A assepsia estética fascista no meio urbano corresponde à alienação sobre a preservação ambiental como saúde – das pessoas e do planeta
Por Rafael Tomyama (*)
Dia desses, conversando com o amigo Adalberto Alencar, ele chamou atenção sobre os mais recentes estudos que estabelecem a relação entre o sombreamento das ruas e a expectativa de vida das pessoas. [https://catracalivre.com.br/cidadania/estudo-revela-arvores-sao-beneficas-para-a-saude-de-moradores-das-grandes-cidades/]
Esta conversa acontece num contexto de um mundo adoecido (de várias formas), em que é notório o aumento de miseráveis perambulando e o sumiço das árvores nas artérias pavimentadas de asfalto da cidade.
A onda de calor sufocante só não é pior do que as investidas de gente-de-bem furiosa contra os maltrapilhos e a cobertura vegetal da cidade. Ou são parte do mesmo fenômeno de alienação mental que se retroalimentam.
Impressionante é como a semiótica de uma cultura odienta se reproduz nas realizações do provincianismo de uma gestão governamental alheia aos limites planetários, mas pretensamente cosmopolita.
Enquanto o inepto prefeito da capital encena o anúncio de um espasmo de maquiagem nos meios-fios de calçadas tortas e imundas, o governo do Ceará, em ritmo pré-eleitoral, exercita a manjadíssima política cultural ciclotímica de equipamentos recuperados, para adiante serem novamente “esquecidos”.
Basta uma volta pelas obras recém-(re-)inauguradas: Biblioteca pública, Estação das Artes, Escola de Gastronomia, Museu da Imagem do Som… A mesma imagem desoladora inóspita da absoluta falta de árvores.
O denominado Complexo Cultural Estação das Artes, que ocupa a desativada estação de trens João Felipe, e desaloja o terminal de ônibus da praça em frente (e os pobres que ali trafegavam) para dar lugar a um mar de impermeabilizado cimento branco no sol a pino, com espasmos de mudas comportadas em retângulos espalhados ao redor.
O feito foi antecedido por outra obra viária também relacionada à implantação do metrô na praça José de Alencar. Ali já havia sido removida a estação de ônibus na década de 1980 e derrubado o “Beco da Poeira”, que insiste em ressuscitar no mundaréu de camelôs e trabalho precário – uma das maravilhas do rentismo liberal.
O Museu da Imagem e Som, por sua vez, é uma caixa modernista, sobre o acesso cimentado, sem se avistar árvores ou plantas. A não ser um solitário cajueiro, remanescente dos que sombreava os restos do bimotor que vitimou o Castelo Branco. Ao lado da antiga casa do Museu Antropológico, cujo acervo foi para o Museu do Ceará, o prédio no Centro onde funcionou a Assembleia Provincial, fechado há anos para visitação pública (outra vítima da tal política episódica…)
O Museu fica na Av. Barão de Studart, em frente ao magnífico Palácio da Abolição, projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes, contornado pelo exuberante jardim de Burle Marx. Por outro lado, não há uma única árvore nas calçadas ao redor do prédio inteiro. Nem no passeio oposto da rua dos fundos, onde em frente ao muro caiado de edifício anexo que prolonga o da residência oficial, havia exóticas castanholeiras, hoje reduzidas a tocos espetados na (como sempre) calçada torta e sem acessibilidade.
Fortaleza é um forno em que se cozinha uma guerra acobertada na linha do Equador. O turismo predatório que se pratica está perfeitamente alinhado com o colonialismo mental dominante do patrimonialismo estatal, que arranca árvores e enxota e chacina gente negra e pobre.
Infelizmente não é exclusivo. São tempos em que uma o elitismo reacionário ultraliberal fascista se espraia, não só como atentado antidemocrático, mas como movimento estético de culto à morte. A estética da burrice.
(* ) Rafael Tomyama é jornalista e integra o Coletivo de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT-CE