Por Ronaldo Hipólito Soares (*) e Ari Vicente Fernandes (**)
Basta uma pesquisa simples no Google para encontrar propagandas nas quais Campinas é evidenciada como uma cidade “verde”. Durante a terceira semana do mês de junho, por exemplo, pelo menos três matérias publicadas na Internet trouxeram informações e dados duvidosos para tentar associar a cidade a práticas governamentais que priorizam ações de preservação e sustentabilidade. As reportagens citam um indicador de 87,5% de arborização do município, segundo pesquisa não referenciada do IBGE e que é constantemente usada em sites e veículos ligados ao setor imobiliário.
A arborização urbana da cidade deixou de ser notícia depois que se tornou um atributo há muitas décadas. E o que resta de árvores em Campinas é resultado de uma herança de sucessivas políticas de arborização. No final da década de 80, inclusive, houve um projeto do governo petista para o plantio de 1 milhão de árvores, com esforços da sociedade civil campineira.
O prefeito atual, do partido Republicanos, aproveitou-se de duas tragédias ocorridas pela falta de manutenção e cuidado com o corpo arbóreo da cidade, e que causaram duas mortes em dias e locais diferentes, para transformar a cidade na recordista de extração e mutilação de árvores.
Já o setor imobiliário da cidade vem se aproveitando da aprovação de modificações de marcos legais, como o Plano Diretor de 2018, que instituiu as macrorregiões de expansão urbana, e legislações aprovadas por uma câmara de vereadores que tem sua maioria cooptada pelo Executivo. É o caso da Lei Complementar 207/2018 e do PLC 88/2023, que regulamentam a flexibilização desta expansão urbana sobre as zonas rurais da cidade, trazendo um enorme número de condomínios de alto padrão para estas áreas, provocando uma grande demanda de obras de infraestrutura para a cidade, bem como severos danos ao meio ambiente, por derrubar árvores, matar nascentes, destruir fauna e flora, assorear rios e acabar com agricultura familiar da região.
Desde 1991, foram aprovados quatro Planos Diretores e todos eles afirmam existir espaço suficiente, dentro do perímetro urbano, para abrigar até cerca de 500 mil habitantes em moradias desocupadas, lotes e glebas vazias. É preciso que sejam aplicados os instrumentos legais do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) para liberar esses vazios e coibir a especulação imobiliária que insiste em mantê-los sem uso. Mas a Prefeitura de Campinas não se envolve com isso e prefere ampliar o perímetro sobre a zona rural.
Técnicos e militantes da área ambiental denunciam o descumprimento das leis que são referência para a manutenção da arborização da cidade, apontando um acirramento do corte de árvores nas últimas duas décadas, se referenciando na Lei Municipal 11.571/2003, que trata da arborização da cidade e que preconiza pelo menos uma árvore a cada dez metros de calçada. Tomando como exemplo um bairro central de Campinas, o Cambuí, onde são realizados estudos a cada cinco anos, apurou-se que entre 2007, quando já havia um déficit de pelo menos 6.200 árvores no bairro, e 2017 houve uma drástica redução de árvores de grande porte no bairro, e quando houve reposição, a substituição foi feita por plantas arbustivas. Se isso acontece em um bairro central, considerado um bairro rico da cidade, podemos imaginar o que acontece nos bairros da periferia, onde não existem estudos deste tipo.
Chamam atenção as contradições entre os títulos e celebrações divulgadas indevidamente nos meios de comunicação e as medidas tomadas pela prefeitura da cidade, apoiada pela maioria do Legislativo de Campinas, que resultam na redução das condições para a preservação e mitigação das chamadas emergências climáticas na cidade. Esta é uma “revolução verde” às avessas, pois, com a continuidade deste tratamento hostil ao ambiente, o que se preconiza para Campinas são eventos climáticos que poderão acarretar grandes tragédias para a cidade, tais como eventos acontecidos em Petrópolis, em Angra dos Reis, em São Sebastião e, muito recentemente, no Rio Grande do Sul.
Algumas reportagens e matérias referidas:
(*) Ronaldo Hipólito Soares é ex-secretário de Serviços Públicos de Campinas.
(**) Ari Vicente Fernandes é ex-secretário de Habitação de Campinas.