Por Marcos Jakoby (*) e Eleandra Koch (**)
O dirigente da tendência Movimento PT, Thiago Braga, foi agraciado com um espaço no jornal Zero Hora para escrever um artigo de opinião sobre o Partido dos Trabalhadores. A íntegra do artigo pode ser encontrada ao final. A primeira parte é dedicada em “celebrar” a “disposição de setores e siglas de centro em apoiar o nosso projeto”. Para embasar tal constatação, cita o apoio do PSDB, no segundo turno em Pelotas, à candidatura do PT. Isso revelaria, inclusive, em sua opinião, “que líderes do PSDB estão dispostos a construir projetos em comum e contra projetos que se aproximam da extrema direita”. Outro indício dessa tese, seria o fato de que PP, PSD e MDB têm ministérios no governo Lula III.
Antes de qualquer argumento, é preciso dizer algo aparentemente óbvio: os partidos acima não são de “centro”, mas de direita. São representantes da direita tradicional e neoliberal. Dito isso, vamos ao concreto sobre o apoio do PSDB em Pelotas. Uma parte do partido na cidade, embora a neutralidade formal, apoiou Marciano Perondi (PL), como é o caso do deputado federal Daniel Trzeciak. Uma parte manteve a “neutralidade”. Outra parte apoiou nosso candidato, porém não por motivos nobres, como derrotar o projeto da extrema direita, mas por pragmatismo. Isto é, o fizeram para conquistar nosso apoio em Caxias do Sul, onde os tucanos foram ao segundo turno contra o PL e os eleitores petistas eram decisivos nas eleições. Bom recordar, também, que, em Porto Alegre, o PSDB apoiou a candidatura de Melo – representante da extrema-direita nas eleições da capital – no segundo turno.
O segundo aspecto que Thiago Braga parece esquecer: não é possível derrotarmos definitivamente a extrema-direita sem derrotarmos o neoliberalismo, que cria as condições políticas, sociais e culturais para o surgimento do neofascismo. A desigualdade social, a concentração de renda e riqueza, a retirada de direitos sociais e trabalhistas, a destruição dos serviços públicos, os ataques aos movimentos sociais e sindicais e a desesperança criada em milhões de trabalhadores e jovens promovida são realidades que alimentam e fortalecem a extrema-direita e criam um ambiente favorável contra as liberdades democráticas.
Aliás, o diretório do PT do Rio Grande do Sul caracterizou de maneira precisa o governo de Eduardo Leite, em sua resolução de tática eleitoral, em setembro de 2023: “no Rio Grande do Sul, as eleições municipais devem servir para reforçarmos a oposição ao Governo Leite (PSDB) e do seu projeto privatista que aprofunda o desmonte do Estado, as desigualdades sociais e atrasa o desenvolvimento regional. Leite governa para os ricos, não prioriza políticas sociais e privatizou a água dos(as) gaúchos(as), estando em dissonância com o interesse público e com fortes suspeitas de ilícitos. É responsável pelo desmonte das políticas da saúde e educação, precarizando essas duas áreas essenciais para a vida da população. Ataca os(as) servidores(as) públicos, em especial o magistério que sofre com o arrocho salarial. É preciso derrotar este projeto!”. Uma coisa é o apoio pontual e pragmático em uma disputa eleitoral de segundo turno, outra coisa bem diferente é imaginarmos que possamos trilhar um caminho de “projeto” em comum.
A terceira ideia que o autor do texto tenta vender é a versão de que suas proposições são uma espécie de “inovação” no debate sobre como o PT deve se posicionar na luta política no Brasil. Contudo, não há algo mais antigo no debate político do PT do que essas ilusões de que existem “setores do PSDB (e da direita)” aos quais o PT pode vir a ser palatável.
Recordar é viver, e esse debate, já em 1993, foi um divisor de águas no 8° Encontro Nacional do PT, quando a maioria da antiga Articulação defendia essa tese de que era necessário abrandar a estratégia (e a tática) para construir alianças com “setores” do PSDB. Bem como, por algum tempo, intelectuais respeitáveis do PT e da esquerda passaram a formular sobre “o Brasil no pós-neoliberalismo”, quando completamos 10 anos do partido no governo federal. Entretanto, depois disso, veio o Golpe de 2016 e ficou evidente que o neoliberalismo não havia sido superado no Brasil e que o PT, por continuar sendo a maior referência para a classe trabalhadora no Brasil, mesmo que com uma estratégia de conciliação – que impediu que fizéssemos as mudanças profundas necessárias antes do golpe – jamais seria aprazível à direita e aos chamados setores de “centro”.
Além do que, na disputa polarizada que garantiu a eleição de Lula em 2022 – no frigir dos ovos – a vitória na “unha” e no voto foi a polarização de projetos antagônicos para o Brasil, que tem no centro da disputa a batalha entre o capital e o trabalho. Portanto, acerca de se o Estado brasileiro, mesmo dentro dos limites impostos, deve ter o papel de promover direitos e melhores condições de vida à população trabalhadora, ou se ele deve ser desmontado, terceirizado e privatizado de sua capacidade de assegurar o desenvolvimento, a soberania e o bem-estar social e estar à serviço, sobretudo, do setor financeiro, do setor primário-exportador e do grande capital.
No caso dos outros partidos de direita citados por Braga, o argumento também é muito curioso. Se o fato de comandar ministérios do nosso governo fosse atestado de apoio ao nosso projeto, estes partidos não teriam apoiado o golpe contra a presidenta Dilma em 2016. Braga igualmente esquece que fora dos palácios (ou mesmo dentro deles, é só lembrar da atuação destes no Congresso Nacional), PP, PSD e MDB não raramente combatem o governo Lula e o PT. Há alguns dias Sebastião Melo declarou em entrevista a uma revista que era um grande erro o MDB compor o governo federal. Assim, sucedem-se inúmeros casos envolvendo estes partidos. Inclusive em relação ao “celebrado” Eduardo Leite, que no último 8 de agosto participou do ato do “tratoraço” promovido pelo agronegócio e pela extrema-direita do estado. Leite endossou as críticas e os ataques ao nosso governo.
A segunda e última parte do artigo publicado em ZH refere-se à necessidade de ampliar o apoio ao governo e ao PT. Algo que qualquer petista está de acordo. Entretanto, para Braga, “com mais de quatro décadas de experiência e formação de lideranças, o PT tem condições de enfrentar esses desafios de atualização das suas pautas, tendo o centro como foco. Temos capacidade de diálogo com outras forças, com a indústria, com a agricultura e outros setores.”
Em nossa opinião, as nossas dificuldades não derivam da “falta de diálogo” com o “centro” e a “agricultura”. Aliás, o governo já fez muitos acenos e concessões a estes setores e isso não resolveu nossos problemas. A nossa principal dificuldade é que perdemos o apoio – e de uma parte nunca o tivemos – de uma parcela muito grande da classe trabalhadora, que estão cansados de discursos “ao centro” e por isso escolhem uma alternativa de extrema-direita que se apresenta de maneira simulada como “anti-sistêmica”, ou escolhem se ausentar dos processos eleitorais. Cidades como Porto Alegre, Caxias do Sul e São Leopoldo registraram abstenções acima de 30% do eleitorado. Portanto, o nosso “foco” deve ser reconquistar o apoio da classe trabalhadora, que forma a maioria esmagadora da população brasileira.
Braga lembra que os trabalhadores são diversos. Fala dos trabalhadores uberizados. E é fundamental termos isso em conta. Por isso, as lutas que emergem do cotidiano da classe trabalhadora precisam ser estimuladas e apoiadas pelo PT e pela esquerda brasileira. A exemplo da luta contra a escala 6×1 e pela redução da jornada de trabalho. O interessante é que quando essas lutas surgem, muitos levantam o “fantasma de 2013” para afirmar que essas lutas não passam de conspiração contra o governo ou as abandonam quando está em pauta a “defesa da democracia”. Exemplo: para o dia 10 de dezembro, “Dia Internacional dos Direitos Humanos”, está sendo convocado pelas frentes uma mobilização nacional em defesa da democracia e contra a anistia aos golpistas. No entanto, a pauta da contra a escala 6×1 e pela redução da jornada de trabalho não compareceu à convocatória. Para a esquerda, a defesa da democracia não é algo formal e abstrato, mas possui conteúdo, onde os direitos sociais e trabalhistas são imprescindíveis.
O autor tangencia o fato de que o PT precisa atualizar a sua compreensão a respeito das novas conformações do mundo do trabalho e da classe trabalhadora no Brasil, contudo, ignora que ilusões – tais como a de que abrandamentos de estratégia poderiam construir melhores condições de “governabilidade” – levaram à desoneração de folhas de pagamentos sem contrapartidas e ao ajuste fiscal de 2015, entre outras coisas. Por exemplo, o slogan, de um dos governos do PT: “ fazer do Brasil um país de classe média” é exemplar dessas confusões estratégicas que advém de políticas de conciliação defendidas por visões como a que Braga se associa. Contudo, não se sustentam e deseducam a classe trabalhadora e, indiretamente, corroboram para a emergência da ideologia do empreendedorismo, como solução para quem vive do seu trabalho (os trabalhadores e as trabalhadoras) e que precisa de proteção e direitos sociais.
Por fim, é necessário impedir o movimento em curso de domesticação do PT gaúcho, que conta com apoio de setores do partido e fora dele. Um movimento que busca descaracterizar o PT, levá-lo ao centro e torná-lo aliado e palatável a setores da classe dominante, cuja natureza é antipopular e golpista. E afirmamos, mais uma vez, que, para derrotar a extrema-direita, é crucial derrotarmos as forças neoliberais e conservadoras em nosso estado. Sem isso, não haverá liberdades democráticas asseguradas para a maioria do povo, direitos sociais, serviços públicos de qualidade e desenvolvimento de outro tipo, articulado com nossos objetivos históricos.
(*) Marcos Jakoby é petista, professor e membro da direção estadual da Articulação de Esquerda
(**) Eleandra Raquel é petista, sindicalista e militante da Articulação de Esquerda
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(segue o texto de Thiago Braga, publicado no jornal Zero Hora)
Por um PT ao lado das pessoas, do centro e do desenvolvimento
O próximo passo também é refletir sobre quem são os trabalhadores atuais que o PT vai defender e por quem vai lutar
Por Thiago Braga, dirigente nacional do Grupo Movimento PT
Temos orgulho em sermos o partido do atual presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva é um líder respeitado em todo o mundo. Dos 497 municípios gaúchos, o PT elegeu 20 prefeituras. Temos de comemorar a vitória em cidades como Pelotas, Rio Grande, Bagé e São Lourenço do Sul. Mas há algo a mais que devemos celebrar e refletir: a disposição de setores e siglas de centro em apoiar o nosso projeto.
Quando o governador Eduardo Leite anunciou apoio para o prefeito eleito Fernando Marroni, em Pelotas, marcamos um passo importante para a democracia. Isso revela que líderes do PSDB estão dispostos a construir projetos em comum e contra projetos que se aproximam da extrema direita.
Veja bem, leitor, as siglas de centro já estão no governo. O MDB comanda os ministérios das Cidades e de Transportes, com Jader Filho e Renan Filho. O PSD, que mais elegeu prefeitos no Brasil, comanda as pastas de Agricultura, com Carlos Fávaro, e Minas e Energia, com Alexandre Silveira. O PP tem o Esporte, com André Fufuca. O PDT tem Carlos Lupi na Previdência. O PSB tem o vice-presidente Geraldo Alckimin e outros ministérios. O Republicanos comanda Portos e Aeroportos, com Silvio Costa. Ou seja, boa parte do centro já está com o governo e nega o projeto bolsonarista que falhou no Brasil.
O próximo passo também é refletir sobre quem são os trabalhadores atuais que o PT vai defender e por quem vai lutar. O PT precisa entender que o Brasil mudou. E nossas relações precisam de transformação. Com mais de quatro décadas de experiência e formação de lideranças, o PT tem condições de enfrentar esses desafios de atualização das suas pautas, tendo o centro como foco. Temos capacidade de diálogo com outras forças, com a indústria, com a agricultura e outros setores. É preciso abrir a conversa com os trabalhadores uberizados e com os empreendedores, sem abandonar quem esteve conosco, mas ampliando o nosso espaço.