Por Marcos Jakoby (*)
Texto publicado na edição de fevereiro do jornal Página 13
O Partido dos Trabalhadores chega aos 41 anos com gigantescos desafios a serem enfrentados. Mas antes de falarmos deles, é imperativo mencionarmos algo óbvio, que nem sempre é levado em devida conta na orientação política e prática da esquerda, inclusive do PT: não vivemos tempos quaisquer, ou de “normalidade”, vivemos tempos de profunda crise em âmbito mundial e nacional.
Tempos em que convivemos com uma imensa crise sanitária e com todos os seus efeitos decorrentes, tempos de uma brutal crise social, com aumento do desemprego, da pobreza e da desigualdade social, que veio acompanhada de uma destruição de muitos dos direitos sociais, trabalhistas e de políticas de proteção social construída ao longo de décadas de lutas da classe trabalhadora.
São tempos de uma crise econômica que se arrasta e se aprofunda, agravada pela pandemia em muitos aspectos, com a desaceleração do crescimento em muitos países e a financeirização da economia em proporção absurda.
São tempos de crises política, cultural e ideológica, que se manifestam inclusive em países imperialistas e centrais do capitalismo, expressando conflitos entre diferentes classes sociais, intraclasses e entre diferentes estados; aliás, presenciamos no mundo todo uma instabilidade e uma polarização política crescentes.
E são tempos de crise de hegemonia no mundo, com o declínio dos EUA e ascensão de outros países, entre eles a China. Situação que pode gerar transformações importantes na ordem mundial.
Em resumo, vivemos tempos de uma crise sistêmica, de uma crise do capitalismo. Seria o momento mais do que adequado para que um partido socialista denunciasse o capitalismo como forma de organização da sociedade a ser superada e propusesse uma alternativa socialista.
Esse deveria ser o norte político a orientar o Partido dos Trabalhadores. No entanto, não é o que vem acontecendo. Como pode-se concluir, por exemplo, no caso do Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil aprovado recentemente pelo Partido, em 2020, verificamos que o horizonte maior é a superação do neoliberalismo e da financeirização, mas não propriamente do capitalismo.
Mas para além dessa formulação programática, outros elementos evidenciam a necessidade de reconstruirmos um horizonte político socialista e uma estratégia consequente com esse objetivo. Nos últimos meses, várias situações táticas demonstraram a necessidade urgente de reconstruirmos uma outra linha política.
Em 2020, isso ficou realçado no período eleitoral. Não fomos capazes de nacionalizarmos as campanhas municipais, de pautarmos de forma sistemática o Fora Bolsonaro e de acumularmos forças para a luta política geral. Em muitas eleições, os nossos candidatos e o nosso Partido optaram em debater pautas locais sem vincular ao debate nacional. Para piorar, em muitas cidades fizemos alianças com partidos conservadores, golpistas e mesmo bolsonaristas, tudo isso com a chancela da maioria da direção nacional.
Em 2021, na eleição para a presidência das mesas da Câmara e do Senado optamos em apoiarmos nomes do bloco golpista e, no caso do Senado, apoiado por Bolsonaro. Isso por “melhores espaços” nas respectivas mesas e comissões do parlamento, reduzindo o papel política do Partido e da esquerda nessa disputa em ser linha auxiliar de uma ala golpista contra a outra. O resultado, sabemos, foi muito ruim.
Enquanto isso, a crise em nosso país vai se agravando. Passamos dos 231 mil mortos pela pandemia e a vacinação caminha a passos muito lentos. Temos quase 40 milhões brasileiros que gostariam de trabalhar e não conseguem, o fim do auxílio emergencial agrava a situação de outros milhões de brasileiros, junto com o crescimento da pobreza e da miséria, da violência e da desindustrialização que se acentua.
Como superarmos essa crise? Em nossa opinião, passa, sobretudo, pela mobilização social, pelas ruas, pela luta de massas. Caso contrário, não derrubaremos esse governo e, inclusive, tampouco teremos chances nas próximas eleições presidenciais. A oposição parlamentar e a ação de governos sozinhas estão muito aquém de serem capazes de impor derrotas ao bolsonarismo e ao ultraliberalismo.
Contudo, frente a essa necessidade, a esquerda e o PT não têm conseguido criar as condições para tal dinâmica política. Isso se deve pelas condições objetivas da pandemia, pelo impacto das derrotas sofridas desde 2016, pelo desgaste das organizações de esquerda, entre outras razões.
Mas há também um fator importante e que está ao alcance da esquerda e do PT em particular: o da linha política. Majoritariamente continuamos prisioneiros de uma estratégia de que é possível mudar o país sem fazer rupturas profundas, sem destruir as bases de poder da classe dominante. Estamos falando do oligopólio da mídia, do sistema judiciário, das forças armadas, do sistema político. De uma estratégia que acredita caber a conciliação de classes, mesmo que seja com uma fração da classe dominante. Que coloca em seu centro a luta institucional e eleitoral.
Em resumo, a esquerda e o PT precisam construir uma linha política que tenha o horizonte a construção do socialismo enquanto alternativa à crise e à barbárie capitalista que se alastra no Brasil e no mundo, com o eixo principal na luta política e social direta e que compreenda que a questão do poder – e de seus instrumentos – é uma questão-chave para construirmos as transformações nessa direção.
Nesse contexto, existem vários desafios ao Partido dos Trabalhadores. O primeiro deles é elevar o horizonte programático da esquerda. Caracterizar a crise que vivemos no Brasil e no mundo como uma crise do capitalismo brasileiro e defender uma alternativa socialista – e não apenas medidas que tornem o capitalismo um pouco “mais justo e humanitário”.
Outro grande desafio é ampliarmos a nossa presença junto à classe trabalhadora, nos seus locais de trabalho, de moradia, em seus espaços culturais e de lazer, de estudos, visando recuperarmos uma influência que já tivemos. Tal retomada não será realizada com eleições, mas com trabalho organizativo e político, com a nossa presença cotidiana em suas lutas e seus territórios, reconstruindo os nossos vínculos.
Para além disso, é crucial trabalharmos para que a luta de massas se torne a principal dimensão da luta de classes, pois é sobretudo ela que será capaz de alterar a correlação de forças, inclusive no plano institucional. Por isso, são fundamentais a luta política direta, a luta social e cultural, a organização e a mobilização popular. As lutas parlamentares, dos nossos governos, dos nossos mandatos – nos mais diversos níveis – devem estar sintonizadas com essa orientação e com o propósito de fortalecê-la.
Um quarto grande desafio é preservarmos a independência de classe. O Partido e a classe trabalhadora não podem ser arrastados para uma posição de linha auxiliar de uma das frações da classe dominante. Há uma grande pressão para que o PT se subordine a uma ala do bloco golpista contra a outra, abrindo mão da nossa independência, do nosso programa e do nosso protagonismo. Como dizia o Manifesto de Fundação, há 41 anos, “os trabalhadores querem [e precisam] se organizar como força política autônoma.”
Vivemos tempos difíceis no Brasil e no mundo. Dada a crise e seu agravamento, a tendência é que em algum momento ocorra uma reação popular, a qual pode ter as mais diversas direções políticas. Precisamos estimular e trabalhar para que essa reação aconteça o mais rápido possível e que o seu sentido seja o de derrotar o bolsonarismo, o ultraliberalismo e a construção de uma saída popular, democrática e socialista para a crise.
Porém, para isso – e para o PT continuar a ser “uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista” – é fundamental que o Partido mude os seus rumos e seus métodos de funcionamento. Que 2021 seja um ano para um reposicionamento estratégico do nosso Partido.
Viva o PT!
Viva a classe trabalhadora!
(*) Marcos Jakoby é professor e militante do PT
(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.