Por Mateus Santos (*)
Na história, um acontecimento de um tempo curto pode influenciar de forma significativa no curso de uma trajetória de anos, a tal ponto de se tornarem necessárias revisões sobre o passado e as projeções futuras. As eleições presidenciais estadunidenses em 2020 se inserem nessa perspectiva de jogo do tempo. O que parecia ser um quadro de razoável favoritismo do atual presidente Donald Trump, em sua busca pela reeleição, deixou de parecer. A pandemia de COVID-19 agravou o quadro de incertezas na disputa pela Casa Branca, colocando qualquer analista numa difícil posição de tentar mensurar as variáveis políticas presentes nessa disputa.
Enquanto escrevo, os Estados Unidos ainda possuem a difícil marca na liderança no número de casos (2.593.169) e mortos pelo coronavírus (127.693), com grande ameaça de aprofundamento do caos, diante dos impasses entre as autoridades sobre a retomada das atividades ou o aumento das medidas de contenção do avanço do vírus. Soma-se a este quadro, a emergência dos atos antirracistas por todo o país desde o final de maio, em reação ao assassinato de George Floyd. Tais mobilizações, tratadas de forma virulenta por Trump, simbolizaram questionamentos quanto às ações autoritárias das forças de segurança do país, além de evidenciarem, mais uma vez, a violência silenciada de um velho conhecido: o racismo.
Apesar de tentadora, uma leitura contrafactual sempre é uma ação arriscada. Porém, não me parece exagero afirmar que, se tal disputa ocorresse ao menos um ano antes, o desafio maior de [re]conquista do eleitorado estaria na mão dos Democratas e não dos Republicanos. Características do primeiro mandato de Trump, tais como a diminuição nas taxas de desemprego, suas polêmicas medidas quanto a organismos e tratados multilaterais, sua postura frente ao que se convencionou chamar de Guerra ao Terror (assassinatos de Qasem Soleiman, general iraniano, um dos principais nomes da chamada Guarda Revolucionária; Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Estado Islâmico (ISIS); e Qasim Al-Raymi, um dos líderes da Al-Qaeda na Península Arábica) e o reafirmar de laços com Israel, foram aspectos que poderiam ser considerados como grande trunfos para os ânimos do eleitorado conservador.
O que se encaminhava para uma reeleição de distância curta, transformou-se em um caminho atravessado por dificuldades. Inicialmente minimizado por Washington, o avanço da pandemia foi diretamente proporcional à velocidade no aumento do pesadelo governamental. As contradições de Trump e aliados frente ao combate de uma das maiores crises das últimas décadas trouxeram um desgaste político que se reflete, em princípio, nas primeiras pesquisas de intenção de voto. Joe Biden chega a aparecer com até 14 pontos de vantagem frente ao atual presidente, aspecto que acende alerta máximo entre os Republicanos.
O tempo e o espaço da política pedem alguma cautela quanto aos prognósticos. Diante de uma confluência de crises (sanitária, sociopolítica e econômica), as consequências da pandemia e da luta antirracista não necessariamente devem ser vistas como um movimento único de desvantagem da situação e favorecimento da oposição. A abertura de um quadro de incertezas e de contestações que afetam questões estruturais do Estado estadunidense (segurança, saúde, liberdade de expressão, etc.), impõem aos dois lados perspectivas de ação.
Para os Republicanos, a oportunidade de, mais uma vez na história política daquele país (como no início dos anos 1970), demonstrarem-se enquanto ponto de convergência dos setores mais conservadores, na construção de uma reação política frente à janela de oportunidades para as lutas sociais. Para os Democratas, uma situação que pode ser chave para sua condição ambígua na estrutura partidária: a contraditória presença de setores mais progressistas frente a uma organização do status quo. Assim, nas mãos da campanha Biden, dois possíveis caminhos: uma linha moderada, mantendo as contradições históricas de seu partido, ou uma linha mais ousada, incorporando demandas dos setores que ocuparam as ruas nas últimas semanas, numa candidatura de maior polarização quanto ao governo Trump.
Entre opções como uma possível ofensiva conservadora da situação, uma moderação ou uma linha mais assertiva da oposição, as cartas das eleições presidenciais estadunidenses estão lançadas. Os “coringas” políticos do atual governo foram lançados num campo de incerteza. Na mobilização dos eleitorados, necessária num processo político indireto e facultativo, as apostas dos partidos acerca de qual eleitorado agradar poderão dizer para os historiadores do futuro se a Covid-19 foi um inimigo letal ao Trumpismo ou mais momento de reorganização das forças mais retrógradas diante das ambiguidades Democratas.
(*) Mateus Santos é militante do PT Bahia