Por Felipe Gallindo*
Introdução
A atuação de um partido político de esquerda se define por seu programa e de um método que, articulados a partir de uma correta análise de conjuntura e de estruturas sociais, se concretiza na elaboração de um conjunto de táticas e de estratégias visando uma práxis transformadora.
Em certos períodos históricos uma análise de conjuntura equivocada pode acarretar sérios problemas na condução da linha política de um partido classista, podendo contribuir para derrotas históricas da classe trabalhadora.
E é justamente este período que estamos vivendo no mundo e no Brasil.
Uma onda global neoconservadora avança a fim de aprofundar e consolidar a agenda neoliberal.
Em nossa sociedade temos fim da “Nova República” e a agonia da democracia burguesa. Elas estão sendo substituídas por um Estado militarizado à serviço da recolonização do Brasil e da superexploração de seu povo, tendo à frente do poder Executivo a face hedionda da barbárie explícita.
Situação internacional
O fim da Guerra Fria não só tornou os EUA a única superpotência global, como depois de cerca de oito décadas, tivemos um sistema econômico único: o Capitalismo e sua agenda de destruição do Estado de Bem Estar Social, que foi hegemônico no mundo ocidental no pós-guerra.
Findo o chamado Socialismo Real no início dos anos de 1990, o discurso anticomunista não mais interessava. Era então necessário ao império ianque eleger outro inimigo, e neste caso um inimigo que tivesse petróleo. Primeiro a Guerra do Kuwait, nos anos de 1990 e depois a Guerra do Iraque, na década passada. Tais acontecimentos nos remetem diretamente a geopolítica norte-americana no século XXI, no controle direto e/ou indireto das reservas mundiais de petróleo. Isso nos ajudará a compreender um dos elementos centrais presentes no processo golpista no Brasil, com a descoberta do Pré-Sal.
Neste sentido, dois movimentos foram feitos pelos EUA em relação à América do Sul. Na Venezuela constantes ataques verbais e sanções econômicas visando desestabilizar primeiro o governo de Hugo Chávez e depois o de seu herdeiro, Nicolas Maduro. Inclusive na recente e grotesca pantomina do auto-declarado presidente Guaidó e a encenação de uma aliança militar Trump-Bolsonaro para invadir a Venezuela, que não passou de retórica.
Em relação à descoberta do Pré-Sal no Brasil em 2007, no ano seguinte (2008) os EUA reativaram sua Quarta Frota, que se constitui no Comando Naval do Sul, responsável pelo monitoramento do Atlântico Sul e que estava desativada desde 1950.
Se o petróleo brasileiro interessava aos EUA a nossa política externa independente (até certo ponto) incomodava o Império. A construção de um polo político importante no multilateralismo com a criação do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) em 2006, ao qual foi adicionada a África do Sul em 2011 – daí o BRICS – não foi aceita pelos EUA. Era preciso agir para que o Brasil deixasse de ser o representante deste novo polo de concorrência no mercado global.
Esses são os alicerces dos acordos do Departamento de Justiça dos EUA com a Operação Lava Jato. Alguns desses acordos foram recentemente proibidos pelo STF, pois o dinheiro desviado da Petrobrás retido nos EUA seria repassado para um ”fundo da Lava Jato” em troca de informações. Algo em torno de 2,5 bilhões de dólares.
Esses foram os poderosos interesses internacionais que impulsionaram o processo golpista no Brasil. E obviamente eles encontraram eco nas nossas elites.
Situação Nacional
Na ciência histórica temos alguns conceitos que nos ajudam a compreender os ritmos dos processos vivenciados nas sociedades humanas: permanências, rupturas, longa duração, transição, história do presente, entre outros. Os períodos revolucionários e contrarrevolucionários são marcados pela velocidade dos acontecimentos, trazendo com eles rupturas com o passado. As permanências nos lembram das diversas dimensões das mentalidades e do imaginário social que compõe o senso comum, que resistem à passagem do tempo. Também são assim analisadas a economia e as classes sociais.
Tal discussão nos interessa de perto porque ao analisarmos a atual conjuntura nacional, além de estarmos fazendo um exercício de história do presente, temos que compreender o processo golpista nas diversas dimensões temporais que o compõem, pois nele podemos perceber as relações dialéticas entre o passado e o presente. Só assim poderemos perceber a dimensão do retrocesso político no qual nossa sociedade está sendo jogada.
Na proposta oficial de tese da Coordenação Nacional da Articulação de Esquerda já temos delineadas as quatros permanências que nos ajudam a compreender as raízes do processo golpista, as quais correspondem a uma análise de longa duração, são as seguintes: dependência externa, desigualdade social, democracia limitada e desenvolvimento conservador.
Estas características estruturais da evolução histórica brasileira nos permitem observar os elementos que, numa perspectiva de longa duração (seis séculos), ainda persistem em pleno século XXI. No entanto, é preciso aproximarmos mais as lentes do olhar histórico para enxergarmos com maior nitidez o presente.
Neste sentido, o que nos chama a atenção em primeiro lugar é a expressiva quantidade de militares de alta patente na cúpula do governo e nos demais escalões. O presidente é um capitão do exército reformado. O vice-presidente um general que estava na ativa até pouco tempo atrás e que defendia publicamente uma intervenção militar contra o poder civil. Ambos defendiam publicamente a ditadura militar. Como chegaram ao controle do governo defendendo o terrorismo estatal, a tortura e a morte?
A resposta, infelizmente é simples. A transição democrática no Brasil dos anos de 1980 foi um processo de conciliação de classes, não uma ruptura. Os militares genocidas não foram colocados no banco dos réus e julgados por seus crimes de lesa-humanidade a exemplo do que ocorreu na Argentina e, em maior escala, no Chile e no Uruguai. Não ocorreu uma repercussão pública dos crimes praticados pela ditadura. A Lei da Anistia (1979) imposta pelos militares impediu o julgamento destes. Dessa forma o Exército permaneceu até hoje como a instituição pública com maior credibilidade junto à opinião pública. As tardias Comissões da Verdade, apesar de sua importância, não poderiam reverter este processo.
E devemos destacar, na nossa posição de educador, que o processo de redemocratização e o período da Nova República ignoraram, não gratuitamente, a inserção de temas fundamentais na construção de uma consciência democrática e cidadã nos currículos escolares. Além das matérias tradicionais devíamos ter ensinado a nossas crianças e jovens matérias como: Democracia, Cidadania, Direitos Humanos, Movimentos Sociais entre outras. Gerações inteiras foram perdidas para a religião do consumo, do individualismo e da violência.
Some-se a isso, as sucessivas intervenções militares no Rio de Janeiro para pretensamente combater o tráfico. Tudo bombardeado diariamente pela mídia burguesa e golpista. O caminho para a fraude eleitoral de 2018 estava sendo pavimentado paralelamente a criminalização do PT pela Lava Jato.
O golpe se desdobrou em um processo com três fases: o impeachment da presidenta Dilma Roussef em 2016, a prisão política do presidente Lula e sua inegibilidade na eleição presidencial de 2018 que possibilitou a vitória do candidato da extrema-direita.
Todo este processo só foi possível coma articulação de uma verdadeira Operação de Estado, tendo como fiador do golpe o STF (apesar de suas dissensões internas), além das demais instâncias da Justiça e do Exército, no caso da prisão do presidente Lula. Foi um golpe institucional. Não foi preciso colocar as tropas e os tanques nas ruas. A violência e a mentira já estavam nas cabeças das pessoas. Essa constatação nos leva a colocar a discussão além da dimensão econômica, pois os elementos culturais foram determinantes.
Esse ambiente cultural perdurou no período eleitoral de 2018. Isso ao lado da indústria ilegal das fake news, aliado ao poder econômico, a lavagem cerebral promovida pela maioria das igrejas evangélicas e a manipulação descarada das mídias possibilitou que uma figura medíocre que vomita barbárie, ganhasse de forma fraudulenta a corrida presidencial.
Neste momento em que escrevo, às vésperas do quinto Congresso Nacional da AE, o governo Bolsonaro tem pouco mais de 100 dias. A sua política corresponde ao seu discurso de terra arrasada, ou seja, a destruição de todas as conquistas sociais dos últimos 100 anos.
Vivemos numa etapa histórica contrarrevolucionária. Os 13 anos de governo do PT com suas políticas públicas de inclusão social, de respeito às diversidades e de investimentos na educação pública, nunca foram aceitos pelas nossas elites. A Comissão da Verdade nunca foi aceita pelas Forças Armadas. Os nossos movimentos no sentido de uma política externa independente na construção de um diálogo Sul-Sul nunca foi aceita pelo Império Ianque. Os espaços públicos e a ascensão social da população afro-brasileira jamais foi aceita pela elite branca. A luta da comunidade LGBTQI+ pelos seus direitos nunca foi aceita pelas igrejas neofundamentalistas. As polícias militares nunca aceitaram os limites de sua ação como capitães do mato contemporâneos no genocídio da juventude negra.
O objetivo estratégico dessa direita, ainda sem uma conceituação precisa (neofascistas, neonazistas, populistas de direita, etc) é destruir o PT, único adversário do campo popular com chance de vence-los nas urnas.
Esse monstruoso caldo cultural não foi devidamente freado nos 13 anos do governo do PT. As correntes majoritárias do partido se contentaram em ocupar o governo. Não em disputar o poder.
Isso nos leva, depois de caracterizarmos o atual período de contrarrevolucionário, a discutirmos as questões táticas e estratégicas.
Tática e estratégia
A questão central da reconfiguração estratégica do partido deve ser a derrubada da coalizão de direita que usurpou o poder Executivo desrespeitando a soberania popular. Para isso, a nova estratégia deve combinar a luta para reconquistar o governo com a luta pelo poder. Poder entendido como a construção de um consenso na sociedade, baseado na organização das classes subalternas. Ou seja, a luta pelo poder passa pela conquista da hegemonia.
As questões táticas estão subordinadas a estratégia do partido. Se queremos brigar pelo poder, o nosso movimento deve ser em direção ao povo e não ficarmos limitados à esfera parlamentar. E essa luta tem três eixos neste período: Lula Livre, contra a destruição da Previdência Pública e Social, e a luta contra o projeto de segurança de Moro.
O PT deve ter consciência de que esta é uma luta de vida ou morte. Ou radicaliza, no sentido original da palavra, e volta as suas raízes – a classe trabalhadora, ou pode sofrer uma repressão análoga a do outro partido hegemônico da classe trabalhadora em período histórico anterior, o PCB, que teve seu registro cassado no contexto da Guerra Fria, em 1947.
Por tudo isso reafirmamos que EM TEMPO DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA !!!
*Felipe Gallindo é Doutor em História (UFPE) / Professor da rede municipal do Recife