Por Lucas Reinehr (*)
Militantes do Fridays For Future ocupam o pavilhão alemão na COP26 em Glasgow, cobrando, entre outros, que “a Alemanha tem uma responsabilidade global, tem uma dívida histórica. O próximo governo precisa finalmente reconhecer isso e fazer justiça.”
No dia 26 de outubro de 2021, cheguei à cidade de Potsdam, na Alemanha, com uma tarefa bastante excepcional: a realização de um ano social no escritório da Fundação Rosa Luxemburgo, no estado federado de Brandenburgo. Minha chegada ocorreu em um momento conturbado, afinal, apenas algumas semanas antes, a esquerda alemã foi surpreendida com um frustrante resultado eleitoral, em que não alcançou sequer 5% dos votos válidos. Desde então, minha estadia nesta que é a terra natal de Karl Liebknecht e a pátria adotiva de Rosa Luxemburgo, tem sido repleta de impressões e descobertas; algumas delas quero compartilhar neste texto.
Em um contexto de crise global capitalista, é natural que as nações periféricas sejam as primeiras e principais afetadas com as políticas de austeridade, o desmonte do Estado e o aumento da desigualdade. É o que temos observado no Brasil nos últimos anos. Mas se enganam aqueles que acreditam que os países europeus mantêm intactos, às nossas custas, o Estado de bem estar social. Apesar de possuírem uma maior solidez, os direitos sociais da classe trabalhadora europeia também são colocados em cheque com o avanço do programa neoliberal, aumento da desindustrialização, precarização das condições do trabalho e cortes significativos no orçamento de áreas importantes para o desenvolvimento social.
Apesar desse cenário, na Alemanha, a esquerda tem tido dificuldades para dar respostas à altura dos desafios colocados. Um dos efeitos colaterais do neoliberalismo, somado à propaganda ideológica neofascista, tem sido o crescimento da extrema-direita, representada pelo partido Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha – AfD). Apesar de terem perdido tamanho em relação à última eleição, o nacionalismo, o etnocentrismo e o negacionismo circulam entre diferentes setores da sociedade alemã, inclusive os grupos mais precarizados da classe trabalhadora. Não é apenas no Brasil que as fake news disseminam absurdos inacreditáveis: nas eleições alemãs, por exemplo, uma das informações falsas que circulava sobre os Verdes era de que, caso eleitos, proibiriam as pessoas de ter animais de estimação e recolheriam os bichos das casas. Um absurdo ridículo, mas que assim como a mamadeira de piroca, amedronta os desavisados.
É nesse emaranhado de pensamentos políticos adversos que a esquerda precisa enxergar seus desafios e concretizar ações para superá-los. Até agora, o marasmo pós-eleições parece ainda estar presente, mas com disposição para apresentar alternativas à sociedade alemã. No âmbito da juventude, crescem os movimentos em defesa do meio ambiente, como o Fridays For Future e uma grande adesão aos Verdes, que, na prática, apresentam uma saída “verde” dentro do próprio capitalismo, numa perspectiva liberal-individualizante e não estrutural. A maior tarefa é transformar a defesa do meio ambiente em luta ecossocialista, o que só pode ser alcançado através de um debate profundo sobre projeto de sociedade, que deve ser ampliado através da inserção da esquerda nestes setores e da construção de maiores alianças com os movimentos sociais.
Ainda há muito a ser observado, percebido e assimilado. Há muito a ser feito também, por eles e por nós. Fortalecer a luta internacionalista nesse momento da história é uma das tarefas fundamentais para garantir a construção de uma resposta global e socialista às imposições da atual crise do sistema capitalista. É através da busca pelas nossas convergências e da classe trabalhadora em movimento que será possível construir um novo sistema econômico, político, moral e cultural, que tenha como características fundamentais a integração entre os povos, a reparação das desigualdades históricas, a igualdade social e o fim das opressões.
(*) Lucas Reinehr é voluntário da Fundação Rosa Luxemburgo em Potsdam, Brandenburgo