Por Paulo Sérgio de Proença (*)
O terrivelmente comunista Flávio Dino contribui para desfazer aspectos negativos projetados sobre comunismo e sobre a esquerda em geral, principalmente por sua fé religiosa, pela leitura da Bíblia e por ter ficha limpa. De seus mais violentos adversários, políticos anticomunistas, não se pode dizer o mesmo.
O governo Lula proporcionou maior exposição a Flávio Dino. Atuando como Ministro da Justiça e da Segurança Pública, assumiu de forma corajosa a defesa do governo, ostensiva e corajosamente empenhando-se no combate aos opositores extremistas de direita. Numa de suas entrevistas, sempre contundentes, disse que a sua missão de vida era combater o bolsonarismo.
Flávio Dino é comunista assumido. Foi filiado ao Partido entre 2006 (quando entrou para a vida política, até 2021), quando migrou para o PSB. Também por isso ele tem sido alvo constante de investidas desleais da oposição, na tentativa de desestabilizá-lo e provocar crises no governo Lula. Era inimigo a ser vencido; foi alvo de Fake News, de campanhas difamatórias e de excessivas convocações para a Câmara e para o Senado,
A repulsa e o ódio foram aumentando nos embates travados nessas casas legislativas, à medida que o então Ministro da Justiça e da Segurança Pública não se deixava atingir pelas investidas dos parlamentares de extrema-direita e, abandonando a defensiva, os expunha ao ridículo, devido à falta de preparo e de estatura política deles.
Nesse sentido, chamou atenção a resposta que Dino ofereceu a Sérgio Moro, em maio do ano passado: “Eu sou uma pessoa honesta, sou ficha limpa. Fui juiz e nunca fiz conluio com o Ministério Público nem tive sentença anulada. Por ter sido um juiz honesto e um governador honesto, não admito que ninguém venha dizer que tenho de ser preso”[1].
No fim do ano passado, Flávio Dino foi indicado pelo Presidente Lula para compor o Supremo Tribunal Federal. Isso aumentou exponencialmente os ataques da tropa de choque bolsonarista contra ele – tudo de forma desrespeitosa e desleal. Por exemplo, aumentou a devassa na vida pessoal e na trajetória política e os ataques gordofóbicos contra ele cresceram a partir de então[2].
Os evangélicos, sobretudo, afirmaram que ter um comunista no STF seria o fim da linha, um escárnio; e fizeram disso um cavalo de batalha. Silas Malafaia, sempre estridente e descontrolado, chegou a exigir jejum aos seguidores de sua organização, sob alegação de que era Dino ateu e, por isso, contrário aos valores cristãos.
Contudo, o perfil de Flávio Dino é em tudo a negação do imaginário de um comunista. Ele não é um monstro, não tem rabo nem chifre; não come criança; não é ateu; defende a família; segue a religião cristã; tem competência no que faz; não tem medo de embates; e sabe articular ideias, o que mais deve ter perturbado seus adversários, desacostumados a isso, acometidos por uma séria inópia mental (para me servir de expressão de Machado de Assis, ao criticar os medalhões de seu tempo).
E o que também distingue o ex-ministro ainda mais é o fato de ter o que seus adversários não demonstram: retidão moral (sem nenhum ranço moralista nesta expressão); basta notar que toda a entourage do ex-presidente está envolvida em crimes e está enrascada com a polícia. O mito corrompeu seus auxiliares, diretos e indiretos (se já não eram).
O que provavelmente mais surpreende e desconcerta opositores extremistas, principalmente evangélicos, é que citações da Bíblia são frequentes nas intervenções de Dino. Essas menções não são de ocasião nem a repetição de um único versículo. Além de variadas e aplicadas a determinado contexto, com adequação, fogem à espetacularização oportunista. Dino não memoriza trechos e os repete como mantra. Para ele, a Bíblia é molde para analisar e criticar a realidade, o que exige conhecimento do sentido de cada passagem em seu contexto original.
Sim, comunista lê a Bíblia; comunista acredita em Deus, para arrepio dos religiosos, que veem a ruína de um dos pilares de suas convicções sobre comunismo. Uma coisa é o ideário político; outra, a fé religiosa, por certo; contudo, essas dimensões não podem divergir, sob pena de se contrair indesejável esquizofrenia.
Na atual convergência entre política e religião, no Brasil, Flávio Dino contribui para desfazer os fantasmas construídos em segmentos cristãos ultraconservadores, que construíram um imaginário deformado sobre a Esquerda em geral e sobre Comunismo em particular, segundo o qual não há possível convergência entre essas dimensões
Desfazem essa ideia as trajetórias pessoal e política de Flávio Dino, materializadas em seu protagonismo recente no cenário político do Brasil. Comunista lê a Bíblia; comunista acredita em Deus; comunista estuda; comunista tem ficha limpa.
O que contra comunistas dizem é mentira, assim como era a pregação segundo a qual Lula implantaria uma ditadura comunista no Brasil, mentira também difundida com estridência por certos expoentes evangélicos (tão lidos nas escrituras!), que defendem com unhas e dentes o ex-presidente, que não é comunista; isso talvez explique o fato de o inelegível ter extensa lista de crimes investigados e fartamente conhecidos, além de responder a dezenas de processos.
Se fosse comunista, teria ficha limpa.
Que o Brasil seja governado por comunistas!
(*) Paulo Sérgio de Proença é professor da Unilab-BA
[1] Ver: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/nunca-fiz-conluio-com-o-mp-nem-tive-sentenca-anulada-diz-dino-a-moro-no-senado/quem tem honra a defende/.
[2] Ver: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/gordofobia-contra-dino-nas-redes-dispara-apos-indicacao-para-o-stf/.
Uma resposta
Só pra lembrar que no texto, o escritor não deixa claro na décima linha do terceiro parágrafo, qual o partido Dino foi filiado entre 2006 a 2021. e aqui aprovei prá lembrar que foi o PCdoB. saudações revolucionárias