o próprio PT.
Segundo o Grupo de Trabalho Eleitoral do PT, na eleição de 2024 para vereadores, estes partidos de centro-esquerda, esquerda e extrema-esquerda tiveram – somados – cerca de 23 milhões 808 mil e 619 votos.
Dizendo de outra forma: a maior parte da classe trabalhadora ou não vota em ninguém, ou vota em candidaturas a vereador lançadas por partidos de direita.
Para registro: MDB teve 11,2 milhões de votos, PSD teve 10,3 milhões, PP teve 10,1 milhões de votos, PL teve 9,7 milhões de votos, União teve 9,2 milhões de votos e Republicanos teve 8,1 milhões de votos. Todos estes, mais os demais partidos da centro-direita, direita e extrema-direita, alcançaram mais de 90 milhões de votos.
Evidentemente, nem todos os votos recebidos pelas direitas, assim como nem todos os votos obtidos por partidos de centro-esquerda, esquerda e extrema-esquerda são oriundos da classe trabalhadora.
Feita esta ressalva, os números abaixo permitem ter uma ideia aproximada da influência relativa que cada setor das esquerdas conseguiu no primeiro turno das eleições municipais de 2024, no eleitorado em geral e na classe trabalhadora com consciência de classe, respectivamente.
O Partido da Causa Operária teve 3.363 votos.
O Partido Comunista Brasileiro teve 4.811 votos.
O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado teve 19.426 votos.
A Unidade Popular teve 41.707 votos.
A Rede teve 721.005 votos.
O Partido Comunista do Brasil teve 912.001 votos.
O Partido Verde teve 1.268.321 votos.
O Partido do Socialismo e Liberdade teve 1.794.321 votos.
O PDT teve 4.967.364 votos.
O PSB teve 6.710.578 votos.
O Partido dos Trabalhadores teve 7.365.428 votos.
Em relação às eleições municipais de 2020, só o PT e o PSB tiveram crescimento expressivo em número absoluto de votos. Rede e PSOL ficaram mais ou menos do mesmo tamanho. PCdoB, PV e PDT caíram.
UP, PSTU, PCO cresceram e PCB caiu, mas nesses quatro casos as votações são muito pequenas e a variação estatística não tem o mesmo significado dos demais casos.
Se colocarmos na balança a votação obtida noutro tipo de processos eleitorais (para prefeitos, governadores, deputados, senadores, presidente), o peso relativo do PT frente aos demais partidos das esquerdas cresce significativamente.
Essa relação de forças dentro da esquerda pode mudar? Pode, quase tudo pode. Aliás, em algumas cidades importantes o PT já foi superado por outros partidos que integram este campo que vai da centro-esquerda até a extrema-esquerda.
Mas acontece o seguinte: até agora, os partidos deste campo que estão mais próximos do PT em termos de votação e que algumas vezes o superam, são exatamente aqueles “parentes politicamente mais distantes”, onde a influência da direita é maior, caso do PDT e do PSB.
Já a superação do PT por “parentes mais próximos”, como o PSOL e o PCdoB, é algo muito raro.
Ademais, parte da votação obtida por estes “primos” se dá no ambiente criado pela atuação do próprio PT. Quando o PT perde força, estes partidos também tendem a diminuir.
Quantos aos que criticam o PT pela esquerda, sua presença eleitoral é muito reduzida. E sua influência social, ao menos neste momento, não corresponde a seu ânimo militante, nem a sua aparente nitidez teórica.
Destes dados e tendências é possível extrair várias e diferentes conclusões.
Uma é a de que, até agora, embora o petismo tenha perdido força na classe trabalhadora, apesar dos esforços das direitas, da torcida de alguns primos e da imensa “contribuição” de certos próceres do próprio Partido, a verdade é que o PT continua sendo o partido mais forte da esquerda, tanto eleitoral quanto socialmente.
Aliás, as pessoas que têm como objetivo construir algo melhor do que o PT enfrentam um dilema cruel. Para terem êxito, é preciso que confluam três variáveis: primeiro, que a direita tenha muito êxito na luta contra o petismo; segundo, que o PT cometa muitos erros; terceiro, que os candidatos a substituir o PT façam muito trabalho de base junto à classe trabalhadora.
Acontece que tanto o êxito da direita quanto os erros do PT causam enormes danos para a classe trabalhadora, tornando tudo ainda mais difícil para todas as esquerdas. Sem falar que ganhar influência junto à classe exige muito esforço e tempo.
É também por isso que o enfraquecimento relativo do PT não resultou, até agora pelo menos, no surgimento de uma alternativa à esquerda.
Isso apesar de que, desde 1989 até hoje, muitos militantes de esquerda tenham desistido de disputar o PT. Alguns abandonaram a militância, outros continuaram militantes sem partido, outros estão contribuindo em outras organizações, outros seguem no PT como eleitores.
Mas todos e todas, de uma forma ou de outra, às vezes contra sua própria vontade, continuam gravitando ao redor do petismo, entre outros motivos porque, sem o PT e contra o PT, não está nada fácil derrotar o lado de lá.
Como nem todo mundo é de ferro, acontece também de militantes da esquerda crítica ao PT acabarem priorizando objetivos eleitorais mais ou menos pessoais, para os quais vislumbram maiores chances em outras legendas. O engraçado é que, nestes casos, é comum desejarem ter o PT como aliado, para ajudar no famoso quociente eleitoral.
E como por enquanto não há um ambiente de fortes lutas sociais espontâneas, nem a esquerda realmente existente faz o devido empenho para tentar organizar e mobilizar a classe, o resultado final é que boa parte dos discursos críticos ao PT não se converte em alternativa real, apesar do generoso espaço que algumas destas críticas recebem na grande mídia e até em certos meios populares.
Aliás, muitos dos que tentaram construir uma alternativa conseguiram, muitas vezes, mimetizar mais nossos defeitos que nossas qualidades.
Uma segunda conclusão que é possível extrair dos dados e tendências anteriormente expostos, é que seguem existindo ótimos motivos para continuar disputando os rumos do PT.
É seguro que as contradições e perigos serão cada vez maiores, exatamente porque o PT expressa no seu interior todas as tensões e divisões existentes na classe trabalhadora brasileira, nessa quadra histórica cada vez mais polarizada em que vivemos.
Por isso mesmo, como em quase tudo na vida, não há garantia nenhuma de que teremos êxito. Mas basta olhar o que ocorreu nestas eleições municipais, inclusive no segundo turno, para perceber como seriam as coisas se o PT não existisse.
Uma terceira conclusão é a de que o tempo corre contra nós. O futuro será cada vez mais difícil, se a esquerda como um todo, especialmente o PT, não tomar medidas urgentes para recuperar influência junto à classe trabalhadora, não apenas política e organizativa, mas também ideológica. Plano no qual só o socialismo salva.
(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório do PT