Por Varlindo Nascimento (*)
Manifestantes se reúnem em Nova York, em protesto contra ataque dos EUA ao Irã. Imagem: Eduardo Munoz/Reuters
A novo ano mal começou e a política internacional se agita completamente com o assassinato do segundo homem mais importante do Irã, o general Qassem Soleimani, morto num ataque militar ordenado diretamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Depois do fracasso na intervenção sobre a Síria, tudo indica que a política imperialista do Tio San se volta novamente para a república islâmica localizada no Golfo Pérsico.
As partículas ainda continuam muito agitadas, tamanho o choque que a notícia causou à geopolítica mundial, o que dificulta neste momento uma análise mais acurada sobre todas as possíveis razões que estariam por traz da ação do Império. O discurso oficial da Casa Branca não foge ao seu tradicional protocolo e apresenta o ataque como represália a uma ação “terrorista” anterior dos persas, o que, obviamente, não deve ser levado a sério, tendo em vista o histórico falacioso do seu discurso oficial.
Neste primeiro momento dois elementos vêm à mente de forma quase que imediata. O primeiro deles foi o anúncio realizado em novembro passado pelo presidente Hassan Rohani sobre a descoberta de mais um campo importante de petróleo em território iraniano que pode elevar em até um terço as reservas do país. Como sabemos, por experiência própria, todo país terceiro mundista que se cacifa em termos desse recurso essencial entra imediatamente na rota de intervenção dos ianques. O segundo elemento diz respeito à política interna dos Estados Unidos. A corrida eleitoral para a escolha presidencial ocorrerá em paralelo ao processo de impeachment movido contra Trump, e que já foi acolhido pela câmara dos representantes, de maioria democrata, o que poderia desgastar sua imagem enfraquecendo-o eleitoralmente. Neste caso, a política a ser adotada pelo governo pode apelar para um discurso patriótico e de defesa do Direito Manifesto, doutrina que justifica e legitima a conduta expansionista do país em relação ao resto do mundo. Esta medida pode vir a ser, talvez, uma forma de colocar essa questão num ponto hierarquicamente superior, esvaziando o discurso da oposição em relação ao impeachment.
No que diz respeito ao Irã, o que temos é que, com a Revolução de 1979, foi instaurado no país um regime político controlado pelos aiatolás, líderes da doutrina xiita do islã. Dessa forma, ao mesmo tempo em que era imposta a toda população a lei islâmica e a doutrina xiita como conduta social obrigatória, o novo regime pôs abaixo o governo do Xá Pahlavi, totalmente alinhado com a política imperialista norte-americana. Desde então, o Irã se tornou um inimigo de primeira hora no Oriente Médio, principalmente pela sua condição energética privilegiada e pelo seu alto desenvolvimento no campo da tecnologia nuclear. Essa condição coloca o fundamentalismo religioso iraniano numa posição diametralmente oposta ao nosso crescente fundamentalismo cristão de base evangélica que tomou conta de parte significativa dos espaços políticos e que controla um eleitorado decisivo hoje em qualquer processo eleitoral. Enquanto o fundamentalismo xiita no Irã tem uma característica de proteção dos interesses nacionais e se põe em linha de choque contra o imperialismo, o nosso é totalmente alinhado às políticas de destruição total da soberania nacional e de entrega dos nossos recursos às potencias imperialistas, em especial ao Estados Unidos.
Não podemos deixar de lado, é claro, o papel central de Israel dentro dessa disputa. O país sionista é inimigo mortal do Irã e aliado de primeira hora dos Estados Unidos no Médio Oriente. Apesar de não partilharem fronteira, o Hezbollah, organização partidária centralizada no Líbano, que faz fronteira com Israel, recebe apoio financeiro e logístico direto do Irã e compartilha com a maioria dos persas a linha doutrinária xiita do islamismo. Esse quadro coloca Israel numa situação de interesse direto em desarticular todo e qualquer movimento de desenvolvimento e estabilização do regime político iraniano.
Diante desse quadro, mesmo com todos os senões que possam ser levantados em relação aos fundamentalismos de caráter religioso, sejam eles de qualquer base doutrinária, é determinante que tenhamos em mente que essa é mais uma situação em que o imperialismo tenta impor seus interesses sobre um país de pobre e ainda atrasado, tal como o Brasil. E que a manutenção das garras do imperialismo sobre os nossos territórios é causa direta das desigualdades e da miséria existentes no Irã, no Brasil e em todo terceiro mundo.
(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife- PE