Por Varlindo Nascimento (*)
O Chile é talvez o país sul-americano de formação geográfica mais interessante, pois ocupa uma estreita faixa de terra em sentido norte-sul que segue o formato da cadeia de montanhas dos Andes desde o extremo sul do continente até sua fronteira com Peru e Bolívia. O país banhado pelo Oceano Pacífico tem a maior parte da sua população concentrada na região central, em virtude da presença do Deserto do Atacama ao norte e da Patagônia ao sul.
Na economia o Chile se destaca principalmente pela extração do cobre. O país produz mais de 30% de todo o volume mundial desse metal, que é responsável por quase metade dos capitais que abastecem sua economia. Em 1971 o governo socialista de Salvador Allende estatizou a exploração do cobre criando assim a CODELCO, companhia nacional que substituiu uma série de multinacionais estrangeiras que exploravam a maior riqueza do país de acordo com interesses estranhos ao povo chileno.
“A Batalha do Chile” é um documentário em três partes dirigido por Patricio Guzmán, nele estão registrados os principais momentos desde a eleição de Allende até sua queda para as forças militares.
Analisar a condição política desse país na atualidade nos obriga a um retorno na história pelo menos até a virada entre as décadas de 1960 e 1970. Salvador Allende, um médico de classe média, foi eleito em 1970 por uma coalização de partidos chamada Unidade Popular (UP). Assim como os demais países latino americanos o Chile era controlado por uma elite oligárquica diretamente ligadas aos interesses estrangeiros. Neste sentido, o regime eleitoral previa a necessidade de maioria congressual além de eleitoral, num claro mecanismo de controle da vontade popular. Diante disso, a vitória apertada do socialista foi contestada pelas forças reacionárias que, desde o primeiro momento, passaram a sabotar sistematicamente seu governo.
O governo da UP resistiu até 1973, quando a política imperialista levada a cabo pelas oligarquias e forças armadas locais colocaram em prática o processo golpista. O general Augusto Pinochet, até então homem de confiança do presidente, foi o responsável pela execução do golpe que assaltou o Palácio de La Moneda, sede do governo, em 11 de setembro. Naquela ocasião Salvador Allende decidiu permanecer no prédio, resistir ao ataque e não se render, o que lhe custou a vida.
A ditadura militar chilena era então instalada num contexto internacional de crise. O Walfare State do pós-guerra estava em baixa, a crise do petróleo tencionava os ânimos do mercado e a economia planificada do socialismo soviético não atendia mais a melhora nos níveis de vida alcançados em outros tempos. Nesse quadro o Chile acabou sendo utilizado como laboratório para a retomada do liberalismo econômico a nível mundial. A “Escola de Chicago”, corrente do pensamento econômico desenvolvida nos Estados Unidos, foi responsável pela implementação de uma série de planos que restringiram o acesso da população a direitos sociais como saúde e educação, além da desestatização do regime previdenciário, instituindo a lógica da capitalização. Tais medidas garantiram o crescimento econômico às custas do empobrecimento da classe trabalhadora e do aumento exponencial da desigualdade social.
“Machuca” é um drama de 2004 dirigido por Andrés Wood, onde dois garotos de classes sociais totalmente antagônicas constroem uma relação de amizade. O filme denuncia os níveis absurdos de desigualdade social produzidos pela ditadura de Pinochet.
Em 1988 a ditadura chega ao fim no Chile de uma forma bastante questionável, sem um verdadeiro acerto de contas com o passado, a partir da realização de um plebiscito que decidiria se a população outorgaria mais oito anos de um mandato “democrático” a Pinochet, ou não. Obviamente o regime não tinha entre nos seus planos outro resultado além do “Sim” a ditadura, tamanho era o risco corrido por qualquer um que se manifestasse publicamente contra. Além do uso da fraude, o que, de certo modo, ficou inviabilizada pelo contexto internacional, tendo em vista que as ditaduras fardadas já haviam saído de cena em quase toda a América Latina. Elas já não eram mais necessárias ao imperialismo, que precisava de uma face mais humanizada para manter seus níveis de exploração com menos contestação social.
O filme “No”, estrelado por Gael García Bernal e dirigido por Pablo Larrain, se passa durante o processo de realização do plebiscito que decidiu pelo fim do governo Pinochet. Bernal interpreta um publicitário, filho de um exilado, que produz a campanha surpreendentemente vitoriosa do Não.
Essa ruptura pacificada cobrou do povo chileno a manutenção de toda uma estrutura liberal na economia que não permitiu significativos avanços sociais. As pautas dos partidos de esquerda acabam sendo muito semelhantes às dos partidos que se identificam a direita do espectro político. Dessa forma, sobra mais dúvidas do que respostas sobre os caminhos e os mecanismos que as classes baixas chilenas têm a seu favor na disputa pelos seus interesses mais imediatos.
Na verdade, o que acontece hoje no Chile é que a política neoliberal ultrapassou todo o limiar de aceitação da exploração social. O aumento das tarifas no transporte somente acendeu um pavio que não tinha mais o que queimar. Essa situação, inclusive, serve de contradiscurso ao mito que os setores conservadores sempre utilizaram para descrever o Chile como um oásis de prosperidade e paz social na América Latina.
Hoje, a “Suíça” sul-americana escancara sua verdadeira face.
(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife- PE