Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia da intertextualidade
A intertextualidade põe em relevo os gêneros. Prosa e poesia, a rigor o poema, se intertextualizam mutuamente. Por outro lado, é o que temos ou o que jamais teremos de modo palpável, o amor, no pêndulo oposto o ódio, não tem limites; a morte não encerra, para o bem ou para o mal, as paixões incontidas.
Vem ao pé do chão, a viúva branca,
peneirando cacos de estrelas.
Vivo pensamento engole o firmamento.
Nuvem de surpresa, abre a boca de vertigem, a viúva negra,
eco de sete cores,
aciona o arco- íris de escalas,
alado arcano vivo do eco-abraço escuro e palpitante.
Abrem, as viúvas, as bocas do segredo.
No solilóquio, como abraçar o morto?
Duas viúvas choravam pela carne alheia.
Eram ecos angélicos desmedidos.
Nas suas asas, o sono
do anjo que partia.
Não era a traição, era a elegia
agora no túmulo exposto?
O que farão as viúvas na eternidade?
Cobrirão os olhos chorosos?
O coração ficará aberto em lágrimas?
As duas viúvas, no jardim encantado,
ergueram ao redor do morto as duas bocas de desejo,
mas as duas bocas eram quatro,
sabem as viúvas sagradas.
A viúva branca sonhava com beijos em fúria;
a negra queria, sem tormentos de outra língua,
a boca inteira.
As viúvas, com a mortalha do sexo,
lambiam o sangue do desejo;
a fêmea parida da carne,
ventre para subir ao templo
da boca e da boca do áspero
sexo de serpente.
No risco aberto em silêncio,
que divide o amado além do sexo,
o verbo e no ato o despudor do sexo,
uivo de amantes, dardos de anjos,
lira antiga da aurora dos desejos.
Antes do luto, no túmulo,
as viúvas deixaram o beijo póstumo soterrado.
(Patuá Adinkra, p.41)
***
Há, no centro da cidade, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Numa manhã de domingo, assisti à missa de encaminhamento, de corpo presente, de um rapaz de meia idade. Acredito, pela aparência, que tinha uns regulados 45 anos, no máximo. A morte não faz escolhas pelo tempo de vida, pude crer pelas aparências.
Não sei das circunstâncias da morte. De mais a mais, a morte não admite precisões além da própria morte. A respeito do falecido e filosofia à parte, o jovem,posso me referir assim, consternado pela minha idade, estava morto; mas não abandonado.
Cessam aí, certamente, minhas considerações isoladas ao morto e por decerto do morto. Com a igreja repleta de africanos negros, reparei que havia alguns raros brancos na missa. Fora as mestiçagens enganosas, era o que via. Reparei que duas mulheres choravam, de modo contido, mas contínuo, ao lado do morto. Uma delas era branca e ostentava um véu negro e, entre lágrimas sentidas, debulhava, com orações, um velho e gasto rosário.
Não menos sentida, pude constatar, eram as lágrimas de uma outra mulher, bem negra, que olhava o rosto do morto e, de modo direto, suspirava baixinho e deixava escorrer, pelo rosto liso, lágrimas e lágrimas. A missa seguiu, não quis saber da origem e, menos ainda, do destino afetivo das chorosas mulheres. Vi que muitos cochichavam, provavelmente, a respeito delas, das lágrimas e do incontido sentimento.
Uma voz, meio que admirada, asseverou que nem sempre os amantes se fazem presentes; muitos choram às escondidas e longe dos olhos do padre, dos fiéis e, por proteção ao pendor maledicente, dos amigos e parentes, principalmente. Por outro lado, é o que temos ou o que jamais teremos de modo palpável, o amor, no pêndulo oposto o ódio, não tem limites; a morte não encerra, para o bem ou para o mal, as paixões incontidas.
Referência:
ANTONIO, Fausto. Patuá Adinkra.:Londrina: Galileu, 2025.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor Associado da Unilab – Bahia.